A volta às aulas deste ano tem uma novidade: a proibição de celulares nas escolas públicas e privadas de todo o país. A determinação veio de uma nova lei, promulgada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 13, que proíbe o uso de dispositivos móveis por estudantes durante a aula e o recreio para todas as etapas da educação básica com o objetivo de “salvaguardar a saúde mental, física e psíquica das crianças e adolescentes”.
O uso dos aparelhos eletrônicos só poderá ocorrer para fins pedagógicos ou didáticos, sob a orientação dos professores, e quando o aluno estiver em situações de perigo ou de necessidade. O texto também afirma que a utilização será permitida para garantir a acessibilidade, inclusão, direitos fundamentais e as condições de saúde dos estudantes.
Além disso, a nova norma determina que as redes de ensino e as escolas:
- Elaborem estratégias para tratar de sofrimento psíquico e da saúde mental dos estudantes, informando sobre os riscos e danos relacionados ao uso excessivo dos aparelhos eletrônicos;
- Ofereçam treinamentos para detecção e prevenção de sinais de sofrimento psíquico e mental das crianças e adolescentes.;
- Disponibilizem espaços de escuta e de acolhimento para receberem estudantes ou funcionários que estejam em sofrimento psíquico e mental decorrentes principalmente do uso imoderado de telas e de nomofobia (ansiedade pela falta do celular).
O texto, porém, não traz detalhes sobre como os professores e escolas devem lidar caso o aluno insista em usar o aparelho nas dependências da escola. Nesta semana, a Secretaria de Educação do estado de São Paulo (Seduc-SP) publicou uma cartilha de orientação para as instituições paulistas de ensino, orientando o recolhimento do celular e a assinatura de uma declaração sobre as condições do aparelho. Em casos extremos de descumprimento, a escola também poderá envolver a Rede Protetiva, como o Conselho Tutelar e as Unidades Básicas de Saúde (UBS).
Outro ponto que não está na lei federal é sobre o armazenamento dos dispositivos pelos alunos. Em São Paulo, a cartilha da secretaria orienta que os celulares sejam guardados pelas escolas em “local inacessível, como armários ou caixas”.
Antes da lei federal, pelo menos 17 estados de diferentes regiões já haviam criado regras específicas para o uso dos celulares. Em janeiro do ano passado, por exemplo, o Rio Grande do Norte determinou regras para as escolas estaduais parecidas com as estabelecidas recentemente pelo governo federal. Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e Amazonas são alguns outros estados que também possuem leis semelhantes.
Proibição de celulares nas escolas divide opiniões
Mesmo que a proibição do uso do celular seja uma tendência nacional e internacional, a medida ainda gera avaliações diferentes entre estudiosos do tema. De acordo com especialistas, o banimento pode ajudar na segurança das crianças e adolescentes, mas também pode impactar no debate coletivo sobre questões ligadas ao digital e nas ações de educação midiática nas escolas.
Rodrigo Nejm, psicólogo e especialista em educação digital do Instituto Alana, avalia que a lei é uma oportunidade de “freio de arrumação”, uma parada obrigatória para a sociedade recapitular a presença das telas na vida das crianças, começando pela escola.
“Esse é um bom ponto de partida para que possamos endereçar de maneira mais pragmática as mudanças concretas no cotidiano dos estudantes, trazendo o tema para a pauta”, comentou. “Mas esse é um bom ponto de partida, não de chegada”.
Nejm diz que o problema relacionado ao excesso de tela pelas crianças em ambiente escolar também deve passar pela responsabilização das plataformas por meio de uma regulação específica para elas. “Parte do problema passa pela responsabilidade das plataformas, que não tem feito um esforço proativo para criar camadas de segurança para minimizar a presença de crianças em espaços que não são feitos para elas”.
Ainda segundo o especialista, a aplicação da lei também pode ser uma boa oportunidade para colocar em foco outras estratégias, leis e ações focadas na educação digital, como a Política Nacional de Educação Digital (PNED), que cria diretrizes para o desenvolvimento de habilidades digitais na educação, e o artigo 26 do Marco Civil da Internet, que também prevê como dever constitucional do Estado a capacitação do uso seguro, consciente e responsável da internet como ferramenta para o exercício da cidade e a promoção da cultura.
Por outro lado, a medida do governo federal levanta questionamentos sobre o impacto na educação midiática. Bruno Ferreira, doutorando em educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) e coordenador pedagógico do EducaMídia, reconhece que o celular pode prejudicar o aprendizado e distrair os estudantes, mas pontua que a proibição é um endurecimento de algo que poderia ser mais refletido e pensado junto com a sociedade.
“Em vez de uma proibição com pouco debate na sociedade, sobretudo com educadores e estudantes, nós precisaríamos encontrar outras maneiras mais democráticas de regular o uso do aparelho celular na escola em vez de simplesmente proibir”, afirmou Bruno.
De acordo com o pesquisador, a proibição do celular pode diminuir o debate de temas importantes sobre hábitos e práticas digitais dentro das escolas. “A lei traz mais desvantagens justamente porque ela é uma maneira de não enfrentar questões extremamente relevantes nos dias de hoje, como a dependência digital, o acesso à informação em sala de aula, a reflexão sobre a qualidade da informação e a qualidade dos conteúdos que a gente acessa nas redes”, avaliou Bruno.
Em texto publicado na Revista Casa Comum, a diretora de pesquisa e desenvolvimento do InternetLab, Fernanda Martins, também avaliou que a proibição, apesar de tentar combater os malefícios do uso de celulares nas escolas, ignora benefícios que os dispositivos podem trazer, principalmente, para áreas onde a infraestrutura tecnológica e o acesso à Internet são precários.
Sobre isso, a pesquisadora escreveu: “Assim, uma lei federal que defenda a proibição não parece resolver o problema de todas(os) as(os) estudantes. Talvez a discussão deva se centrar em como garantir acesso significativo a essas tecnologias junto a uma educação midiática para todas(os) as(os) estudantes independentemente de seu CEP”.
A proibição de celulares nas escolas no mundo
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), até o final de 2024, 79 países já possuíam leis que proíbem celulares em sala de aula. A maioria desses países se encontram no sudeste e no centro da Ásia, no norte e nordeste da África e na Europa e América do Norte.
Nos Estados Unidos, que vem passando por um crescimento do debate sobre regulação de tecnologias digitais, 20 dos 50 estados possuem regulação sobre o uso dos dispositivos nas escolas. Porém, a maioria das legislações norte-americanas deixam para as escolas o trabalho de definir as políticas específicas sobre o uso do celular em sala.
O assunto foi tratado no relatório Tecnologia na Educação de 2023 da organização internacional. De acordo com a Unesco, banir a tecnologia nas escolas pode ser legítimo se houver piora no aprendizado e no bem-estar dos alunos, mas “trabalhar com tecnologia nas escolas e os riscos que a acompanham pode exigir algo mais do que proibir”.
O relatório defende que os alunos não podem ser punidos se não houver clareza ou transparência sobre o comportamento exigido e que as decisões devem ser tomadas ouvindo todos os interessados. “Os alunos precisam aprender os riscos e oportunidades que vêm com a tecnologia, desenvolver habilidades críticas e entender como viver com e sem tecnologia. Proteger os alunos de tecnologias novas e inovadoras pode colocá-los em desvantagem. É importante olhar para essas questões com um olho no futuro”, conclui o documento.