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Vienna Filmes

jan 22, 2024 | pontos de vista

Impulsionamento de post em eleições: as controvérsias que o TSE precisa enfrentar 

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Ao longo de 15 dias, entre 4 e 19 de janeiro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abriu as minutas das resoluções eleitorais de 2024 para que pessoas físicas e instituições públicas e privadas apresentassem sugestões relativas aos 10 temas disciplinados, entre eles, propaganda eleitoral, que amplia as regras previstas na resolução 23.610/2019 e na atualização 23.671/2021. 

De forma geral, resoluções existem para delimitar matérias de competências dos órgãos, neste caso, a Justiça Eleitoral, que tem incluído, nos últimos anos, na concretização de normas de propaganda eleitoral, formas de conter a propagação sistemática de conteúdo e narrativas prejudiciais e nocivas à integridade do processo eleitoral e à paridade das candidaturas. 

Mesmo com os esforços institucionais da Justiça Eleitoral, que incluem estudo interno, acordos, cooperação técnica, interlocução com partes interessadas diversificadas e construção de jurisprudência, implementar normas que inibam e controlem os problemas decorrentes da propagação sistemática de informação incorreta e de campanhas de desinformação antes, durante e depois do período oficial de campanha, em 16 de agosto, persistem como grande desafio no Brasil para 2024 e 2026. 

Neste ano, inova-se ao enquadrar o uso de inteligência artificial nas eleições e ao vincular o impulsionamento à exigência de transparência. Vamos falar deste último ponto.  

Não é novidade que a prática de promover a publicação para aumentar a visibilidade, mas também para tornar a entrega da mensagem mais precisa, a partir de público-alvos assertivamente visados a partir do uso de dados fornecidos das próprias plataformas digitais, é adotada por campanhas oficiais e não-oficiais, e está no centro da operação de campanhas de desinformação online. Para 2024, como em 2022, sendo permitido pagar para priorizar posts, os avanços necessários são ao mesmo tempo paradoxais. 

A norma tem permitido que publicações sejam impulsionadas mediante pagamento na pré-campanha e na campanha, mas, agora, desde que as plataformas mantenham ferramentas de transparência. É um importante ponto a ser aperfeiçoado para o texto final. É preciso, neste sentido, explicitar o que se entende por mecanismo de transparência, isto é, as chamadas bibliotecas de anúncios (ad library), e qualificar as exigências mínimas para as características e funcionalidades desses bancos de dados, como serem atualizados em tempo real, permitirem busca avançada e estarem gratuitamente disponíveis para o público, no mínimo. 

Plataformas da Meta e do Google (incluindo YouTube), junto com LinkedIn, Twitter, Kwai, Snapchat, possuem bibliotecas de anúncios, com tecnologias e abordagens diferentes entre si. Tik Tok ainda não permite anúncios políticos, assim como o Twitter não permitia até que Elon Musk assumiu a gestão em 2023. No Tik Tok, não é proibido que o conteúdo político circule bem de forma orgânica, mas não se pode transformar isto num anúncio pago. No X, hoje já é permitido anunciar conteúdo político no Brasil e em mais 12 países, mas não é possível, por aqui, que peças de propaganda eleitoral virem anúncios, o que impede também, e por enquanto, a contratação de distribuição de peças oficiais de campanha para públicos micro segmentados.

Em 2024, bem diferente de 2022, Twitter e Kwai se somam, portanto, às plataformas que há mais tempo oferecem o serviço de anúncios políticos em eleições, de modo a aumentar o raio de ação das campanhas políticas oficiais e alternativas. 

É preciso sublinhar que plataformas digitais sabem que anúncios político-eleitorais são estratégicos para campanhas de desinformação. 

Meta e Google saíram à frente e não voltaram atrás desta lucrativa decisão de negócios mesmo quando, em 2019, trabalhadores do Facebook, em carta pública dirigida a Mark Zuckerberg, manifestaram oposição à permissão dada a políticos e candidatos a cargos públicos de realizarem anúncios contendo alegações falsas, o que não passa por supervisão e verificação. Esta posição da plataforma, que se mantém, parece esbarrar na vedação, pelo TSE, de anúncios que veiculem fatos sabidamente falsos e gravemente descontextualizados, embora, aqui, a parte responsabilizada seja quem promoveu o conteúdo patrocinado.

Vale ainda lembrar que, quando o Comitê de Inteligência do Senado tornou público o banco de dados com propaganda russa nas eleições norte-americanas de 2016, a ampla maioria das peças se tratava de anúncios pagos, e não publicação organicamente viral, que usavam técnicas de micro segmentação de público. É claramente mais eficaz, como também conhecido no famoso episódio da Cambridge Analytics durante o Brexit, em 2016. 

Biblioteca de anúncios é por si só, ainda hoje, muito limitada, a despeito de a Meta ter lançado, no ano passado, nova política para ampliar o acesso a dados de escolhas de segmentação para pesquisadores. A própria Meta tem restringido informações antes acessíveis e erros no sistema são recorrentemente identificados. 

Ter biblioteca de anúncios e diretrizes que vedam más condutas, como veicular informação falsa e enganosa sobre como participar de referendos e eleições, intimidar indivíduos à participação eleitoral ou intencionar minar a fé no pleito, também não impede que conteúdos indesejáveis e prejudiciais sejam liberados, aprovados e não rotulados. 

Ferramenta do tipo é, além disso, usada por grupos terceiros para distribuição segmentada de ideias interessadas não diretamente partidárias ou contra a integridade do processo eleitoral, mas suficientemente alinhada à agenda de determinadas forças político-econômicas populares e muitas vezes pouco republicanas. 

A título de exemplo, nos Estados Unidos, nesse que já é considerado o ano eleitoral mais desafiador da história recente, o grupo ultraconservador de mídia PragerU tem usado fortemente a ferramenta de publicidade da Meta para distribuir propaganda de extrema-direita na forma de material para crianças sobre tópicos como gênero, raça e anti-patriotismo, muitos contendo retórica anti-LGBTQ, de acordo com pesquisa do Media Matters for America (MMFA), o que é, por si só, controverso e combustível para política suja em eleições. 

Num capítulo ainda mais atual, mesmo ferramentas mais avançadas como as da Meta ainda testam como identificar e rotular posts e anúncios criados com uso de inteligência artificial.

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Tatiana Dourado

Tatiana Dourado é Doutora em Comunicação (UFBA), pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital e diretora de Formação e Literacia do Instituto Democracia em Xeque. Realiza pós doc no âmbito do MediaTrust.Lab, projeto desenvolvido no LabCom - Comunicação e Artes, Universidade da Beira Interior (Portugal).

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