Desertos de notícias são aquelas localidades que não possuem informação jornalística local. O censo de 2021 do Atlas da Notícia, divulgado nesta quarta-feira (23), revelou que 2.968 cidades brasileiras vivem essa realidade – cinco em cada dez – e que 1.460 municípios possuem apenas um ou dois veículos locais, o que os configuram como quase desertos. No total, são 29,3 milhões de brasileiros que vivem em desertos e 31,8 milhões que vivem em quase desertos. Apesar de serem números impressionantes, houve uma redução de 9,5% de cidades consideradas desertos em relação a 2020 e é uma realidade que vem mudando aos poucos, de acordo com os pesquisadores.
A distribuição desses desertos acompanha outros índices de desigualdade e população. A região Norte é a que possui o maior território descoberto por veículos de comunicação local, 63,1% das suas cidades são um deserto. A segunda região com maior deserto de notícias é a Nordeste, com 62,4% dos municípios sem informação local. Já a região Centro-Oeste é a com menor incidência de desertos, 29,1%.
De acordo com a pesquisa, os estados do Rio Grande do Norte e do Tocantins são os que têm a maior incidência de cidades consideradas desertos. Para chegar a essas estatísticas e conclusões, o censo mapeou 13.734 veículos jornalísticos que estavam em atividade em 2021 a partir do banco de dados já existente e da busca ativa – por meio de redes sociais e contato com prefeituras – de canais de informação. O projeto é contínuo e atualizado constantemente. Para o fechamento do ano de 2021, contou com a participação de cinco pesquisadores regionais e 174 colaboradores voluntários.
Falta de informação e desinformação
Um cenário de falta de acesso a informações jornalísticas pode acarretar um ambiente propício para a disseminação de informações falsas, como alerta o coordenador da equipe de pesquisadores do Atlas da Notícia e editor-chefe do Projeto Comprova, Sérgio Lüdtke. “A gente fala da disputa pela atenção das pessoas em meio à quantidade de conteúdos disponíveis, agora imagine disputar em um ambiente em que não há jornalismo, onde as pessoas não têm versões diferentes dos fatos, onde elas se informam por correntes e transmitem informações pelas redes sociais sem a devida verificação da veracidade, sem ouvir fontes confiáveis, sem a diferenciação do que é informação e o que é opinião”.
Além das iniciativas jornalísticas mapeadas, o Atlas também encontrou 2.212 veículos que foram desconsiderados por não terem o perfil jornalístico e estarem ligados a prefeituras municipais. O fato de muitas vezes esta ser a única fonte de informação local da cidade pode deixar a população mal informada. “Os sites das prefeituras são importantes na medida em que trazem informações sobre serviços oferecidos às pessoas, mas podem ser confundidos com veículos de informação local porque acaba sendo um lugar onde as pessoas vão se abastecer de informações, mas ali não há nenhuma versão diferente, distinta ou até uma investigação do que o poder público está fazendo, então essa é uma ausência muito ruim para a democracia porque abre um espaço para que se dominem as narrativas”, destaca Lüdtke.
Jornalismo online
A pesquisa também revela outros fatores importantes para compreender o cenário do jornalismo no Brasil. Essa foi a primeira vez, desde que o censo começou a ser realizado, que o segmento online teve mais incidência que os outros segmentos, como o rádio, por exemplo. 34% dos veículos mapeados são iniciativas de internet, contra os 33,5% de rádios, 23,4% de impressos e 9,1% de televisão.
“O online vem ganhando espaço, primeiro, porque ele coloca menos barreiras de entrada para o empreendedor. Um jornalista que é demitido de um jornal pode usar seu capital social e criar um site próprio, por exemplo. Ainda precisamos mapear a longevidade e sustentabilidade desse jornalismo digital, mas há uma maior facilidade para a criação de um veículo online porque também exige um menor investimento. Há iniciativas que utilizam diretamente as plataformas digitais, não é necessário ter um equipamento caro ou uma estrutura maior. Além disso, a pandemia acelerou esse processo de transição para o digital em várias iniciativas”, aponta o coordenador da equipe.
O Atlas da Notícia é um projeto do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor) em parceria com Volt Data Lab e inspirado no projeto America’s Growing News Desert, da revista Columbia Journalism Review, que realizou um levantamento sobre a presença de jornais nos Estados Unidos. A iniciativa brasileira teve sua primeira edição em 2017 e desde 2018 é patrocinada pelo Meta Journalism Project. Esta quinta edição foi realizada em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e com a Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom).