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Pontos de vista

acervo pessoal

jun 27, 2022 | pontos de vista

Na terra dos algoritmos, vemos ilusões ou horrores?

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Sabe aquelas coisas surreais que, quando acontecem, você para e olha “o que é isso, um filme?” bem no estilo do meme da boca rosa? Ok, eu sei que  os últimos acontecimentos no Brasil (nos últimos, sei lá, quatro anos) nos obrigam a fazer essa pergunta diariamente, mas às vezes penso que nem o melhor dos roteiristas de distopia poderia criar narrativas tão assustadoras. Até Atwood tem ficado para trás com o show de horror da atualidade.

O ponto de vista de hoje não é, no entanto, especificamente sobre as histórias lamentáveis e os sucessivos ataques às mulheres e ao corpo feminino que vimos nos últimos dias. Eu até sinto a necessidade de falar sobre, mas isso ainda é um nó na garganta não digerido. Toda essa situação, no entanto, me fez refletir sobre como casos da vida real que parecem ter saído de um filme nos expulsam do conforto da bolha de forma avassaladora.

Não que a gente não saiba sobre violência, estupro, crimes, teorias da conspiração… a gente sabe, mas muito na teoria. Então surgem casos que dão nome e história e um senso de urgência para a realidade que ela sempre precisou ter. 

Eu tive outro choque de realidade assistindo à mais recente série da Netflix, “Terra de Ilusões: Internet, Morte e Mentiras”. Em seis episódios, a série documental mostra casos que parecem surreais e despertam para o horror da realidade por colocar concretude em assuntos que tratamos muitas vezes de forma não tão palpável. A série retrata fatos reais. 

O terceiro episódio, por exemplo, mostra como uma mulher entrou para um grupo de supremacistas brancos nos Estados Unidos e acabou se tornando uma garota propaganda do movimento. Parte do envolvimento da moça veio por relações pessoais, mas houve uma grande contribuição de conteúdos que ela consumiu online, alguns de forma recomendada pelos algoritmos e fóruns em que esses discursos eram reforçados. 

A gente fala bastante sobre bolhas virtuais e de como os algoritmos criam espaços em que as mesmas vozes reverberam. Mas, além da perspectiva acadêmica, essas consequências são reais, como no atropelamento em Charlottesville, nos EUA, e até a invasão do Capitólio. Como disse um dos especialistas entrevistados no episódio, se você permitir que as piores pessoas do mundo tenham liberdade irrestrita nas maiores plataformas do mundo, haverá consequências enormes. “Se os nazistas dominarem a internet, o que acontecerá depois?”, perguntou. Eu questiono o mesmo.  

A falta de atuação das plataformas digitais para apagar esse tipo de conteúdo e a reverberação proporcionada pelos algoritmos de recomendação, muito conectados a uma lógica da economia da atenção, tornam tudo mais assustador. Outro caso em que as redes sociais amplificaram um discurso tóxico é mostrado no segundo episódio, em que a disseminação de informações falsas alimentaram teorias da conspiração sobre a morte de  Seth Rich, um funcionário do Partido Democrata.

A série também aponta casos em que a internet foi usada para crimes de extorsão sexual, fraudes bancárias e práticas que até então eu nem sabia que existiam, como o swating. Também alerta no último episódio, de forma muito importante, para a vigilância dos cidadãos por parte do governo. Particularmente, são histórias que assustam por estarem “distantes” da minha bolha e, mesmo que estejamos imersos nesses assuntos, a realidade traz uma dimensão arrebatadora para o entendimento dos casos. 

A série começa com uma citação atribuída ao pesquisador Marshall McLuhan: Vivemos mergulhados em um ambiente eletrônico de informações que é tão imperceptível para nós como a água é para o peixe. Não deixemos que essa realidade se torne imperceptível e estejamos sempre atentos para não precisarmos de alguns choques para querermos mudá-la. 

 

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Liz Nóbrega

Jornalista do *desinformante e mestre em Estudos da Mídia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPgEM/UFRN). Estuda desinformação, checagem de fatos e plataformas digitais.

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