A votação da regulação das plataformas digitais no Brasil vem se arrastando nos últimos meses na tentativa de formar maioria na Câmara dos Deputados para aprovação do projeto de lei 2630/2020. Para tentar driblar o lobby contrário e facilitar a negociação, a casa legislativa iniciou um processo de ‘fatiar’ alguns pontos do texto, incluindo, por exemplo, o tópico da remuneração do jornalismo no PL 2370/2019, que trata de direitos autorais.
“A separação e votação à parte ajuda o Brasil a dar um passo adiante em um tema relevante como é a valorização do jornalismo profissional. Eu estou de acordo”, disse o relator do PL 2630, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), ao *desinformante.
O tema foi incluído no PL 2370, que busca atualizar a lei de direitos autorais do país. Proposto pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) e relatado pelo deputado Elmar Nascimento (UNIÃO-BA), o texto estabelece regras para a publicação na internet, sem autorização, de obras protegidas por direitos autorais. Este projeto, de acordo com a Câmara, promove a maior alteração da Lei dos Direitos Autorais desde que ela entrou em vigor, modificando 47 artigos da lei e acrescentando outros 30.
Com o fatiamento do PL 2630, foram incluídos novos dispositivos no projeto. De acordo com o substitutivo do PL 2370 que circulou no dia 17 de maio, as inserções buscavam “o fortalecimento do jornalismo, da inovação e da valorização de jornalistas e de trabalhadores relacionados à atividade”. Além do que já estava colocado no artigo 32 do PL 2630, o deputado Elmar Nascimento acrescentou novos dispositivos mudando a regulamentação da remuneração.
Apesar de o pagamento para jornalistas ter um certo consenso, o modo como ele será feito ainda é motivo de debate e pesquisas. Para garantir um espaço e tempo para a discussão, o PL 2630 colocou questões como os critérios, a forma para aferição dos valores, a negociação, a resolução de conflitos e a transparência do processo para serem definidas em regulamentação posterior.
Já o substitutivo do PL 2370 retira a regulamentação posterior e traz como essa negociação se dará. O texto garante que é livre a pactuação entre a plataforma e a empresa jornalística e inova indicando que, caso não haja negociação, poderá ser adotada a arbitragem perante a Câmara Arbitral Privada ou junto a Comissão de arbitragem organizada pelo Ministério da Justiça.
O texto também aponta como será o processo de arbitragem e indica que a decisão sobre a oferta para remuneração deve considerar o volume de conteúdo jornalístico original produzido, a audiência digital do veículo e o investimento em jornalismo medido pelo número de profissionais do jornalismo regularmente contratados.
Repercussão
A inclusão do tópico no PL 2370/2019 e a articulação que está sendo feita para que seja votado o regime de urgência dele levantaram questionamentos. O influenciador Felipe Neto destacou sua insatisfação com o texto.
“Do jeito que está agora, se aprovado, o Brasil será irreversivelmente controlado pelo oligopólio da mídia, que vocês conhecem bem. Será o fim do jornalismo independente e das pequenas e médias empresas do setor. Essa remuneração não foi escrita preservando o interesse do povo brasileiro, mas sim dos bilionários com poder o suficiente pra ter lobistas 24h por dia pressionando”, comentou em seu twitter.
Neto também divulga recomendações realizadas pela Associação de Jornalismo Digital (Ajor) e a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) para o texto. Entre elas está a criação de um artigo próprio para a remuneração do jornalismo, de modo que ele não esteja incluso na legislação de direitos autorais e a garantia de equidade às pequenas e médias empresas.
Além disso, as organizações sugerem a exclusão do critério de audiência para a remuneração e a inclusão de investimentos em produção jornalística. Na oportunidade, a FENAJ destacou: “Precisamos ampliar a produção jornalística, acabar com os desertos de notícias e valorizar os trabalhadores desse ecossistema!”.
Apesar de ter sido um dos temas que encampou a campanha das big techs contra o PL 2630/2020, o PL 2370/2019 não recebeu a mesma atenção das empresas. Procuradas pelo *desinformante, o Google e a Meta preferiram não comentar sobre o projeto de lei que incluiu a remuneração do conteúdo jornalístico.
O PL 2370 também foi destaque por incluir uma brecha para que haja remuneração pessoas que executem “obras religiosas”, o que pode incluir pastores, por exemplo.
PL 2370 tenta abranger publicidade
Além do fatiamento da remuneração do conteúdo jornalístico, o PL 2370 tenta incorporar outro debate que é, na verdade, um dos pontos centrais do PL 2630, a transparência publicitária. O relator Elmar Nascimento incluiu no texto a obrigação para as plataformas identificarem toda a publicidade que esteja inserida nelas e o responsável pelo impulsionamento.
“Considero importante que outros parlamentares de outros grupos políticos tenham se atentado à importância de se discutir a regulação da publicidade das plataformas como uma medida necessária para melhoramento da qualidade do debate público, no entanto soa estranho que o debate sobre publicidade seja levado para um projeto cuja a finalidade era discutir remuneração de direitos autorais”, comenta o diretor do Sleeping Giants Brasil, Humberto Ribeiro.
Para ele, o texto que circulou do PL 2370 mostra que a discussão sobre publicidade é colocada de forma muito incipiente e não acompanha a evolução e profundidade do tema já conquistada no PL 2630. “Ele não trata sobre o repositório de anúncios da forma como está no PL 2630 nem que sequer estabelece a alteração do regime de responsabilidade para conteúdos publicitários impulsionados que seria uma das grandes vitórias que o PL 2630 traria”, argumenta.
No substitutivo do PL 2370, além da obrigação da identificação da publicidade, é apenas indicado que a comercialização de publicidade deve ser faturada, realizada e reconhecida por sua representante no Brasil. Não há menção às bibliotecas de anúncios, à transparência sobre publicidade de agentes públicos ou sobre o perfilamento, pontos que constam no PL 2630.
Para Ribeiro, há um receio de que a aprovação do PL 2370 possa retirar a temática do PL 2630 para evitar uma redundância. “A gente fica preocupado com que essa discussão esvazie a discussão sobre a regulação de publicidade no PL 2630”, afirma. O diretor do SGBR também ressalta que, em termos de cronograma, para a questão publicitária a aprovação do PL 2630 é melhor, já que ele já se encontra na metade do processo legislativo, ao contrário do PL 2370.