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jun 20, 2022 | pontos de vista

Novas eleições e pandemias, velhas fake news: a reciclagem da mentira

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Nas últimas décadas, uma revolução mudou drasticamente a maneira como as pessoas se informam, afastando-as da informação selecionada através dos jornais e da televisão em direção ao ambiente das informações compartilhadas por meio das redes sociais. O ambiente digital deu espaço para que informações falsas se espalhassem rapidamente, fazendo com que narrativas da conspiração sobre vacinas, Covid-19 e eleições se popularizem. Isso gerou uma preocupação geral com a exposição a informações consumidas através de redes sociais, já que existe uma exacerbada quantidade de fakes news e teorias da conspiração nesses ambientes. O problema é que essas narrativas crescem de forma exponencial, impossibilitando o trabalho de checadores e jornalistas para combatê-las. 

Nesse sentido, nosso observatório está mapeando como a desinformação vem evoluindo ao longo dos anos, principalmente, durante períodos importantes como as eleições. Esse estudo em andamento identificou que algumas narrativas que surgiram durante as eleições presidenciais de 2018 voltaram ao pleito municipal de 2020 da mesma forma ou com camadas diferentes que camuflam a intenção dos criadores. 

As fake news sobre fraudes eleitorais e sobre as urnas eletrônicas  são um exemplo. Elas foram constantes em 2018 e continuaram existindo com novos formatos em 2020. Em 2018, a agência Lupa checou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não “entregou códigos das urnas eletrônicas à Venezuela”. Dois anos depois, houve checagens da agência Aos Fatos para desmentir que o uso das urnas eletrônicas era feito apenas pela Venezuela e Cuba além do Brasil e também que houve uma reunião secreta da Organização dos Estados Americanos (OEA) com PT comandada por venezuelanos, que seriam os responsáveis por fiscalizar as eleições de 2020. Essas duas narrativas bebem da mesma fonte: mencionam países comandados por líderes considerados de esquerda e que não são democracias plenas. Dessa forma, os disseminadores dessas desinformações se aproveitam da crítica e do medo para influenciarem os votos dos eleitores. 

Outra narrativa que aparece frequentemente durante o período eleitoral é a fraude nas urnas. Em 2018, um vídeo compartilhado por usuários próximos ao período eleitoral mostrava dois policiais militares afirmando que um funcionário da Justiça Eleitoral teria identificado a violação de uma urna eletrônica pouco antes do início da votação do primeiro turno das eleições. Na época, o TSE informou que houve um “desconhecimento técnico” do responsável, causando a informação errônea. Apesar desse desmentido, o vídeo gerou muita desconfiança no processo eleitoral. No ciclo eleitoral de 2020, usuários começaram a compartilhar o mesmo vídeo, como se fosse recente, com a intenção de gerar novamente desconfiança sobre o processo eleitoral. 

Não é só o processo eleitoral que sofre com essas narrativas recicladas. Instituições como o STF e TSE também seguem como alvos preferenciais desses conspiradores que, eleição após eleição, criam falsas histórias para desacreditar os dois órgãos da Justiça brasileira.  

Os casos mais preocupantes ocorrem durante crises sanitárias, como a do novo coronavírus e mais recentemente da varíola dos macacos. Com pouca informação disponível, reportar novas enfermidades é um desafio para o jornalismo e torna-se ainda mais complicado com a desinformação. 

A consultoria de investigação digital Memetica estudou o impacto global das conversas online em torno do surto da varíola dos macacos, revelando um desafio para as instituições científicas e de saúde pública com a  disseminação de teorias e rumores conspiratórios. Em um artigo publicado na revista online TechPolicy Press, pesquisadores da Memetica mostraram que as conspirações sobre a varíola do macaco usam as mesmas narrativas de campanhas anti-vacinas passadas, alegando que a Organização Mundial da Saúde (OMS), Bill Gates, Dr. Anthony Fauci (imunologista, chefe do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) e conselheiro médico chefe do presidente americano Joe Biden), o Fórum Econômico Mundial e uma série de organizações internacionais estão todos colaborando secretamente para provocar pânico no público, lucrar com a nova crise sanitária e alcançar o “controle populacional” através de microchips e a rede de transmissão de dados 5G (ainda em implementação no Brasil).

Com os primeiros relatos sobre casos de varíola na Europa, a Memetica encontrou referências conspiratórias a Bill Gates e campanhas de vacinação forçada. Segundo dados da empresa, conteúdo audiovisual no YouTube e TikTok culpando Bill Gates pelo surto geraram milhares de visualizações. Essas mesmas narrativas foram identificadas durante o início da Covid-19. Da mesmo forma que os eventos se desenvolveram nos primeiros dias da pandemia do novo coronavírus, algumas teorias da conspiração sobre a varíola dos macacos estão usando de documentos científicos antigos, fora do contexto, para questionar o uso de vacinas, embora não existam recomendações formais sobre campanhas de vacinação no mundo. Por isso, é preciso que pesquisadores passem a estudar essas narrativas e criem medidas profiláticas (ou preventivas), também conhecidas como “prebunking”, para que o público, ao ser exposto a este tipo de desinformação, saiba identificá-la. Dessa forma, por mais que mudem a roupagem, os usuários estarão prevenidos com esse “filtro preventivo”.

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Digital Media and Society Observatory

O DMSO – Digital Media and Society Observatory (em português, Observatório de Mídias Digitais e Sociedade) é um grupo de pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) formado por pesquisadores e estudantes com o objetivo de promover a discussão na intersecção da informática, comunicação e sociedade. Usando de métodos e conceitos computacionais para analisar a sociedade atual, o Observatório nasceu com a missão de ajudar a criar conhecimento e estratégias necessárias para uma sociedade mais ética e inclusiva, combatendo o seu uso destrutivo. Site: https://dmso.unifesp.br/

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