Foi lançado na manhã da terça-feira, 25, o relatório “Combate à desinformação na Amazônia e seus defensores”, produzido pelo grupo de trabalho de Combate à Desinformação e Discurso de Ódio na Amazônia Legal, uma iniciativa do Intervozes e outras 10 organizações, sendo oito amazônidas. O documento reúne os dados sobre páginas e perfis que circulam pela região e aponta um outro olhar sobre o que é a desinformação socioambiental. O evento foi transmitido pelo YouTube.
Foram mais de 200 páginas online levantadas. Destas, 70 foram analisadas de forma mais consistente e perfiladas em três grandes segmentos a partir de suas recorrências e aproximações: organizações e ativistas de direita, figuras públicas de representação política e canais ou empresas jornalísticas. Realizada entre março de 2022 e fevereiro de 2023, a investigação gerou uma série de outras ações, entre elas, campanhas de mobilização para a desmonetização de páginas como o Portal Novo Norte, a notificação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre o portal Vista Pátria e a publicação de artigo descrevendo as formas de financiamento do Terra Brasil Notícias.
Viviane Tavares, coordenadora da pesquisa, informou que o relatório terá lançamento presencial no dia 23 de maio em Brasília, como também será transformado em podcast. O estudo traz seis principais conclusões:
1) Sites hiperpartidários, mais do que jornalísticos.
Nos últimos quatro anos no Brasil, acompanhamos um crescimento exponencial de blogs ou sites de notícias criados especificamente para serem comícios virtuais de uma pauta política única. Com eles, cresceu também a desinformação como estratégia de enfraquecer o debate público sobre assuntos relevantes não só para o país, mas também para o mundo. Uma das principais conclusões da pesquisa é que os sites não são jornalísticos e sim hiperpartidários, e divulgam apenas informações que favorecem certo partido, viés político ou candidato, geralmente disfarçados de “notícias”, porém enviesadas.
2) A desinformação se dá principalmente na manipulação de informações
Na pesquisa foi possível compreender que a desinformação nessa região ocorre a partir da manipulação de determinados assuntos ou por meio de notícias falsas sobre a conservação da Floresta Amazônica durante a gestão de Jair Bolsonaro, por exemplo. Mas ela também está atrelada à ausência de informação e isso é preocupante em uma região com desertos de notícias como apontado pelo Atlas da Notícia de 2021, considerado o censo da imprensa brasileira.
3) Instituições governamentais são os principais desinformantes entre os sites
A população da Amazônia está exposta a uma organização especializada em divulgar notícias falsas e discurso de ódio em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e à extrema direita. A maior parte dos textos analisados são reproduções de assessorias de imprensa, agências públicas ou sites considerados desinformativos, o que também evidencia o poder concedido às instituições governamentais.
4) A estrutura de financiamento se assemelha à de uma indústria da desinformação
As páginas fazem parte de uma indústria da desinformação que gera receita para seus proprietários e para as plataformas onde são compartilhados seus conteúdos. Os sites foram criados no ambiente digital com intuito de desinformar e vender uma pauta única partidária durante o período eleitoral. São três os tipos de financiamento que as mantêm ativas: assinaturas mensais, mídia programática (anúncios e vídeos monetizados) e recursos públicos. É válido acrescentar que as plataformas que fazem coletas de assinaturas violam seus próprios termos de uso para manter as páginas na sua cartela de clientes.
5) Ausência ou deturpação de pautas ambientais para “passar a boiada”
Durante o período pesquisado, a quantidade de notícias com pautas ambientais, principalmente sobre a Amazônia, foi inferior à das outras temáticas analisadas. Os temas ambientais identificados nas publicações dos sites de notícias correspondem a menos de 10% do total de postagens diárias. Quando mencionado, o assunto meio ambiente foi usado como cortina de fumaça para esconder outros assuntos relevantes.
6) Figuras de representação política da Amazônia Legal usam plataformas como trampolim
Foi possível identificar 18 perfis de figuras públicas de representação política dos estados da Amazônia Legal que propagam notícias falsas e com recorrência de violação de direitos. Alguns deles são parlamentares que foram reeleitos nas eleições de 2022, outros tentaram o pleito pela primeira vez.
Relatório aponta medidas que devem ser tomadas
O documento, que possui também análises de conteúdo de casos selecionados, recomenda medidas a serem tomadas tanto pelo Poder Público quanto pelas plataformas no combate à desinformação socioambiental. “O modelo de negócios das plataformas digitais precisa ser mais transparente, assim como suas arquiteturas informacionais. Houve casos de banimentos por violação de termos de uso de algumas páginas difusoras durante esse monitoramento, mas que não são acessíveis sob quais critérios foram utilizados para justificar o banimento. Foi percebida ainda a influência local de figuras públicas que utilizam de manipulação das percepções sobre a agenda socioambiental para promover interesses próprios políticos e econômicos ligados à bala, agronegócio e mineração”, consta no relatório.
Entre as recomendações, estão o fortalecimento da cooperação entre o Estado, agentes privados e a sociedade, buscando soluções coletivas e eficazes e mecanismos de regulamentação desenvolvidos a partir de dispositivos democráticos e amplo debate crítico; impedir o uso de verba pública para o financiamento de desinformação sabidamente danosa à sociedade e às mudanças climáticas; corresponsabilizar empresas que facilitam o financiamento de propagação de desinformação, uma vez que descumprem seus próprios termos de uso e/ou outras políticas que vão de encontro ao conteúdo que ajudam a monetizar; criar um conselho dedicado à agenda climática, socioambiental e aos guardiões da floresta, com a inclusão da sociedade civil brasileira para consulta de dados, conteúdo valioso e informação responsável, entre outras.
O Grupo de Trabalho que produziu o relatório contou com a participação, além do Intervozes, do coletivo Abaré, COJOVEM, Instituto Mapinguari, MAPTHA, Mídia Ninja, Casa Ninja Amazônia, coletivo Jovem Tapajônico e o grupo de pesquisa Mídia, conhecimento e meio ambiente: olhares da Amazônia. O grupo contou com a parceria do NetLab – laboratório de pesquisas da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).