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dez 30, 2021 | destaques, notícias

O caminho sustentável e perene da educação midiática

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Educar uma geração para lidar de maneira mais crítica com o ambiente informacional é uma tarefa de toda a sociedade, afirma a coordenadora do Educamídia, Daniela Machado. O EducaMídia é um programa criado pelo Instituto Palavra Aberta para capacitar professores e engajar a sociedade no processo de educação midiática.

Jornalista de formação, com experiência de 20 anos como repórter e editora em grandes veículos de comunicação, Machado é também coautora do Guia da Educação Midiática e pós-graduanda em Educação Digital e Midiática pela Universidade de Rhode Island. Daniela Machado participa da série  #panorama2022, entrevistas que buscam refletir sobre o cenário (e as saídas) para o problema da desinformação no próximo ano. 

 

Ana d´Angelo: Como você se envolveu com o tema da educação midiática e qual a visão do EducaMídia? 

Daniela Machado: Trabalhei por 20 anos como repórter e editora em alguns veículos de comunicação. Em 2018, um pouco incomodada com o rumo da desinformação, eu comecei a pesquisar e tentar entender melhor esses fenômenos que tornam tão complexa a nossa tarefa de ter contato com informações de qualidade para que a gente possa basear as decisões. Acabei me deparando com o conceito da educação midiática. E na sequência encontrei o pessoal do Instituto Palavra Aberta e eles estavam justamente começando a tirar do papel essa ideia de ter um programa específico de educação midiática aqui no Brasil, então me juntei a eles. Eu gosto muito da visão do EducaMídia porque a gente entende que não tem ´bala de prata´. Estamos enfrentando problemas complexos que precisam de um conjunto de soluções. Iniciativas como a de vocês, agências de checagem, enfim, tem vários grupos da sociedade pensando as maneiras de enfrentar esse grande problema da desinformação. A solução via educação, ainda que demore muitos anos – a gente tem o desafio de formar uma nova geração que se relacione de uma maneira mais crítica com as informações – talvez seja um caminho um pouco mais sustentável e perene.  

Ana d´Angelo – Eu queria que você falasse um pouquinho de consequências da desinformação para crianças e adolescentes. Este público é atingido também por desinformação? 

Daniela Machado Tem uma pesquisa muito interessante e que foi realizada já há alguns anos por um grupo de educação da área de História da Universidade de Stanford (EUA), coordenado por um pesquisador chamado Sam Wineburg. Fizeram uma grande sondagem junto a adolescentes de várias escolas de educação de ensino médio e também universitário nos Estados Unidos, incluindo as universidades mais badaladas, as mais difíceis de entrar. E o que eles detectaram é que tinha um percentual bastante elevado de jovens com dificuldade para diferenciar um fato de um conteúdo publicitário, apesar de serem jovens com muita habilidade para a tecnologia. Eles conseguem tirar uma selfie, postar, ao mesmo tempo em que estão falando com o amigo, entrando na outra rede social e ouvindo uma música, mas, quando se trata de avaliar a confiabilidade das informações disponíveis, são muito facilmente enganados. E o próprio pesquisador, o Sam Wineburg, propõe que a gente enterre o termo nativo digital porque dá a impressão de que é uma geração pronta para se dar muito bem porque sabe navegar neste ambiente digital e, na realidade, a habilidade para usar a ferramenta e o dispositivo não necessariamente se traduz em uso crítico, em entendimento do que está acontecendo e nas responsabilidades envolvidas. 

 Então para responder a sua pergunta, eu diria que sim, tem várias pesquisas que mostram que as consequências da desinformação são sofridas pela sociedade de uma maneira geral. A gente está falando, no limite, que a própria democracia acaba sendo abalada e não tem como dizer que alguém está imune a tudo isso. 

Ana d´Angelo: Fazendo uma matéria para o *desinformante, sobre experiências de educação midiática em vários países, fui conferir a base curricular nacional pra entender como o tema é tratado aqui. Mais especificamente sobre o fenômeno da desinformação e questões ligadas ao mundo digital, isso acaba sendo tratado nos últimos anos do ensino fundamental. Com a pandemia, as crianças mais novas foram ´jogadas´ no mundo digital de forma intensa. Como vamos lidar com este acesso precoce e a falta de uma determinação mais explícita na BNCC para as crianças menores?  

Daniela Machado: Acho que é importante considerar que a gente tem alguns momentos, nesse grande documento que baliza a educação no Brasil, que são bastante explícitos sobre a necessidade e a importância da educação midiática. Principalmente na área de linguagens e nos anos finais da educação básica, do ensino fundamental. Na área de língua portuguesa, eles dividiram em quatro grandes campos. Um desses campos se chama justamente “Campo Jornalístico Midiático” e ali está escrito que as escolas precisam desenvolver nas crianças e nos jovens uma série de habilidades para identificar o problema da desinformação, das fake news, entender melhor que linguagem é essa que manipula as nossas ideias, os nossos pensamentos.

Ao longo de toda a BNCC surgem algumas oportunidades, às vezes não tão escancaradas, mas tem lá essa proposta de construção de conhecimento por meio da investigação, da pesquisa, da análise de fontes diversas de informação, nas ciências também isso aparece. 

É claro que precisa haver uma formação de professores para que isso se concretize no chão da escola. Mas eu acho que já é um primeiro passo bastante interessante que a gente tenha como política pública essas pequenas janelas, digamos assim. 

No EducaMídia a gente entende que o debate sobre a desinformação deve ser incorporado a todo momento e abraçado por todos os professores, de todas as áreas. Por exemplo, na área de Ciências o conteúdo sobre viroses e pandemia é uma oportunidade de trazer alguma reflexão sobre desinformação acerca do coronavírus e todas as consequências disso. Trazer estes temas e recortes para a escola de forma habitual é mais eficiente que isolar um dia no semestre e dizer “hoje nós vamos fazer uma conversa sobre fake news e desinformação”.  A proposta não é fazer um exército de checadores de informação, mas uma geração de leitores melhores, capazes de interrogar um pouco aquela mensagem que está chegando e não simplesmente consumir e abraçar tudo que aparece na nossa frente. 

Ana d´Angelo: O conceito do analfabetismo funcional tem relação com o termo da educação midiática também? 

Daniela Machado: Essa é uma pergunta que surge com certa frequência para a gente, como se fosse um pouco um luxo a gente querer tratar de educação midiática num país com tantos problemas mais básicos, como o analfabetismo funcional e a própria falta de estrutura nas escolas. É claro que são todos problemas que precisam ser enfrentados, mas eu entendo que não dá para a gente esperar resolver uma coisa para começar a desenvolver a outra. É urgente que a gente dê oportunidade de as crianças e jovens fazerem essas reflexões sobre temas como o da desinformação porque elas já estão expostas a isso. De uma forma ou de outra elas já estão na internet. E aí voltando para a sua pergunta anterior, a pandemia e o fechamento das escolas empurrou a gente mais ainda para esse mundo. Existe a luta do acesso à tecnologia, mas precisamos enfrentar também o uso pouco qualificado da tecnologia. O excluído digital pode ser aquele que, mesmo com o acesso à tecnologia, não faz o melhor uso dela.  Aqui no Brasil a gente tem a pesquisa TIC Kids Online, recente, que mostrou que 90% das crianças e adolescentes, de alguma maneira, são usuárias de internet, ou seja, elas entram todos os dias e mais de uma vez por dia. Por isso que a gente entende que a educação midiática é urgente e a gente precisa falar disso agora. 

Ana d´Anelo: Existe no EducaMídia uma preocupação direcionada para escolas públicas, para esses professores ou para esse ambiente escolar? 

Daniela Machado: O EducaMídia começou com esse propósito de dialogar com as escolas, fazendo principalmente formação de professores. E essencialmente a proposta é falar com as escolas públicas, porque ali estão a maioria de nossas crianças e adolescentes. E a gente encontrou as realidades também as mais diversas possíveis. A gente teve oportunidade de fazer formação de professores vindos de todas as regiões do país, de cidades de todos os portes e escolas as mais diversas. E o que a gente tem proposto são adaptações. Não precisa ser a escola mais high-tech do mundo, com todos os dispositivos de última geração, para promover alguma reflexão sobre o uso mais consciente da internet, das redes sociais, ou sobre as consequências da desinformação.

 Logo numa das primeiras formações do EducaMídia, ainda no modelo presencial, antes da pandemia, em Brasília, a gente conheceu um professor que atuava numa escola que não tinha recurso. Mas ele propôs uma atividade para as crianças que era um cartaz com todo o conceito do curtir ou não curtir, ele fez toda uma proposta de análise de confiabilidade de algumas informações e no final as crianças tinham que decidir se elas dariam o seu like para aquela informação ou não. E tudo foi feito com cartolina e canetinha. 

Ana d´Angelo: A tecnologia disponível. 

Daniela Machado: A tecnologia disponível. Porque como a gente estava falando antes, com esses dados todos de crianças expostas de alguma maneira, fora dos muros da escola, na vida delas, de alguma maneira elas já estão expostas a isso. Ou a gente conhece algum jovem, algum adolescente, que nunca tenha ouvido falar sobre rede sociais? Não existe. Então a gente não pode deixar de falar, deixar de promover essas reflexões. Então é uma questão de adaptar. 

Ana d´Angelo: E se um professor estiver interessado na formação de vocês, tem algum tipo de seleção? 

Daniela Machado: A gente não consegue atender no varejo, digamos assim, escola a escola. A gente tem uma série de materiais, isso acho que é importante dizer, no site do EducaMídia, tem diversos recursos, propostas, muito material. 

Ana d´Angelo: Para baixar, tudo de graça?

Daniela Machado: Tudo é gratuito, tudo é aberto. Pode ser adaptado, remixado, a única coisa que a gente pede é que quem usar dê o crédito para o EducaMídia. 

Tem um guia da educação midiática lançado no ano passado que faz um sobrevoo, apresenta um panorama da educação midiática aqui, no mundo, as nossas inspirações todas, tudo que a gente foi buscar também na educomunicação. Traz exemplos práticos de como é que a educação midiática pode chegar na escola, e tem sempre essa preocupação de pensar na escola mais desplugada à  escola mais high-tech, dos pequenininhos aos mais velhos. E a gente também promove, todos os semestres, uma formação, agora ela é online. Na verdade, ela é híbrida, prevê alguns momentos autônomos, que os professores ou gestores, diretores, fazem, com outros momentos que são encontros por enquanto online, virtuais, com a equipe do Educa Mídia. Então é só ficar de olho no nosso site e nas redes sociais do EducaMídia, que todo semestre a gente abre, é um curso online de 30 horas. 

Ana d´Angelo: Você já mencionou várias saídas, mas vamos à pergunta final, que a gente está fazendo para todos, quais as perspectivas para 2022 neste campo da desinformação? 

Daniela Machado: É, como eu comecei falando, a gente não tem uma solução mágica que de um dia para o outro vai resolver esse problema. A gente tem um conjunto de iniciativas, todas elas complementares e que se fortalecem. Tem o trabalho dos jornalistas que trabalham com checagem, as agências de fact-checking; tem o jornalismo de uma maneira geral, o jornalismo profissional que está fazendo o seu trabalho e trazendo informações de qualidade, tem a educação midiática, que vai fazer com que ao longo do tempo a gente tenha pessoas com essas habilidades, mais treinadas, mais preparadas para navegar melhor por esse turbilhão de informações a nossa disposição. É um conjunto de propostas e a gente pensar muito na responsabilidade de cada um.  Porque tem oportunidades incríveis a partir da tecnologia digital, a gente pode se conectar com cientistas do mundo todo, isso é muito rico, a gente pode criar uma campanha e mobilizar pessoas do país todo, a partir de uma hashtag, a gente pode participar do debate público, tem muita oportunidade. Tem muito desafio. Ano que vem vai ser ainda mais desafiador, porque tem eleição e o ambiente tende a ficar mais polarizado, o que é um terreno fértil para desinformação, muita guerra de narrativas. Por outro lado, vejo muitas iniciativas interessantes acontecendo para tentar ao menos frear um pouco ou alertar as pessoas para os perigos e consequências da desinformação. E acho que as pessoas reconhecem também o problema da desinformação, esta consciência, de certa forma, já é um comecinho de caminho.

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