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acervo pessoal

ago 29, 2022 | pontos de vista

Preparar a audiência antes de ela ter contato com a desinformação: entenda o prebunking

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A desinformação é um problema complexo que envolve dimensões tecnológicas, sociológicas e jurídicas que devem ser consideradas no seu enfrentamento. Algumas ferramentas foram projetadas para ajudar na detecção da desinformação. Usualmente, a checagem ou verificação de fatos (também conhecido como fact-checking ou debunking) costuma ser o método mais conhecido para aliviar os efeitos desses conteúdos falsos ou enganosos. Porém, estudos mostram que há outras formas de fazer isso. A teoria da inoculação – preparar as pessoas com informações confiáveis antes de elas serem expostas à desinformação – pode ser a ferramenta para capacitar as pessoas para tomarem decisões próprias sobre o que acreditar na rede.

Como método terapêutico, o fact-checking só funciona após os usuários serem expostos a um conteúdo de caráter duvidoso. Isso já diminui seus efeitos. Para aqueles que acreditam que agências de checagem tentam agir como árbitros da verdade e só verificam algumas postagens específicas que encontram na internet, o processo de debunking costuma não funcionar. Existe uma teoria da psicologia que busca explicar a resistência à persuasão, a “reatância psicológica” criada por Jack Brehm. Se as pessoas sentem que a liberdade de tomar decisões está sendo ameaçada, acabam fechando os olhos ao diferente e rejeitando novas informações. Quando a intenção é construir resiliência, é importante evitar ser muito direto ao dizer às pessoas no que acreditar, porque isso pode desencadear a reatância psicológica.

Outro problema da checagem é a dificuldade de entregar em escala, como acontece com o conteúdo que viraliza e chega a milhões de pessoas em um espaço curto de tempo. Usualmente, as equipes que fazem esses processos de verificação são pequenas, não tendo que fazer escolhas do que checar. Isso é particularmente difícil em períodos de alta disseminação de teorias de conspiração e informações falsas online como crises sanitárias e eleições.

Dessa forma, métodos profiláticos (preventivos) podem ser a solução. A teoria da inoculação defende que as pessoas podem criar resistências psicológicas contra tentativas de manipulação, assim como uma vacina utiliza uma versão enfraquecida de um patógeno forçando seu sistema imunológico a criar anticorpos. As intervenções de “prebunking” (o que já chamamos aqui de filtro preventivo) se baseiam principalmente nesta teoria.

Alguns jogos online, como o Cranky Uncle e o Bad News, foram os primeiros a usar essas intervenções para mitigar os efeitos da desinformação. O Twitter vem usando esse processo em períodos eleitorais, como está fazendo para o pleito brasileiro com os “pre-bunks Moments”, um conjunto de tuítes que trazem informações contextualizadas e factuais às alegações enganosas mais comuns no país. Essas postagens são apresentadas na aba Explorar, de Tendências e na área de buscas, como mostra na imagem abaixo.

Um estudo recém-publicado na revista Science mostra que o uso de filtros preventivos é realmente efetivo. Pesquisadores das Universidades de Cambridge, Bristol e da Austrália Ocidental em colaboração com a Jigsaw (unidade de pesquisa do Google) conduziram um estudo de grande escala com usuários norte-americanos do YouTube com mais de 18 anos que já haviam assistido a conteúdo político na plataforma. Para o processo de inoculação, usaram uma campanha publicitária com dois vídeos dos cinco criados, que foi exibido para cerca de 1 milhão de usuários do YouTube. Esses vídeos de prebunking tinham duração inferior a dois minutos e buscavam imunizar os usuários contra diferentes técnicas de manipulação ou de falácia lógica. Após a exibição, usaram a ferramenta de engajamento BrandLift do YouTube para verificar a eficácia da medida nesses usuários. Uma pergunta múltipla escolha foi feita para avaliar a capacidade de identificar manipulação em uma manchete.

Para comparar os resultados com outros usuários, os pesquisadores também usaram o que chamaram de “grupo de controle”, que respondeu à mesma pergunta, sem assistir aos  vídeos de prebunking. O resultado foi surpreendente: o grupo exposto ao filtro preventivo era entre 5 e 10% melhor em identificar corretamente a desinformação comparado ao grupo de controle. Isso mostra o potencial que essa ferramenta tem para o combate a desinformação. Mesmo em ambientes que distraem, como o YouTube, o prebunking foi eficaz. Agora só é necessário que as plataformas dediquem mais espaço para esses filtros preventivos. Também é importante que as plataformas trabalhem com pesquisadores fora da bolha EUA-Europa para fazer testes em outros países que apresentam diferentes realidades e contextos.

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Mathias Felipe

Mathias Felipe de Lima Santos é jornalista, cientista da computação e pesquisador. Atualmente é pesquisador e jornalista no projeto *desinformante e coordenador do projeto colaborativo PlenaMata, uma plataforma de dados e notícias sobre desmatamento na Amazônia produzida por InfoAmazonia, Natura, MapaBiomas e hacklab/. Também é pesquisador pós-doutorando no Observatório de Mídia Digital e Sociedade (DMSO) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Já trabalhou como jornalista esportivo para Olympic Broadcasting Services (OBS) e jornalista de dados para o La Nación. Anteriormente, foi pesquisador na Universidade de Navarra, Espanha, no âmbito do projeto JOLT, uma Marie Skłodowska-Curie European Training Network financiada pelo programa Horizonte 2020 da Comissão Europeia e pesquisador visitante na Queensland University of Technology (QUT) em Brisbane, Austrália. Mathias Felipe é co-editor do livro "Journalism, Data and Technology in Latin America" publicado pela Palgrave Macmillan em 2021.

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