A realização da COP30 em Belém, no coração da Amazônia, carrega uma força simbólica inestimável. É uma oportunidade histórica para debater a vida no planeta a partir de um bioma que sofre com os efeitos diretos da emergência climática, colocando em primeiro plano as vozes das populações locais, a sabedoria dos povos indígenas e tradicionais e a urgência de um novo modelo civilizatório.
A urgência é global. O Relatório de Riscos Globais 2025, do Fórum Econômico Mundial, aponta que dos dez principais riscos para a próxima década, cinco são ambientais – incluindo eventos climáticos extremos, perda de biodiversidade e mudanças críticas nos sistemas terrestres. E, entrelaçado a eles, surge um dos maiores aceleradores de crises: a desinformação, classificada como o quinto maior risco global de longo prazo. Para a UNESCO, entretanto, ela aparece como maior risco global em 2025 e anos vindouros, à frente da própria emergência climática, da violência ou qualquer outro tema.
Contudo, este debate de extrema importância está sendo sistematicamente esvaziado. Vivemos hoje um desafio duplo em relação à COP30. O primeiro obstáculo, concreto, abarca desafios logísticos e de avanço de negociações. O segundo, abstrato e muito mais perigoso, é uma crise de narrativas – que influencia diretamente as negociações multilaterais. Conteúdos estão sendo deliberadamente explorados, distorcidos e amplificados por uma máquina de desinformação para fabricar sentidos e significados que esvaziam a importância do evento.
Essa instrumentalização não é ingênua: ela serve a interesses claros. No Brasil, atores políticos de oposição usam o evento como palanque para atacar a gestão federal. Paralelamente, setores econômicos ligados a um modelo de desenvolvimento predatório, como certos setores do agronegócio, mineradoras e indústria fóssil, promovem a falsa dicotomia entre preservação e prosperidade (geralmente limitada a um raso conceito de desenvolvimento), pois veem a agenda de regulação ambiental como uma ameaça aos seus lucros.
O reconhecimento desta ameaça – a vulnerabilidade do debate público, potencializada pela desinformação – é tão claro que, pela primeira vez, a integridade da informação foi incluída na agenda oficial da COP30. Este risco é particularmente importante no Brasil, um país continental com realidades sociais, econômicas, culturais, ambientais e comunicacionais muito distintas, o que torna nosso ecossistema de informação complexo e fragmentado. Enfrentar a desinformação no debate público não é mais um tema acessório: é uma condição central para o sucesso das negociações climáticas e para o pleno exercício do direito à comunicação por todos os cidadãos.
Foi neste cenário que nasceu a Rede de Parceiros pela Integridade da Informação sobre Mudança do Clima. Articulada como representação da sociedade civil e da academia no Capítulo Brasileiro da Iniciativa Global, lançada pelo governo federal, ONU e UNESCO, a RPIIC é hoje uma coalizão autônoma que reúne mais de 130 organizações, incluindo academia e organizações da sociedade civil com representações das cinco regiões brasileiras.
Nossa atuação se estrutura em seis eixos de trabalho integrados para avançar na agenda: Pesquisa e Acompanhamento do Debate Público Digital; Comunicação Estratégica; Sustentabilidade do Jornalismo e Proteção de Comunicadores e Ambientalistas; Responsabilização e Proteção de Direitos; Incentivos à Integridade da Informação; e Educação Midiática, Ambiental e sobre a Mudança do Clima.
Para a COP30, estamos preparando entregas concretas, como o Guia para Atuação Jurídica pela Integridade da Informação Climática; a Carta de Compromisso para Anunciantes, Plataformas e Empresas; o Panorama do Debate Digital sobre Clima no Brasil; Recomendações para promover a integridade da informação sobre a mudança do clima por meio da sustentabilidade do jornalismo e da proteção de jornalistas, comunicadores e ambientalistas; e a Nota Técnica de Apoio à Proposta de Decreto sobre Greenwashing.
A localização da COP na Amazônia é a resposta mais concreta à desinformação, pois troca o debate abstrato pela realidade palpável da floresta. O legado deste evento não será medido pela qualidade dos hotéis, mas por nossa capacidade de garantir que a verdade dos povos das florestas, das águas, dos territórios tradicionais soe mais alto que o ruído dos que lucram com a destruição. Apesar de todas as dificuldades, os movimentos sociais e populares se organizaram, como fizeram na Eco-92 e na Rio+20. Mas o encontro de todas essas lideranças na Amazônia, em território tão sagrado, tem um potencial que ainda não somos capazes de mensurar. Incidência e articulação são as tônicas desse enlace. A RPIIC tem o compromisso de fortalecer os anseios da sociedade civil, desejando que encontremos nos próximos dias afeto entre os nossos e ainda mais coragem para enfrentar qualquer ameaça aos avanços necessários para a governança global ou local.
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