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Pontos de vista

acervo pessoal

jun 19, 2023 | pontos de vista

Junho de 2013 inaugurou a desinformação de plataforma no Brasil

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Junho de 2013 não foi a primeira mobilização política em rede no Brasil, mas foi marcante por duas razões. Uma delas é que Junho inaugurou táticas informacionais em rede e em tempo real que se refletem até hoje na política institucional e na comunicação corporativa. O movimento de Junho mostrou ao sistema as potencialidades das plataformas como ferramentas de construção de reputação política e institucional, com novas dinâmicas de comunicação em espaços híbridos – simultaneamente online e offline – que dariam o tom da política dali em diante. 

A outra novidade foi a ideia de lideranças transitórias e distribuídas. A noção de que o “movimento não tinha líderes” mostra-se frágil quando, 10 anos depois, ainda é possível nomear pessoas, movimentos sociais e coletivos que foram chave na organização de protestos e mobilização de diferentes perfis de manifestantes Brasil afora.

A liderança distribuída é própria de movimentos com pautas amplas e difusas – algo muito comum no ciclo de protestos de 2010 a 2013 em diferentes partes do mundo. Com a diversidade da agenda, emergem figuras centrais de acordo com a especialização da pauta em questão. Em 2013, foi esse o caso do Movimento Passe Livre (MPL) no tema do transporte, dos Comitês Populares da Copa do Mundo na questão dos gastos e violações de direitos humanos na preparação para o Mundial, e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) na convocação de trabalhadores nas periferias e em cidades menores, principalmente no Estado de São Paulo.

Das ruas para o Congresso

Mas os efeitos dessas novidades, em princípio celebradas pelos ativistas, foram devastadores. A conjunção de táticas informacionais em rede com a valorização de novos líderes que emergiram das ruas de junho ajudou a consolidar a política da espetacularização. É o que se vê, hoje, nas Comissões Parlamentares de Inquérito quando, frequentemente, os “que lacram mais” ganham assento, justamente porque conseguem “causar nas redes”. Não é coincidência que alguns desses “lacradores” tenham alçado sucesso político a partir das ruas de Junho, como Kim Kataguiri com seu MBL (que nasceu pouco depois das mobilizações de 2013, utilizando as táticas de rede em favor da agenda pró-impeachment) e Carla Zambelli (que liderou a rede de perfis Nas Ruas).

Outro efeito colateral negativo consiste no fato de que, sob diferentes aspectos, Junho de 2013 marcou a inauguração do fenômeno da “desinformação de plataforma”. Não é novidade que períodos de revolta social motivam a profusão de informações falsas ou duvidosas. É parte do jogo político das forças em disputa e também uma arma antiga do Estado para lidar com a convulsão social. A novidade de Junho de 2013 foi elevar isso à escala que as plataformas oferecem com seu efeito de rede, na velocidade da conexão 3G.

A desinformação de Estado levou ao fantasioso processo, em boa parte baseado em posts de Internet, com que 13 manifestantes do Rio de Janeiro lidam na Justiça até hoje. Do lado das ruas, emergiram páginas com muita capacidade de engajar, principalmente no espectro da Direita, que levaram as plataformas a estabelecer regras de comunidade com alto potencial de impactar a política doméstica e a mobilização popular – tanto em manifestações legítimas a exemplo de  Junho de 2013, como em aventuras golpistas, como ocorreu no 8 de janeiro de 2023.

Não é à toa que a primeira leva de remoção de páginas em massa no Facebook, no período eleitoral de 2018, tirou do ar metade das 18 páginas de Direita mais populares que monitoramos em nossa pesquisa entre 2013 e 2017, por inconformidade com as regras de utilização da plataforma. Com altas taxas de engajamento e utilizando as táticas de Junho, estas páginas focavam principalmente nos temas “impeachment” e “corrupção” e ajudaram a pavimentar o caminho – tanto político quanto tático – para a vitoriosa campanha da extrema-direita em 2018 – como se sabe, fortemente calcada na desinformação.

Poucos temas, aliás, geram mais controvérsias sobre Junho do que a ideia de que o movimento foi a causa da ascensão da extrema-direita no Brasil e dos riscos democráticos impostos ao país desde então. Quando se analisam dados de redes sociais daquele mês, no entanto, nota-se um movimento interessante: inicialmente, a Direita, a Imprensa comercial e a Esquerda Institucional adotaram discursos muito semelhantes sobre os manifestantes de Junho, calcados no que chamaram de “vandalismo”. Mas, ao contrário da Esquerda que então ocupava o poder, a Direita e a Imprensa perceberam, enquanto o movimento se desdobrava, que ali havia uma oportunidade política.

O viés da imprensa

Os dados mostram uma virada-chave destes dois setores a partir de 17 de junho – data que marcou a ascensão do movimento em nível nacional, para além do eixo mais forte no Sul e Sudeste. Foi quando a Direita e a imprensa comercial deixaram de tratar os manifestantes como “rebeldes sem causa”— mas apenas quando lhes convinha – e aproveitaram o movimento difuso para incorporar suas próprias pautas (totalmente alheias às demandas originais da Esquerda que idealizou Junho), como a PEC do Ministério Público e o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

Em nossa pesquisa de doutorado, publicada em 2019, a maioria dos manifestantes afirmaram que foram problemas em níveis municipal e estadual os maiores motivadores para irem às ruas. Mas a Esquerda governista não soube aproveitar a oportunidade que isso abria de concretizar uma forte experiência democrática à esquerda. E há uma razão para isso…

Inúmeros estudos na área da Comunicação e movimentos sociais mostram que o poder constituído e a imprensa comercial tendem a retratar levantes populares de forma negativa e enviesada. Não foi diferente em 2013. A novidade – ate então não contabilizada pela Esquerda que estava no poder – foi que a criminalização de um dos maiores movimentos de Esquerda da história do Brasil entregou de mão beijada à Direita mais radical um país em convulsão, mas, acima de tudo, confuso com a velocidade das redes. Foi nesse cenário que a desinformação – em especial a antipetista – encontrou terreno fértil, já com as forças da Esquerda que levantou o movimento de Junho neutralizadas pelo forte aparelho repressivo policial e judicial.

A inepta reação dos governos estaduais e federal ao movimento de Junho explica porque a força que levantou o movimento democrático das ruas foi minada em favor da contranarrativa que acabou predominante. Os poderes constituídos usaram armas antigas para reprimir o forte levante das ruas, mas não estavam preparados para o levante nas redes. Acabaram trocando a onda popular de esquerda por um levante de direita, tão difuso quanto o movimento original de Junho, mas muito preparado para liderar a “desinformação de plataforma”.

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Marcela Canavarro

Marcela Canavarro é consultora em Comunicação Digital, com ênfase em inteligência de dados, pesquisa digital e comunicação política. Tem experiência em monitoramento e análise estratégica de redes sociais em agências de comunicação (FSB, Digital Group, Nova/SB), pesquisa em comunicação política (InescTec/Universidade do Porto e UOC/Barcelona), magistério (FGV e Eco/UFRJ) e reportagem (Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, EBC, CBC/Canadá, Calgary Herald/Canadá e TimeOut Rio). É formada em Jornalismo (UFRJ), com mais de 10 anos de especialização em digital, mestra em Comunicação e Cultura (UFRJ) e doutora em Mídias Digitais (U.Porto).

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