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dez 27, 2021 | destaques, notícias

Novas táticas para deter uma desinformação cada vez mais sofisticada

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A checagem dos fatos é uma das possíveis saídas para a desinformação e um dos caminhos percorridos pelo jornalismo para enfrentar o fenômeno. No Brasil, um dos mais expressivos projetos é o Comprova, iniciativa que reúne 33 veículos de todo o país – e pretende chegar a 40 – para a checagem de informações. Para compreender o cenário da prática e inaugurando a série de entrevistas #panorama2022, conversamos com Sérgio Lüdtke, editor-chefe do projeto. Entre os principais desafios para o ano que vem, ele aponta a sofisticação dos conteúdos desinformativos, que vão exigir novas ferramentas de apuração e análise 

Sérgio é jornalista formado pela PUC-RS com Master em gestão de empresas jornalísticas pelo IICS e MBA em Marketing Digital pela FGV. Foi editor de livros, editor-executivo de Internet e Inovação no Grupo RBS e editor de plataformas digitais na Editora Globo. Como pesquisador, tem estudado os novos empreendimentos em jornalismo digital no Brasil e coordena a equipe de pesquisadores do Atlas da Notícia. 

Liz Nóbrega: Para você quais foram os aprendizados que 2021 trouxe para a checagem de fatos?

Sérgio Lüdtke: Bom, os aprendizados têm sido muito constantes. A realidade que a gente via, por exemplo, em 2018, quando o Comprova começou, era muito diferente da realidade de 2021. Quem produz desinformação conta com os mesmos recursos de veículos de comunicação, por exemplo, utiliza técnicas de SEO para melhorar a performance em buscadores, utiliza testes para identificar se alguma mensagem produz mais impacto. Então a gente lida, de certa forma, com gente que  é profissional para fazer distribuição de conteúdos de desinformação. O que a gente percebe, e o que nos motivou a mudar um pouco a nossa forma de atuar, é que em 2018 a gente enfrentou conteúdos muitos singelos, muito simplórios, e conteúdos muito sofisticados ao mesmo tempo sendo produzidos. E todos eles sempre muito baseados em fatos. Era muito fácil encontrar os elementos narrativos, dados e fatos que precisavam ser investigados e questionados. De lá para cá há muito mais sugestão, mais interpretação, mais conteúdos de opinião travestido de informação, muito menos fatos e dados, contando com uma população que talvez já esteja com a cabeça um pouco feita para acreditar em algumas teorias e algumas bandeiras. Com isso fica mais difícil utilizar as mesmas metodologias que a gente tinha em 2018. O que eu quero dizer com isso? Quando não há um fato, quando não há um dado, isso praticamente inviabiliza a verificação. Só que o efeito que esse tipo de narrativa provoca é o mesmo, é como se as pessoas estivessem diante de um determinado fato, elas praticamente fazem referências mentais a isso. Nós tivemos que abrir um pouco mais o nosso radar, o nosso olhar, para as duas pontas. Hoje, além de identificar quem é o produtor do conteúdo de desinformação, a gente tenta olhar um pouco mais para o contexto em que esse personagem está inserido. Antes a gente tentava falar com ele, como na maior parte das vezes não conseguia, a gente fazia uma referência. Hoje a gente olha um pouco mais para identificar se ele está alinhado com algumas ideias, se ele participa de grupos que são grupos que disseminam informação, isso para nos dar mais garantias de que a gente está diante de um sujeito que está produzindo conteúdo com a intenção de interferir, de alguma maneira, no debate público. E na outra ponta, a gente tem procurado identificar qual é o efeito que essa publicação tem nas pessoas. É muito necessário que a gente olhe para os comentários, para aquilo que as pessoas manifestam, porque aí a gente tem elementos para justificar uma investigação. Não é uma investigação que vai dizer simplesmente que é falso, mas que pode ser uma coisa enganosa que tem levado as pessoas a fazerem suas próprias interpretações de forma enganosa. É um terreno pouco delimitado, mas é uma forma que a gente tem tentado utilizar para poder identificar, dentro desse espectro mais amplo, como a desinformação tenta progredir, como ela atinge as pessoas. Por exemplo, em 2018 o clássico vídeo da mamadeira de piroca, nos pareceu, num primeiro momento, que era algo satírico e que as pessoas estariam entendendo dessa forma, até que a gente começou a olhar nos comentários e ver que não, as pessoas estavam realmente acreditando ou, pelo menos, estavam manifestando uma crença de que aquilo fosse verdade. A partir daí a gente criou este olhar, o que agora é quase uma obrigação – olhar para o efeito e trazer um pouco disso para as verificações. As publicações tornaram-se sofisticadas para formar convicções. 

Liz Nóbrega: Recentemente você comentou como os boatos estão se apropriando, cada vez mais, do nome de veículos de comunicação. Essa seria uma prova de como a imprensa ainda mantém a sua credibilidade? 

Sérgio Lüdtke: Eu não sei se isso é uma prova de credibilidade da imprensa porque a gente vê ainda muitos ataques nas redes sociais e algumas pesquisas mostram que uma das causas da desinformação é a baixa credibilidade da imprensa, principalmente, se comparada à credibilidade de pessoas próximas. Esse uso de sites hiperpartidários que simulam ou emulam um veículo jornalístico e usam os nomes de veículos jornalísticos se valem não sei se da credibilidade ou se da prática mesmo, da familiaridade com o tipo de narrativa. Quer dizer, entender que algo possa parecer uma notícia pode ajudar, principalmente para as pessoas que formaram ou que tiveram por muito tempo o seu menu de informação basicamente ligados a fontes noticiosas. 

Liz Nóbrega: Qual é a avaliação que você faz do cenário atual do fact-checking no Brasil? 

Sérgio Lüdtke: Temos um cenário muito rico do fact-checking no Brasil. Temos o e-farsas e Boatos.org, que são os primórdios. Antes do fact-checking convencional já faziam verificação de conteúdos publicados, das lendas urbanas, dos boatos publicados na web, fazem um trabalho significativo há bastante tempo. Depois a entrada das agências, como a Agência Lupa e Aos Fatos, que profissionalizaram bastante a área, se uniram a grupos internacionais de checagem que trouxeram mais transparência para a metodologia, fontes, equipe. A Lupa e Aos Fatos criaram ótimas referências nesse aspecto. Elas depois passaram a trabalhar também, a partir de 2018, com verificação dos conteúdos das redes sociais, esse social debunking que o Comprova faz, e depois participando do programa de parcerias do Facebook que, de certa forma, fez com que a checagem e a verificação perdessem um pouco esses limites. O Comprova sempre foi mais purista no aspecto de fazer só a verificação das redes sociais, das contas de anônimos ou de cidadãos comuns, mas a pandemia também nos obrigou a fazer fact-checking sobre os temas de pandemia. E aí você tem uma terceira fase com o surgimento das seções de fact-checking dentro das redações tradicionais, como o Estadão Verifica, o UOL Confere. Eu acho excelente essa fase, e acho que ela tende a crescer porque a nossa orientação é fazer com que as redações que estão no Comprova hoje, outras até, possam criar os seus núcleos de checagem, não só para fazer o combate à desinformação, mas também para usar as ferramentas do fact-checking para o noticiário habitual. A quarta fase, aí para as redações, que é o meu sonho, é que as redações comecem a incorporar mais as lições que as agências dão de transparência, de rigor de apuração, de transparência de fontes. O Comprova faz isso de uma forma bem rígida. Temos duas seções que são fixas nas nossas verificações, uma é o ‘Como Verificamos’, onde a gente conta todo o processo de investigação para que o leitor possa refazer todo caminho da investigação e ele próprio fazer essa checagem para ver se o que está sendo entregue realmente faz sentido. E a outra é o ‘Por que Investigamos’. Há muito questionamento de por que os veículos cobrem determinadas coisas e deixam de lado outras. Por que eles dão atenção ao Sérgio Moro, por exemplo, que filiou-se ao Podemos, mas o Lula está sendo desconsiderado estando no exterior. Os veículos não têm como responder a isso. Ou dão respostas subjetivas ou simplesmente não respondem. Eu acho que os veículos precisam enfrentar o descrédito que muitos leitores têm em relação a eles. Que eles possam trazer esse tipo de informação e justificativa de dizer por que se abriu uma investigação e por que aquele trabalho está sendo feito. 

Liz Nóbrega: Qual seria o grande desafio para que as empresas convencionais adotem essa transparência? 

Sérgio Lüdtke: Acho que são várias coisas. As pessoas podem achar que isso não vai fazer diferença ou às vezes é a prepotência mesmo.  ´Olha, nós sabemos fazer jornalismo, fazemos isso há 100 anos e não precisamos mudar´. Tem uma coisa que vai mudar, porque mudou o jornalismo, que é a relação com o público. Até algum tempo atrás a gente tinha publicidade sendo o grande financiador do jornalismo e aí o público talvez interessasse menos. A gente tinha um olhar muito direcionado para o volume, então para gerar inventário de publicidade eu precisava fazer coisas que atraíssem muita audiência, em volume e não em qualidade, nem em fidelidade. A partir de algum tempo para cá, eu preciso mudar completamente a minha fonte de financiamento, preciso em alguns momentos fechar conteúdos, abrir algum tipo de crowdfunding, criar outros modelos de negócios para poder sustentar o meu jornalismo e todos esses outros dependem diretamente do público, eles não dependem da publicidade. Eu preciso criar pontes com o público, ouvir o que as pessoas têm a dizer e o que querem. Antes eu dizia que eu sabia o que o público queria, né? “O público quer tal coisa”. E quando eu falo em prepotência é um pouco disso, desconsiderar a audiência. O público quer transparência, quer saber por que está se fazendo isso e não aquilo. 

Liz Nóbrega: Você é editor-chefe do Comprova, que reúne 33 veículos, ou já aumentou o número de veículos? 

Sérgio Lüdtke: 33 agora, mas eu acho que a gente vai chegar em 40 para as eleições. 

Liz Nóbrega: Ótimo, e de todas as regiões brasileiras. Eu queria saber qual é a sua avaliação da importância dessa mescla e variedade para o projeto do Comprova e para a verificação de fatos em nível nacional. 

Sérgio Lüdtke: Acho que a disseminação dessas ferramentas proporciona uma melhora evidente na qualidade do trabalho dos jornalistas. O Comprova só aporta a metodologia. O fato de as pessoas trabalharem colaborativamente com jornalistas de outras redações faz com que todas essas experiências, padrões e culturas redacionais se mesclem muito, é um crescimento muito interessante no trabalho dos jornalistas. A gente tem uma variedade de fontes que acho que é super bom, porque eles vão trazer ideias e informações diferentes. A gente tem uma gestão muito horizontal, que busca consenso sempre e esse tipo de coisa motiva o jornalista, porque dá propósito para o trabalho dele. 

Liz Nóbrega: E, por fim, a partir da sua vivência já à frente do Comprova, e também no jornalismo, o que esperar para 2022? 

Sérgio Lüdtke: Ah, eu espero o pior dos mundos, né? Os movimentos mais conservadores da extrema-direita têm uma certa preponderância nas redes, eles são mais ativos, eles são mais eficazes na criação de desinformação. Não estou dizendo que todos os grupos produzem desinformação, mas esses grupos da extrema-direita e movimentos mais conservadores têm sido muito mais eficientes nisso, a gente precisa olhar para o engajamento que eles conseguem provocar. Eles testam muitas coisas e  podem observar bastante a performance de publicações. O que observar, já percebo isso, é que outros grupos que hoje são menos articulados, grupos de centro, grupos de esquerda, vão tentar seguir também um pouco o que a direita faz. Me parece que os grupos vão tentar repetir isso, contando sempre com essa leviandade da rede, com as pessoas que acreditam muito facilmente num título, numa frase, e compartilham isso muito rapidamente como verdade. 

 

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