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mar 29, 2023 | destaques, notícias

Defesa do Marco Civil prevaleceu em audiência pública no STF

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Dentre as mais de 30 entidades da sociedade civil que participaram da audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF), incluindo representantes de centros de pesquisa, organizações não-governamentais e entidades de classe, a opinião que prevaleceu foi também a da defesa da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. Em linhas gerais, foi ressaltado o avanço que a legislação representou e também pontuados os riscos à liberdade de expressão derivados da sua exclusão, ou seja, do entendimento de que ele seria inconstitucional. Uma tabela completa com o posicionamento de cada entidade por ser conferida aqui.

Muitas entidades, entretanto, defenderam a necessidade de novos regramentos que façam frente aos desafios atuais não previstos em 2014, que passariam além do debate sobre constitucionalidade ou não do artigo 19. Argumento recorrente foi o de não confundir “internet” com “plataformas digitais”, já que a primeira é e deve permanecer neutra, enquanto que as segundas são empresas com fins lucrativos e guiadas por algoritmos programáveis.

O ponto central do debate está na responsabilidade das plataformas sobre danos causados por discurso de terceiros por elas veiculadas. Atualmente, uma leitura do artigo 19 do Marco Civil possibilita a interpretação de que as plataformas só podem ser responsabilizadas caso haja descumprimento de ordem judicial de retirada de determinado conteúdo, respeitada a liberdade de expressão de terceiros garantida pela Constituição.

O argumento é o de que as plataformas não são um meio neutro de veiculação de determinados discursos, mas acabam assumindo algum grau de responsabilidade por conta de algoritmos que privilegiam alguns discursos a partir dos seus modelos de negócios e buscando lucro.

Ministros do STF presentes se manifestaram. Para o ministro Luís Roberto Barroso, o desafio do combate à desinformação, ao discurso de ódio e de extremismo no ambiente virtual deve considerar quatro eixos: a regulação estatal moderada; a auto-regulação ampla; o acompanhamento desta auto-regulação e a promoção de educação midiática.

O ministro Alexandre de Moraes, que teve papel proeminente de atuação contra a desinformação e o discurso de ódio à frente do Tribunal Superior Eleitoral, afirmou categoricamente que o modelo atual de combate a esses discursos é absolutamente falido, “e não é só no Brasil, é no mundo todo”. Gilmar Mendes e Luiz Fuks, também presentes, manifestaram posicionamentos na mesma linha da necessidade de se avançar na regulação das plataformas.

Representantes do governo

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, afirmou que a liberdade de expressão não está em risco quando ela é regulada, fixando as fronteiras entre “uso e abuso”. O ministro ressaltou ainda o caráter empresarial das grandes plataformas, e que seus algoritmos de funcionamento “é humano, não é um ente divino”, ou seja, possui uma programação realizada por essas empresas.

Flávio Dino ressaltou ainda que para além de um “modelo de negócios” que estimulam a circulação de desinformação, discurso de ódio e extremista, existe atualmente um “controle da subjetividade da sociedade” a partir desse novo modelo de esfera pública no qual as plataformas digitais são atores contemporâneos de grande impacto. Jorge Messias, advogado-geral da União, afirmou que, atualmente, existe um descompasso sobre a responsabilização das plataformas, afirmando que não se cumpre o ideário da premissa da engenharia econômica pela qual “quem tem o bônus também tem que ter o ônus”. Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos, ressaltou o impacto da desinformação, discurso de ódio e extremismo na vida concreta de pessoas, e questionou o modelo no qual há a “fusão de ódio e negócios”, já que as plataformas lucrariam com a circulação desse tipo de discurso.

Secretário de Políticas Digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, João Brant, trouxe em sua fala diversos estudos que apontaram as falhas na contenção de desinformação e discurso de ódio pelas plataformas digitais ao longo do ano passado e mesmo durante a tentativa de golpe de 8 de janeiro deste ano, ainda que alertadas por mais de 100 organizações da sociedade civil sobre a ausência de um plano efetivo que desse conta de atos de sublevação democrática, que já se desenhavam.

“O modelo atual autoriza a omissão”, afirmou Brant, que ponderou não parecer ser uma boa saída uma “volta de 180 graus, assumindo que todo conteúdo de terceiros seja editorializado”. E prosseguiu dizendo que entre a ausência de responsabilização e a total responsabilização das plataformas “há nuances que devem ser discutidas”.

Representando o Ministério da Justiça, Estela Aranha contextualizou o Marco Civil da Internet dizendo que quando ele foi promulgado havia o entendimento de que a mediação promovida pelas plataformas digitais seria “neutra”, o que não seria mais correspondente à atualidade uma vez que elas são movidas por sistemas de recomendações promovidos por seus algoritmos que, por sua vez, tem sua construção feita como modelo de negócios. Estela citou também as denúncias realizadas contra o Facebook por Frances Haugen, ex-funcionária da empresa que apontou a negligência da empresa ao não remover conteúdos nocivos. 

Representantes das plataformas digitais

Ainda na parte da manhã do primeiro dia da audiência, advogados do Google e da Meta (proprietária do Facebook) participaram da audiência. Em comum, ressaltaram que um eventual aumento da responsabilização das plataformas sobre os danos causados por conteúdos de terceiros poderia promover a remoção de conteúdos críticos, porém legítimos, como forma de uma “cautela jurídica”, o que poderia comprometer o direito de liberdade de expressão. Ambas defenderam a constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet e que ele seja uma base sólida para oferecer a segurança jurídica para o exercício da liberdade de expressão.

Os representantes das plataformas ressaltaram as diversas iniciativas que realizam para combater a circulação de desinformação, discurso de ódio e conteúdos antidemocráticos, citando números de remoções promovidas pelas empresas sem mesmo a necessidade de acionamento da justiça como exemplos desses esforços.

Como observou a repórter Patrícia Campos Mello, enquanto a Meta centrou sua posição no aprimoramento da política de moderação da própria empresa, o Google reconheceu no cenário atual as diferenças daquele de 2014 (quando o Marco Civil da Internet foi promulgado), porém alertou “caso se entenda pela ampliação das hipóteses legais para a remoção extrajudicial de conteúdo, é necessário promover garantias procedimentais e critérios”, nas palavras do advogado que representou a empresa.

Já à tarde, representantes do Twitter, TikTok e Mercado Livre fizeram uso da palavra e também trouxeram dados sobre as remoções de conteúdos nocivos que eles já promovem independentemente de ordens judiciais, tentando desfazer a imagem de que seriam passivas frente à circulação de discurso de ódio, extremista e desinformativo. Todas também defenderam a constitucionalidade do artigo 19.

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