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jul 17, 2024 | Destaques, Notícias

MPF e Idec ajuízam ação de R$ 1,7 bilhão contra o WhatsApp no Brasil

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O Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) ajuizaram, nesta terça-feira (16), uma ação civil pública pedindo que o WhatsApp pague uma indenização no valor de R$ 1,7 bilhão por violar os direitos fundamentais dos usuários previstos pela Lei Geral de Proteção de Dados e os seus deveres de transparência.

A ação analisa a mudança de política de privacidade da plataforma realizada em janeiro de 2021. Na ocasião, os usuários receberam um aviso de que teriam de aceitar as novas condições até fevereiro daquele ano e, caso não o fizessem, suas contas seriam encerradas no WhatsApp.

Tela de consentimento do WhatsApp

De acordo com o procurador do MPF e os advogados do Idec, “o WhatsApp violou direitos fundamentais de seus ao menos 150 milhões usuários brasileiros ao afrontar diversas normas cuja observância é necessária ao correto tratamento de seus dados pessoais e à transparência nas relações de consumo dessa aplicação”. Para eles, a plataforma viola o direito à informação dos usuários, produziu um consentimento viciado dos usuários, além de tratar dados dos usuários considerados desnecessários.

Os autores da ação destacam que as empresas que tratam os dados dos usuários devem ser transparentes sobre esse tratamento e que isso não ocorreu neste caso, tanto pelo desenho do canal em que as alterações foram comunicadas, até a forma “dispersa” que a nova política foi organizada para consulta. 

“O WhatsApp anunciava mudanças em seus termos de uso e em sua política de privacidade (sem sequer se dar ao trabalho de esclarecer as diferenças entre um e outro), mas ao fazê-lo optou por usar de referências genéricas, sem sequer mencionar parâmetros mínimos que estariam sendo impactados (categorias de dados, compartilhamentos, finalidades etc.), quanto menos detalhes do que estava sendo, a partir daquele momento, alterado. E a despeito disso, deixava, nessa tela, um botão colorido, com letras destacadas, que induzia os usuários a aceitarem tais mudanças, até para poderem usar o aplicativo como queriam ao abri-lo. Havia, portanto, um conjunto de fatores que induziam, já na tela inicial, o aceite por parte dos usuários”, coloca a ação analisando a tela para a concordância da nova política.

Coleta ampla de dados também motivou ação

A nova política de privacidade do aplicativo, acrescenta o processo, foi “significativamente alterada em tópicos relevantes”, tornando ainda mais ampla a coleta de dados e metadados dos usuários, incluindo questões como localização, nível da bateria dos aparelhos e de informações sobre frequência e duração de suas interações no aplicativo.

A ação reforça que, mesmo que o WhatsApp seja um aplicativo criptografado de ponta-a-ponta, ou seja, impossibilite o acesso ao conteúdo das mensagens, os metadados trazem informações significativas que, cruzados com outros dados da Meta (dona do Facebook e Instagram), podem permitir a construção de perfis mais elaborados para seus negócios.

Com esses metadados, o WhatsApp tem acesso a dados como:

  • números dos terminais telefônicos de seus usuários;
  • nomes e sobrenomes cadastrados; 
  • modelos dos aparelhos que estão usando;
  • informações sobre as conexões à internet e os IPs (data de início e de fim da conexão, sua localização aproximada etc.); 
  • eventuais endereços de e-mail cadastrados;
  • fotos de seus respectivos perfis; 
  • números de seus contatos;
  • status postados pelos usuários; 
  • informações diversas sobre os grupos e as comunidades (suas datas de criação, suas descrições, suas fotos e seus nomes, a quantidade e os nomes de seus membros etc.).

“Esse volume oceânico de dados – em sua maioria, de metadados – têm um enorme valor comercial para o WhatsApp. Pois a partir de inteligência artificial e de técnicas de big data, eles podem ser cruzados e agregados em grupos temáticos perfilizados, e se tornam de grande interesse para empresas (como as atuantes com publicidade direcionada) e diversos outros interessados. Afinal, com os cruzamentos de tais dados e metadados – entre si, entre as muitas outras bases de dados de empresas do Grupo Facebook/Meta, e mesmo com outras tantas bases de dados hoje disponíveis para aquisição – empresas e outros interessados acabam conseguindo compreender aspectos significativos dos comportamentos cotidianos e mesmo da personalidade dos usuários do WhatsApp – por exemplo, em quais regiões eles e elas moram, onde trabalham, qual o percurso que fazem por suas cidades rotineiramente, a que horas costumam acordar e dormir, quem são seus contatos mais frequentes com que trocam mensagens, e até mesmo, no limite, quais são seus gostos e preferências estéticas, políticas”, explica a ação.

De acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados, explica o MPF, o tratamento de dados deve se restringir ao mínimo necessário para a prestação do serviço. Porém, argumentam o procurador e os advogados, a empresa foi além da coleta de dados essenciais para a operação de sua plataforma.

Assim, a ação pede que a justiça obrigue o WhatsApp a reparar os danos causados a seus milhões de usuários do país a partir da multa de R$ 1,7 bilhão, que será destinada a projetos financiados pelo Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD). De acordo com o MPF, “a indenização exigida baseia-se em valores que o Whatsapp já foi condenado a pagar na Europa por irregularidades semelhantes” e “o montante é compatível com a capacidade financeira do Grupo Meta, que em 2023 registrou lucro de 39 bilhões de dólares”.

Além disso, os autores pediram a suspensão do tratamento dos dados pessoais que se mostram excessivos de acordo com os parâmetros legais, igualando ao que hoje já é praticado na União Europeia, e solicitaram, no prazo de 90 dias, que sejam tomadas providências para que os usuários brasileiros tenham o direito à oposição ao tratamento de dados pessoais que entendam indevidos.

Por fim, os autores da ação disseram que não têm interesse em resolver a demanda “por meio de conciliação ou de mediação” porque a “defesa dos direitos fundamentais de mais de cem milhões de brasileiros, em um contexto no qual está envolvida uma empresa integrante de um dos maiores conglomerados econômicos do mundo, não comporta negociações ordinárias”.

“Promessas de conformidade e de melhoria daqui em diante são importantes, mas o que já ocorreu não pode ser esquecido, e exige uma resposta à altura”, finalizam os autores da ação. 

Em nota ao *desinformante, o WhatsApp disse que não foram intimados e, portanto, não comentarão a respeito.

Ação também mira na ANPD

Além do WhatsApp, a ação do MPF com o Idec também coloca a Autoridade Nacional de Proteção de Dados como ré. De acordo com a ação, a ANPD passar a ocupar essa posição por “deixar de cumprir seu papel de enforcement em face de um agente de tratamento de dados específico, mas sobretudo por, nesse contexto, ter se revelado uma instituição que vem se comportando de maneira opaca, avessa a qualquer accountability pública”.

O processo indica que houve “falhas graves na atuação da ANPD sobre a conduta do Whatsapp”, isso porque a autarquia foi criada justamente para para fiscalizar o cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados no país e aplicar sanções a quem a desrespeitar. 

A investigação aponta uma mudança repentina da postura da autoridade a partir de julho de 2021. Anteriormente, a ANPD havia publicado notas críticas à nova política do WhatsApp, mas em seguida impôs sigilo sobre o processo e, de acordo com o MPF, deixou de prestar informações a entidades da sociedade civil interessadas.

Com base nisso, os autores da ação pedem que a justiça obrigue a ANPD a entregar todos os documentos que recebeu e produziu durante sua apuração sobre o caso com justificativa clara sobre cada sigilo que foi atribuído. Além disso, pedem que a autoridade seja obrigada a elaborar uma norma que crie limites para a decretação de sigilo em processos sob sua responsabilidade, garantindo nas futuras investigações a máxima publicidade possível.

O *desinformante também entrou em contato com a ANPD que disse ainda não ter sido notificada sobre a ação.

Veja a ação na íntegra:

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