Início 9 Pontos de Vista 9 Janeiro branco: como cuidar da mente em um mundo de desinformação

Pontos de vista

Acervo Pessoal

jan 27, 2025 | Pontos de Vista

Janeiro branco: como cuidar da mente em um mundo de desinformação

Acervo Pessoal
COMPARTILHAR:

O início de um novo ano simboliza recomeços e oportunidades para repensar prioridades. É nesse espírito que surge o #JaneiroBranco, uma campanha nacional criada em 2014 com o objetivo de chamar a atenção para a saúde mental , tanto individual quanto coletiva. Inspirada no simbolismo de uma “folha em branco”, a iniciativa busca promover a conscientização sobre o bem-estar emocional, combater estigmas e incentivar o autocuidado.

A saúde mental é um tema urgente! A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que mais de 280 milhões de pessoas vivem com depressão no mundo, enquanto os transtornos de ansiedade afetam 3,6% da população global. No Brasil, esses índices são ainda mais alarmantes: o país lidera o ranking mundial de ansiedade, com 9,3% da população afetada, e cerca de 5,8% vivem com depressão, de acordo com dados da OMS. Esses números ressaltam a importância de abrir espaço para diálogos sobre saúde mental e de promover ações que combatam os preconceitos em relação ao tema e incentivem o cuidado emocional.

A cor branca simboliza a possibilidade de novos começos, permitindo que cada indivíduo escreva sua história de forma mais consciente e equilibrada. E o mês de janeiro foi escolhido por representar um período de reflexão, no qual muitas pessoas traçam metas e renovam esperanças para o futuro. Segundo a mitologia grega, Zeus entregou a Pandora (em grego: pan, “todos”, e doron, “dons”) uma caixa, e a advertiu para que jamais a abrisse. Pandora, movida pela curiosidade, desobedeceu e, ao abrir a caixa, liberou todos os males e sofrimentos no mundo, como doenças, dores e conflitos. No entanto, no fundo da caixa permaneceu a Esperança (Elpis, em grego). Embora todos os males tivessem sido soltos, a Esperança ficou como um presente para a humanidade, como uma luz que guia as pessoas nos momentos de dificuldade, permitindo-lhes acreditar em dias melhores, seguir em frente, apostar no novo e encontrar forças nos momentos mais desafiadores.

Assim como na mitologia, o Janeiro Branco nos convida a refletir sobre a importância de cuidar das nossas emoções, fortalecer a esperança e buscar caminhos para lidar com os desafios da vida. Afinal, um coração em paz e uma mente saudável tornam a caminhada mais leve e cheia de significado.

Entretanto, na era da informação digital, um dos maiores desafios enfrentados pela sociedade é a infodemia — o excesso de informações, muitas vezes imprecisas ou contraditórias. Esse fenômeno, aliado à desinformação, tem impacto direto na saúde mental, causando confusão, ansiedade e dificultando tanto a busca por ajuda adequada quanto o acesso a informações confiáveis.

A pandemia de COVID-19 trouxe à tona o impacto devastador da infodemia. Notícias falsas e sensacionalistas sobre o vírus e seus efeitos emocionais amplificaram sentimentos de medo e insegurança, agravando condições como ansiedade e depressão, além de causar mortes pela negação vacinal.

Atualmente, diversas fake news têm gerado danos significativos, tanto na saúde física quanto na mental. Alguns exemplos incluem:

  • “Ansiedade e depressão não são doenças reais”: essa afirmação falsa desvaloriza o sofrimento de milhões de pessoas, perpetuando o estigma e dificultando a busca por tratamento. Além disso, comentários desinformados nas redes sociais podem levar indivíduos vulneráveis a se sentirem isolados e desamparados, agravando seus sintomas.
  • “Vacinas causam autismo e problemas neurológicos”: embora já desmentida por estudos científicos, essas fakes news continuam a circular, gerando movimentos antivacinação no mundo todo. Esses movimentos resultaram no fenômeno conhecido como hesitação vacinal, que leva pessoas a evitarem imunizações comprovadamente seguras. Como consequência, populações que antes estavam protegidas pela vacinação passaram a enfrentar surtos de doenças já controladas no passado, como sarampo, coqueluche e poliomielite. Esses surtos não apenas colocam vidas em risco, mas também geram estresse e insegurança, sobretudo em comunidades mais vulneráveis.
  • “Chás ou suplementos naturais curam depressão”: a promessa de “curas milagrosas” com chás, ervas ou suplementos naturais tem levado muitas pessoas a abandonarem tratamentos profissionais baseados em evidências, como psicoterapia e medicação. Essa prática agrava quadros de ansiedade e depressão, além de atrasar o início de intervenções eficazes. Em casos mais graves, pode levar a crises emocionais severas, ao suicídio ou até a intoxicação pelo produto usado.
  • “Meditação substitui a terapia”: embora práticas como meditação e espiritualidade sejam ferramentas poderosas no cuidado emocional, elas não substituem tratamentos psicológicos ou psiquiátricos, especialmente em casos de transtornos mentais mais graves, como depressão clínica, ansiedade generalizada ou transtorno bipolar. A falsa ideia de que meditar ou orar pode resolver todos os problemas faz com que muitos deixem de procurar ajuda profissional, o que pode piorar os sintomas e comprometer a recuperação.
  • “Dietas milagrosas melhoram a saúde mental e emocional”: a disseminação de dietas milagrosas nas redes sociais, muitas vezes promovidas por influenciadores sem formação em saúde, tem causado graves impactos na saúde física e mental. Restrições alimentares extremas ou o uso de substâncias não regulamentadas, como termogênicos e produtos para emagrecimento rápido, podem levar à desnutrição, à piora de quadros de ansiedade e depressão e até desencadear transtornos alimentares, como anorexia e bulimia. Essas práticas também reforçam a ideia de que o valor de uma pessoa está atrelado à aparência física, prejudicando ainda mais a autoestima e o bem-estar emocional.
  • Incitação ao suicídio e tutoriais perigosos nas redes sociais: um dos aspectos mais alarmantes das redes é a disseminação de conteúdos que incentivam práticas autodestrutivas, como tutoriais que ensinam métodos de suicídio ou automutilação. As plataformas digitais, na maioria das vezes, não conseguem moderar adequadamente esses conteúdos, que podem ser encontrados por adolescentes e jovens em momentos de fragilidade emocional. Esses materiais não apenas colocam vidas em risco, mas também podem normalizar comportamentos perigosos em comunidades online.
  • Discursos de ódio e violência nas redes sociais: a proliferação de discursos de ódio e conteúdos violentos nas plataformas digitais afeta diretamente a saúde mental. Pessoas expostas a esses conteúdos podem desenvolver transtornos como ansiedade, depressão e estresse pós-traumático. Além disso, a criação de comunidades extremistas online, muitas vezes alimentadas por fake news, reforça fanatismos e polarizações que promovem o isolamento e o medo.
  • Fanatismos e desinformação em saúde mental: grupos online que promovem crenças extremas, como a rejeição total a tratamentos médicos ou psicológicos, prejudicam diretamente indivíduos vulneráveis. Essas comunidades muitas vezes compartilham teorias da conspiração que desencorajam o uso de medicamentos ou terapias baseadas em evidências, levando ao agravamento de transtornos e à desconfiança em profissionais da área.

E como prevenir-se? Com a educação digital

Com a internet sendo a principal fonte de informações para muitas pessoas, o combate à desinformação é essencial para promover uma abordagem mais saudável e científica sobre a saúde mental. A educação digital desempenha um papel crucial na proteção contra a desinformação, sendo um alicerce indispensável para a saúde mental e para a construção de um ambiente online mais confiável e seguro.

A promoção da educação digital nas escolas, nos ambientes de trabalho e na sociedade em geral é uma medida necessária para mitigar os impactos negativos da desinformação sobre a saúde emocional e coletiva. Entre os cuidados recomendados em educação digital estão:

  • verificar a origem das informações antes de compartilhá-las, garantindo que sejam de fontes confiáveis e baseadas em evidências científicas. sites com terminações como “.org”, “.gov” ou de instituições que ofereçam conteúdos checados são mais confiáveis.
  • evitar o consumo de conteúdos sensacionalistas, que podem intensificar o estresse e a ansiedade.
  • investir em ferramentas de alfabetização digital, como aprender a identificar fake news e compreender como algoritmos podem influenciar o que vemos nas redes sociais.
  • promover diálogos críticos com crianças e adolescentes sobre os perigos da desinformação e a importância de construir uma relação saudável com o ambiente digital.
  • utilizar ferramentas parentais oferecidas pelas plataformas digitais, que permitem monitorar o uso de dispositivos, restringir conteúdos impróprios, configurar alertas e bloquear interações com usuários perigosos. Esses recursos são fundamentais para proteger crianças e adolescentes de situações que impactam diretamente sua saúde mental, como exposição a conteúdos nocivos, assédio online e violência sexual digital.  
  • utilizar canais especializados em checagem de informações, que ajudam a verificar se uma notícia é verdadeira ou falsa. Entre eles, destacam-se:

Ao adotar essas práticas, é possível contribuir para um ambiente digital mais saudável e seguro, reduzindo os impactos negativos da desinformação sobre a saúde mental e emocional das pessoas.

Além disso, é fundamental buscar um equilíbrio no uso das redes sociais e reservar momentos offline para cuidar da mente e do corpo. A proteção contra os impactos negativos do mundo digital depende não apenas de estratégias individuais, mas também de esforços coletivos para tornar o ambiente online mais seguro e informativo.

Assim como Pandora preservou a Esperança para um futuro melhor da humanidade, o Janeiro Branco nos convida a carregá-la em nossos corações enquanto buscamos equilíbrio e paz emocional. É essencial que, como sociedade, possamos construir um ambiente mais acolhedor, onde cuidar da mente seja visto como um ato de coragem e amor próprio.

Comece hoje cuidando de quem mais importa: você! A cada dia, temos a chance de escrever uma nova página na história de nossas vidas — que ela seja repleta de conquistas, bem-estar e esperança.

COMPARTILHAR:
Rubens Bollos

É médico, mentor e palestrante. Mestre e Doutor (Ph.D) em Ciências da Saúde pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e Pós-Doutorado em Biologia do Desenvolvimento (USP/ICB). Pesquisador nas áreas de imunologia, epigenética, salutogênese e cultura de paz com foco no estudo de indicadores de êxito em saúde. É presidente-fundador da ABMPP.org (Associação Brasileira de Medicina Personalizada e de Precisão).

0
Would love your thoughts, please comment.x