Início 9 Destaques 9 Meta inaugura as Notas da Comunidade: o que esperar da nova ferramenta?

Últimas notícias

mar 20, 2025 | Destaques, Notícias

Meta inaugura as Notas da Comunidade: o que esperar da nova ferramenta?

COMPARTILHAR:

A Meta iniciou nesta terça-feira (18) a implementação nos Estados Unidos do seu novo modelo de Notas da Comunidade, um sistema de verificação colaborativa que coloca na responsabilidade dos usuários adicionar contexto e avaliar a veracidade de postagens potencialmente enganosas no Facebook, Instagram e Threads.

Anunciada em janeiro por Mark Zuckerberg, a iniciativa faz parte de um conjunto de mudanças nas políticas de moderação de conteúdo da empresa, sendo a principal delas a extinção do Third Party Fact-Checking Program (3PFC) – programa de verificação de fatos por terceiros – e a substituição dele pelas Notas da Comunidade, inspirado no modelo adotado pelo X (antigo Twitter). As Notas da Comunidade serão escritas e avaliadas coletivamente, exigindo consenso entre pessoas com visões opostas para, supostamente, evitar distorções. 

A Meta justificou a mudança afirmando que seu programa de verificação de fatos, adotado em 2016, resultou em erros e na remoção excessiva de conteúdo legítimo. A empresa argumenta que, embora os verificadores sejam independentes, seus vieses acabaram interferindo na moderação de discursos políticos que deveriam ser permitidos.

A companhia também reconheceu que criou um sistema excessivamente complexo para controle de conteúdo, o que gerou insatisfação entre os usuários e intensificou críticas sobre censura e parcialidade na plataforma.

O anúncio ocorreu em meio a uma mudança no cenário político dos Estados Unidos, impulsionada pela vitória de Donald Trump. Em um vídeo divulgado junto com o comunicado oficial, Mark Zuckerberg afirmou que pretende “trabalhar com o presidente Trump para resistir a governos ao redor do mundo que vão contra empresas dos Estados Unidos e que queiram censurar mais”. A decisão também alinha a Meta a uma abordagem mais flexível em relação à liberdade de expressão, semelhante à adotada por Elon Musk no X.

Dilemas relacionados à funcionalidade

Embora Mark Zuckerberg afirme que as Notas da Comunidade têm o objetivo de oferecer informações úteis e imparciais ao público, estudos sobre a aplicação desse modelo no X indicam resultados abaixo do esperado. Uma pesquisa da Agência Lupa revelou que apenas 8% das notas escritas em português na plataforma são, de fato, exibidas aos usuários.

O estudo analisou mais de 5,9 mil notas publicadas entre junho e novembro de 2023 e apontou que a maioria das contribuições acaba descartada pelo sistema de moderação. Além disso, apenas 6,5% das notas escritas no Brasil foram consideradas úteis o suficiente para serem visíveis.

Em janeiro, quando a Meta anunciou as mudanças de política, a diretora-executiva da Lupa, Natalia Leal, já havia alertado que um dos principais impactos das decisões de Mark Zuckerberg é o “empobrecimento da qualidade da informação que circula nas redes”.

A eficácia do modelo também foi questionada por Alex Mahadevan, diretor do MediaWise, programa de alfabetização midiática do Poynter Institute. Durante a conferência GlobalFact 10, realizada em Seul, na Coreia do Sul, em junho de 2023, ele destacou que, embora os usuários tenham produzido cerca de 122 mil notas desde o lançamento da ferramenta, apenas 10.400 (aproximadamente 8,5%) foram efetivamente exibidas.

Alexander Mahadevan. Foto: Everwest para WikiPortraits

Um estudo conduzido pelo Twitter em 2022, antes da mudança para X, analisou o impacto inicial das Notas da Comunidade, então chamadas de Birdwatch. A pesquisa indicou que, quando as anotações eram selecionadas por um algoritmo que priorizava a diversidade de perspectivas, os usuários tinham menor propensão a compartilhar conteúdos marcados como enganosos. No entanto, como destacou o pesquisador Mahadevan, a efetividade desse mecanismo pode ser limitada, já que 60% das notas mais avaliadas – justamente aquelas sobre conteúdos que mais exigem verificação – não são exibidas publicamente.

Mahadevan observou que, enquanto as Notas da Comunidade podem funcionar bem para informações contextuais de baixo risco, como cultura pop, sua eficácia é limitada quando aplicadas a temas mais sensíveis, como política. Segundo ele, nesses casos, os verificadores profissionais ainda são mais eficientes no combate à desinformação.

Um dos principais entraves para o funcionamento do sistema é a necessidade de consenso entre usuários de diferentes espectros políticos para que uma nota seja exibida publicamente. Mahadevan explica que essa exigência cria um “acordo interideológico sobre a verdade”, algo cada vez mais difícil em um cenário de intensa polarização política.

Além disso, o algoritmo do X analisa o comportamento passado dos usuários para determinar suas inclinações políticas, aguardando um número equilibrado de aprovações entre direita e esquerda antes de tornar uma nota visível, o que restringe ainda mais sua eficácia.

As Notas da Comunidade, sozinhas, são suficientes?

Para Iná Jost, coordenadora de pesquisa do InternetLab, o modelo pode ser útil em determinados contextos, mas não deve ser a única alternativa à moderação de conteúdo. “Esse não é um sistema que foi desenhado para ser a única forma de agregar contexto às postagens, pois pode incorrer em capturas por grandes grupos e imprecisões”, alerta. Ela também destaca que a validação das notas exige conhecimento prévio sobre o tema analisado, levantando o questionamento: como garantir que quem avaliou uma nota tem o conhecimento necessário para validar ou refutar uma informação?

Um estudo publicado em fevereiro deste ano pela Universidade de Copenhague, analisou a relação entre as Notas da Comunidade no X e o trabalho de verificadores de fatos profissionais. A pesquisa revelou que as notas citam fontes de checagem de fatos cinco vezes mais do que estimativas anteriores, evidenciando uma forte dependência desse material.

Essa relação é ainda mais expressiva em temas sensíveis, como saúde e política, e em conteúdos vinculados a narrativas de desinformação mais amplas. Os achados indicam que, embora o sistema de moderação comunitária tenha um papel relevante, ele se apoia diretamente no trabalho de verificadores profissionais, funcionando de forma complementar no combate à desinformação.

No caso da Meta, a especialista avalia que ainda é cedo para medir os impactos diretos da iniciativa, já que o formato da ferramenta nas plataformas da empresa ainda não foi detalhado. No entanto, ela destaca que a experiência do X indica outro ponto crítico que é a falta de transparência das plataformas sobre o real alcance das Notas da Comunidade entre os usuários, o que dificulta a avaliação de sua eficácia na mitigação da desinformação. Para ela, a adoção desse modelo pelas grandes plataformas parece ser uma estratégia para reduzir sua responsabilidade na moderação de conteúdo.

COMPARTILHAR: