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Pontos de vista

set 1, 2025 | Destaques, Pontos de Vista

Julgamento da tentativa de golpe é marco para futuro da democracia após 40 anos da redemocratização

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Ao longo de quase três anos, desde a CPMI do 8 de Janeiro, em 2023, até a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República em março de 2025, reuniram-se evidências e foi reconstruída a narrativa não apenas sobre o ataque de 8 de janeiro de 2023, mas sobre toda a trama golpista que se articulou desde o início do governo Jair Bolsonaro e prosseguiu após o seu término. Esse processo revelou a existência de um plano consistente para provocar uma ruptura institucional no Brasil. O julgamento realizado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal que se inicia neste 2 de setembro não representa o fim da história, mas constitui um momento crucial dentro de um amplo esforço de reconstrução democrática em andamento, esforço que depende, primordialmente, da responsabilização dos envolvidos para conquistar legitimidade e se fortalecer.

Entre as acusações apresentadas pela PGR, destacam-se dois crimes: abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. O julgamento, nesse sentido, representa um passo histórico para a consolidação do entendimento sobre os crimes contra a democracia. Mais do que punir condutas individuais, ele contribui para firmar jurisprudência em torno de tipos penais ainda pouco explorados no direito brasileiro. O processo contra o núcleo central da trama golpista, que envolve membros das Forças Armadas e um ex-presidente da República, deve abrir espaço para debates mais profundos sobre esses delitos, até agora discutidos quase exclusivamente no contexto das ações contra os participantes diretos do ato antidemocrático ocorrido na Praça dos Três Poderes.

A defesa dos réus, em especial do ex-presidente Jair Bolsonaro, sustenta a tese de que não cabe punição para atos meramente preparatórios e de que os crimes contra a democracia exigem, pela legislação, o uso de violência ou grave ameaça à ordem democrática. A Procuradoria-Geral da República, por sua vez, argumenta que o 8 de janeiro foi apenas o ápice de uma série de eventos igualmente graves: um plano de ação que, mesmo sem violência direta em todas as suas etapas, configurou uma grave ameaça institucional.

Essa interpretação conecta-se aos novos formatos de ameaça autocrática que vêm se consolidando no mundo. Não se trata mais da tomada de ruas com tanques de guerra e forças militares, mas da corrosão interna das instituições, seja pelo aparelhamento do Estado ou pelo uso das próprias engrenagens do poder político contra a democracia. Processos menos visíveis, mas igualmente destrutivos, que precisam ser reconhecidos como atentados ao regime democrático. 

Todo o caminho trilhado até este julgamento, desde a investigação conduzida no Parlamento brasileiro, no âmbito da Comissão Parlamentar Mista, que contou com ampla participação da sociedade civil para evitar que o processo fosse enfraquecido ao longo dos meses de trabalho, até as ações de cobrança da responsabilização pelos atos, fortemente incentivadas pelas organizações contrárias à anistia desses crimes, coloca o Brasil como referência mundial. Não apenas pelo julgamento de um ex-presidente por crimes contra a democracia, mas também por oferecer respostas concretas às ameaças autoritárias contemporâneas.

Ver, pela primeira vez, um ex-presidente e militares de alta patente serem julgados por tentativa de golpe de Estado marca um ponto decisivo na história. No ano em que o Brasil completa 40 anos de redemocratização, não se trata de julgar um campo político contra outro, mas de afirmar que a democracia está acima de qualquer disputa partidária ou personalista. Este julgamento representa um ponto de inflexão: uma oportunidade de fortalecer as instituições, estabelecer limites claros para os próximos anos e afirmar, de forma inequívoca, quais são os atos que não podem existir em uma democracia e qual é o futuro democrático que queremos construir.

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Arthur Mello e Helena Salvador

Arthur Mello é Coordenador de Advocacy no Pacto pela Democracia e já presidiu o Movimento Acredito, além de atuar em campanhas eleitorais e ONGs voltadas a relações governamentais. Foi selecionado pelo UWC Brasil, estudando no UWC Li Po Chun em Hong Kong, e participou do programa Semester at Sea da Universidade do Colorado. Também foi reconhecido como "Architect of Hope" no livro de Ari Satok.

Helena Chagas Salvador é Coordenadora de Campanhas do Pacto pela Democracia. Jornalista, Mestre em Ciências Políticas e Mestranda do Programa de Integração da América Latina da Universidade de São Paulo.