A mudança climática está mais presente do que nunca. À medida que as ondas de calor se tornam mais comuns, mais intensas e mais letais, a mudança climática parece ser mais real. O negacionismo climático, porém, limita ações contra essa crise.
Esse negacionismo não é um fenômeno novo, mas com os eventos climáticos extremos passaram a figurar mais comumente nas redes sociais e nas rodas de conversas. Por exemplo, os catastróficos incêndios florestais na Austrália em 2019 e 2020 e as inundações de 2022 foram fontes de discursos conspiracionistas e desinformação, assim como as eleições australianas de 2022 foram marcadas por uma disseminação de narrativas online relacionadas ao clima. As narrativas de negacionismo climático surgiram ao longo da campanha, ligando eventos climáticos extremos às chamadas agendas globalistas e supostos planos dos governos para a apropriação de terras.
Esses exemplos ilustram como os eventos climáticos são particularmente suscetíveis a interpretações enganosas ou falsas. Isto pode então ser facilmente captado e transformado em desinformação, alimentando teorias da conspiração sobre o clima e política, que podem ser compartilhadas por audiências que podem inconscientemente acreditar que isto é verdade.
Nas últimas semanas, a desinformação climática foi vista de forma mais frequente na Europa, que recebeu grandes ondas de calor no último mês. Leo Hickman, diretor e editor do CarbonBrief (uma organização de mídia dedicada à cobertura da mudança climática), compartilhou imagens utilizadas por céticos do clima que apontavam que a mídia estaria “manipulando” a narrativa de temperaturas extremas para alarmar a população sobre a extraordinária onda de calor (vide tuíte abaixo). Segundo as imagens – essas sim eram manipuladas – as temperaturas na Europa em 2017 foram superiores a mais recente onda de calor.
You will no doubt have seen climate sceptics sharing this comparative image below in an attempt to say the media is “manipulating” us to be alarmed about the extraordinary heatwave.
But, as ever, it’s the sceptics who are doing the manipulating. Let me explain how…
THREAD 1/4 pic.twitter.com/WGdeLOEpIj
— Leo Hickman (@LeoHickman) July 22, 2022
Enquanto a imagem superior, que foi veiculada pelo canal de radiodifusão de Hesse em junho de 2017, mostra um mapa topográfico com montanhas e rios, por exemplo, a imagem abaixo da Das Erste (o principal canal de televisão nacional da associação ARD de empresas públicas de radiodifusão na Alemanha) mostra um mapa de calor, ou seja, das temperaturas.
No Reino Unido, mapas meteorológicos mudaram para serem mais acessíveis aos telespectadores, particularmente aqueles que são daltônicos, alterando as cores. Essas imagens foram manipuladas para comparar duas previsões de ondas de calor no Reino Unido em dois anos diferentes para alimentar o ceticismo quanto à mudança climática.
Weather maps have changed to be more accessible for viewers, particularly those who are colour blind.
A meme comparing two UK heatwave forecasts on two different years does not prove the media stoke baseless fears about climate change.
Read more: https://t.co/mjPW371RvT
3/7 pic.twitter.com/NccNT13DpV
— Nick Hardinges (@NickHardinges) July 22, 2022
Apesar de este ser um caso de busca por mais audiência, um estudo, ainda pendente de revisão, aponta para uma mea-culpa da mídia. Segundo os autores, a imprensa publica um contraste entre as reportagens que explicitam o impacto do calor extremo ao lado de fotos “divertidas ao sol”. Foram analisadas cerca de 250 notícias sobre as ondas de calor de 2019 na França, Alemanha, Holanda e Reino Unido, sendo que 31% das imagens que as acompanhavam foram consideradas pelos autores como “positivamente valorizadas”. Em resumo, as reportagens mostraram as pessoas se divertindo ao sol enquanto na realidade o conteúdo tratava de calor extremo provocado por mudança climática. O tipo de imagem mais comum em cada país foram fotografias mostrando as pessoas se divertindo perto ou na água.
Demasiadas vezes, a comunicação visual da mudança climática é negligenciada. Como jornalistas e acadêmicos, temos que ser cuidadosos ao escolher cores e imagens, pois com a memeficação da internet, as imagens são uma parte fundamental do processo de comunicação, podendo ser manipuladas para moldar a forma como nós, usuários, pensamos e agimos sobre a mudança climática.