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acervo pessoal

ago 1, 2022 | pontos de vista

Memes banalizam mudanças climáticas e amplificam negacionismo

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A mudança climática está mais presente do que nunca. À medida que as ondas de calor se tornam mais comuns, mais intensas e mais letais, a mudança climática parece ser mais real. O negacionismo climático, porém, limita ações contra essa crise. 

Esse negacionismo não é um fenômeno novo, mas com os eventos climáticos extremos passaram a figurar mais comumente nas redes sociais e nas rodas de conversas. Por exemplo, os catastróficos incêndios florestais na Austrália em 2019 e 2020 e as inundações de 2022 foram fontes de discursos conspiracionistas e desinformação, assim como as eleições australianas de 2022 foram marcadas por uma disseminação de narrativas online relacionadas ao clima. As narrativas de negacionismo climático surgiram ao longo da campanha, ligando eventos climáticos extremos às chamadas agendas globalistas e supostos planos dos governos para a apropriação de terras.

Esses exemplos ilustram como os eventos climáticos são particularmente suscetíveis a interpretações enganosas ou falsas. Isto pode então ser facilmente captado e transformado em desinformação, alimentando teorias da conspiração sobre o clima e política, que podem ser compartilhadas por audiências que podem inconscientemente acreditar que isto é verdade.  

Nas últimas semanas, a desinformação climática foi vista de forma mais frequente na Europa, que recebeu grandes ondas de calor no último mês. Leo Hickman, diretor e editor do CarbonBrief (uma organização de mídia dedicada à cobertura da mudança climática), compartilhou imagens utilizadas por céticos do clima que apontavam que a mídia estaria “manipulando” a narrativa de temperaturas extremas para alarmar a população sobre a extraordinária onda de calor (vide tuíte abaixo). Segundo as imagens  – essas sim eram manipuladas – as temperaturas na Europa em 2017 foram superiores a mais recente onda de calor. 

 

 

Enquanto a imagem superior, que foi veiculada pelo canal de radiodifusão de Hesse em junho de 2017, mostra um mapa topográfico com montanhas e rios, por exemplo, a imagem abaixo da Das Erste (o principal canal de televisão nacional da associação ARD de empresas públicas de radiodifusão na Alemanha) mostra um mapa de calor, ou seja, das temperaturas. 

No Reino Unido, mapas meteorológicos mudaram para serem mais acessíveis aos telespectadores, particularmente aqueles que são daltônicos, alterando as cores. Essas imagens foram manipuladas para comparar duas previsões de ondas de calor no Reino Unido em dois anos diferentes para alimentar o ceticismo quanto à mudança climática.

 

 

Apesar de este ser um caso de busca por mais audiência, um estudo, ainda pendente de revisão, aponta para uma mea-culpa da mídia. Segundo os autores, a imprensa publica um contraste entre as reportagens que explicitam o impacto do calor extremo ao lado de fotos “divertidas ao sol”. Foram analisadas cerca de 250 notícias sobre as ondas de calor de 2019 na França, Alemanha, Holanda e Reino Unido, sendo que 31% das imagens que as acompanhavam foram consideradas pelos autores como “positivamente valorizadas”. Em resumo, as reportagens mostraram as pessoas se divertindo ao sol enquanto na realidade o conteúdo tratava de calor extremo provocado por mudança climática. O tipo de imagem mais comum em cada país foram fotografias mostrando as pessoas se divertindo perto ou na água.

Demasiadas vezes, a comunicação visual da mudança climática é negligenciada. Como jornalistas e acadêmicos, temos que ser cuidadosos ao escolher cores e imagens, pois com a memeficação da internet, as imagens são uma parte fundamental do processo de comunicação, podendo ser manipuladas para moldar a forma como nós, usuários, pensamos e agimos sobre a mudança climática.

 

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Mathias Felipe

Mathias Felipe de Lima Santos é jornalista, cientista da computação e pesquisador. Atualmente é pesquisador e jornalista no projeto *desinformante e coordenador do projeto colaborativo PlenaMata, uma plataforma de dados e notícias sobre desmatamento na Amazônia produzida por InfoAmazonia, Natura, MapaBiomas e hacklab/. Também é pesquisador pós-doutorando no Observatório de Mídia Digital e Sociedade (DMSO) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Já trabalhou como jornalista esportivo para Olympic Broadcasting Services (OBS) e jornalista de dados para o La Nación. Anteriormente, foi pesquisador na Universidade de Navarra, Espanha, no âmbito do projeto JOLT, uma Marie Skłodowska-Curie European Training Network financiada pelo programa Horizonte 2020 da Comissão Europeia e pesquisador visitante na Queensland University of Technology (QUT) em Brisbane, Austrália. Mathias Felipe é co-editor do livro "Journalism, Data and Technology in Latin America" publicado pela Palgrave Macmillan em 2021.

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