O termo fake news é bastante recente, o que não significa dizer que o fenômeno o seja. Pelo contrário, sua existência traspassa as sociedades humanas há tanto tempo que se perde a perspectiva de suas raízes. E o conceito, que hoje foi criado para discriminar notícias ou informações falsas sobre fatos ou personagens, pode certamente ter sua perspectiva ampliada para outros setores da nossa vida cotidiana: a saúde, a nutrição, a educação, e muitas outras. Nestes casos, na maioria das vezes, se prestou a vender produtos, sugerindo atributos a estes que seriam benéficos sem sê-los. O objetivo, porém, parece ser comum: aumentar competitividade, lucros, vantagens comerciais.
Nos anos 70 do século passado, um produto farmacêutico foi lançado com grande investimento promocional pela indústria farmacêutica, trazendo em todo o seu material de divulgação a frase curiosa: “aumenta o fluxo biliar quando está diminuído, reduz o fluxo quando está aumentado e mantém quando está normal.” Ou seja, seria como se a drágea miraculosa pudesse, em contato com o organismo, identificar se o fluxo da vesícula estivesse aumentado, diminuído ou normal e, então, agisse conforme o identificado! Muitos profissionais, cegos com as canetas, bloquinhos e outros brindes distribuídos pelo laboratório, andaram prescrevendo o medicamento até que ele foi retirado de circulação por risco de comprometimento ao fígado.
Nossa ciência tem um compromisso com a Verdade que faz com que se apoie nos dados consolidados até o presente, mas que podem ser desmentidos posteriormente por novos dados levantados. Isto não a desqualifica, pelo contrário, a torna dinâmica e potencialmente sujeita a aperfeiçoamento e correções. Inclusive, para reduzir a possibilidade de olhares enviesados de pesquisadores previamente comprometidos com determinados objetos, de alguns anos para cá passou a ser exigência dos autores dos trabalhos declaração sobre possíveis conflitos de interesses.
Mas alguns fatos curiosos valem ser citados por demonstrarem que as verdades atestadas podem ser manipuladas ou utilizadas por interesses alheios à ciência. Como exemplo, podemos citar que, na primeira década do século XX, a febre era considerada boa pro organismo por sua ajuda no combate às infecções ao inibir a multiplicação de alguns agentes infecciosos, além de aumentar o metabolismo, sendo, então, apenas acompanhada para que não alcançasse níveis tão elevados que prejudicassem o organismo. Em 1908, a Bayer sintetizou, pela primeira vez, a aspirina em laboratório, medicamento que tinha ação analgésica e antitérmica. Coincidentemente, a partir de então, a orientação médica passou a combater a febre indiscriminadamente.
Na década 60 do século passado, a indústria de alimentos, alicerçada na ciência, “descobriu” que a manteiga obstruía nossas artérias, aumentando o risco de acidentes cardiovasculares. Por isso, lançou um novo produto que seria benéfico à saúde, além de saboroso: a margarina. As TVs foram inundadas de publicidades coloridas com famílias belas e felizes se entupindo de margarinas deliciosas. Algumas décadas se passaram e o que a ciência descobre é que a gordura saturada da manteiga faz menos mal do que a gordura hidrogenada da margarina. Sem contar que esta não contém as vitaminas e antioxidantes da primeira. E olha que não falamos aqui do sabor… Este é um exemplo clássico de um recorte do conhecimento feito com finalidades utilitárias. O próprio ovo foi também condenado quase ao ostracismo por aumentar o colesterol, até que cientistas descobriram o grande potencial nutricional do alimento. Assim, após algumas décadas de privação de alimentos tradicionais da sua cultura, a humanidade voltou a usufruir destes sem culpa.
A área de Saúde é rica em “modismos”, grande parte destes ditados por novos “saberes” ou revolucionárias “descobertas” que impactam diretamente os modelos de consumo, gerando lucros exorbitantes para os grandes conglomerados químicos. Um exemplo recente que temos é a enorme incidência atual de osteopenia, seu agravamento, a osteoporeose e as hipovitaminoses D. Ocorre que, de décadas para cá, a dermatologia descobriu que os raios solares emitem um tipo de radiação, a radiação ultravioleta, que estaria envolvida com o câncer de pele. Passou-se a combater, então, a exposição aos raios solares ou a reduzir seus efeitos com o uso de protetores ou bloqueadores solares. Ora, a vitamina D é sintetizada em nosso organismo, particularmente em nossa pele, a partir do estímulo dos raios solares. Ao mesmo tempo, é esta vitamina a responsável por fixar o cálcio disponível na corrente sanguínea em nossos ossos. A conta é muito simples: bloqueiam-se os raios solares, inibe-se a síntese da vitamina D, reduz-se a incorporação de cálcio ao osso e explodem os casos de osteoporose. Ocorre que as indústrias químicas e farmacêuticas se confundem, sendo braços irmãos de grandes conglomerados, como a Bayer, que comercializa tanto protetores e bloqueadores solares, quanto a própria vitamina D! É a estratégia ganha-ganha…
Porém, talvez, a mais vergonhosa e criminosa fake news que presenciamos na área da nutrição, tenha sido a participação da Nestlé no mundo da alimentação infantil. Sua estratégia de venda de seu alimento lácteo, desde sua criação, foi tão nociva que gerou reação de ativistas, tendo um grupo, na década de 70 do século passado, lançado um panfleto intitulado Nestlé Mata Bebês, onde denunciavam este marketing agressivo, principalmente nos países em desenvolvimento, com implicações severas na saúde das crianças destes países. Isto porque milhões de mães mundo afora abriram mão do aleitamento materno para oferecer a suas crianças um “alimento saudável” que substituiria o leite materno com vantagens. A farsa do marketing das indústrias foi denunciada amplamente, obrigando estas empresas a colocarem em seus produtos de forma visível expressões como: “Não substitui o leite materno” ou “O leite materno é o alimento ideal para a criança até seis meses de idade”, entre outras. Porém, muitas crianças já haviam sido vítimas de suas mentiras gananciosas!