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set 16, 2025 | Destaques, Notícias

MPF pede cancelamento de outorgas da Jovem Pan: entenda os motivos

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O Ministério Público Federal (MPF) pediu o cancelamento das três outorgas de rádio da Jovem Pan em alegações finais apresentadas à Justiça Federal nesta segunda-feira (15). O documento marca a fase conclusiva de uma ação civil pública ajuizada em 2023 que acusa a emissora de cometer “abusos graves” ao longo de 2022, ao difundir desinformação de forma sistemática e veicular conteúdos que colocaram em risco o regime democrático brasileiro.

O MPF manteve ainda o pedido de condenação da empresa ao pagamento de R$ 13,4 milhões por danos morais coletivos e solicitou que, enquanto permanecer em operação, a Jovem Pan seja obrigada a veicular compulsoriamente conteúdos oficiais em defesa do regime democrático e da integridade das instituições atacadas por sua programação.

Nas alegações finais, que somam quase 350 páginas, o Ministério Público Federal detalha que a investigação sobre a Jovem Pan se concentrou em conteúdos veiculados entre 1º de janeiro de 2022 e 8 de janeiro de 2023.

A análise reuniu “um sem-número de vídeos” publicados nos canais de YouTube controlados pela emissora, com foco nos programas “Os Pingos nos Is”, “3 em 1”, “Morning Show” e “Linha de Frente”, além do canal Jovem Pan News, todos integrantes de sua grade de radiodifusão no período. Segundo o MPF, os conteúdos analisados extrapolaram o campo da crítica jornalística legítima e configuraram abusos graves à liberdade de radiodifusão.

Acusações de radicalização

A Procuradoria aponta que a emissora promoveu ataques infundados ao processo eleitoral de 2022, direcionou ofensivas a autoridades e instituições da República, incentivou a desobediência a leis e decisões judiciais, defendeu a intervenção das Forças Armadas sobre os Poderes constituídos e chegou a incitar a subversão da ordem política e social.

Em um dos trechos do documento, o órgão ressalta que não se trata de limitar o debate político ou ideológico, mas de responsabilizar quem abusou de um serviço público de comunicação.

“Esta Ação, portanto, não se volta contra discursos lícitos, que legitimamente fazem parte ordinária dos dissensos políticos e ideológicos de sociedades plurais, mas sim busca a devida responsabilização de quem, praticando graves atos ilegais, abusou de outorgas de serviço público e desvirtuou os princípios e as finalidades sociais que lhes dão lastro”, afirma o MPF.

Para Ramênia Vieira, coordenadora de incidência do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, esse tipo de atuação não pode ser relativizada. “Uma emissora de rádio possui alcance territorial garantido, legitimidade institucional e uma audiência consolidada. Isso amplia a capacidade de difundir desinformação de maneira sistemática e de conferir credibilidade a conteúdos falsos ou manipulados”, avalia.

Debate sobre limites e riscos

As medidas impostas pelo MPF à Jovem Pan, sobretudo a de cancelamento da outorga de concessão de rádio, têm gerado críticas e especialistas alertam que a decisão pode abrir um precedente relevante para o setor.

Para o MPF, essas medidas severas são necessárias para deixar claro que abusos na radiodifusão não podem ser tolerados. “Disso depende a garantia de que a comunicação pública brasileira nunca mais se ponha a serviço de aventuras antidemocráticas”, afirma o órgão.

A avaliação de Ramênia Vieira, do Intervozes, é de que a ação reforça um princípio fundamental: “a liberdade de radiodifusão não é absoluta quando se transforma em instrumento de incitação à violência política e de ruptura da ordem democrática”. Ela alerta, contudo, para o risco de que medidas dessa natureza sejam usadas para silenciar críticas legítimas. “O desafio é delimitar com clareza os critérios que separam jornalismo crítico e liberdade de expressão do abuso deliberado que configura crime ou ameaça institucional”, finalizou. 

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) também se manifestou em uma rede social, classificando o pedido de cancelamento das outorgas como “extremo e grave, sem precedentes em nosso Estado Democrático de Direito”.

Em nota, a entidade defendeu a preservação da liberdade de programação das emissoras como elemento essencial para o pluralismo de opinião e afirmou esperar que o Judiciário “afaste medidas desproporcionais e que atentem contra a comunicação social brasileira”. O caso será analisado pela 6ª Vara Cível da Justiça Federal em São Paulo, ainda sem prazo para decisão.

Relação com o julgamento de Bolsonaro

As alegações finais do MPF foram protocoladas em um momento considerado simbólico pela Procuradoria: poucos dias após o Supremo Tribunal Federal (STF) condenar oito réus, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, por crimes como tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa armada.

Para os procuradores, a ação contra a Jovem Pan “enriquece a compreensão” desse cenário ao demonstrar como, entre o período analisado, a emissora atuou como uma “caixa de ressonância” de discursos que buscavam pavimentar a ruptura democrática, conferindo a eles uma aparência de legitimidade no debate público, radicalização essa que teria desembocado nos ataques de 8 de janeiro de 2023:

“As evidências trazidas nestes autos demonstram como a emissora demandada (…) veiculou sistematicamente desinformação sobre o funcionamento de instituições públicas nacionais, usando-a de ponto de apoio para reiteradamente incitar a ruptura do regime democrático brasileiro”, afirma o MPF.

A emissora, por sua vez, reagiu publicamente à divulgação feita pelo MPF em seu site. Em nota assinada por seus advogados, a Jovem Pan afirmou que a tentativa de conexão entre a ação civil pública e o julgamento criminal no STF é indevida e carece de fundamento técnico. “A Jovem Pan não é ré em nenhuma das ações penais recentemente julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, tampouco figurou como investigada em quaisquer dos inquéritos que lhes deram origem”, diz o texto.

O comunicado também sustenta que não há qualquer imputação de índole criminal contra a emissora e que associar o processo às condenações do STF representaria “uma indevida tentativa de influenciar o juízo e os leitores com uma narrativa dissociada dos elementos dos autos”.

Outros casos envolvendo a Jovem Pan

A ação civil pública do MPF contra a Jovem Pan se soma a uma série de episódios que colocaram a emissora em evidência por sua atuação na disseminação de conteúdos polêmicos. Em setembro de 2022, um estudo do NetLab (UFRJ) denunciou que o algoritmo do YouTube privilegiava sistematicamente o conteúdo da Jovem Pan no Brasil, em detrimento de outras fontes de informação. 

Em novembro do mesmo ano, o próprio YouTube anunciou a desmonetização dos canais da rede Jovem Pan, em razão de repetidas violações das políticas de combate à desinformação eleitoral. A medida, tomada de forma unilateral pela plataforma, se concentrou principalmente no programa “Os Pingos nos Is”. Segundo a empresa, além de descumprir regras relacionadas às eleições, os canais infringiram diretrizes sobre conteúdo adequado para publicidade, tratando de questões polêmicas, eventos sensíveis e atos considerados perigosos ou nocivos.

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