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Jovens falam muito sobre política nas redes, mas estão cansados

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Como os jovens analisam o uso político das redes sociais? O que faz os adolescentes seguirem ou não influenciadores? Essas são algumas perguntas que a pesquisa “Influenciadores, jovens e política na América Latina” se propôs a responder. Ao investigar os perfis mais seguidos pelos jovens e como eles constroem essa relação de confiança, as pesquisadoras Camila Rocha, Esther Solano e Thais Pavez – em parceria com a equipe do InternetLab – mapearam as dinâmicas que existem tanto na produção como na recepção de conteúdos nas redes.

O estudo foi realizado com jovens de 16 a 24 anos do Brasil, México, Argentina, Colômbia e Chile e identificou, entre outros achados, que os jovens brasileiros se destacam pela fadiga em relação à política. No entanto, são também os que mais se manifestaram nas redes sociais em relação às últimas ou próximas eleições comparado com os outros países. De acordo com a pesquisa, 45% dos jovens brasileiros se manifestaram nas redes, número maior que Chile (43%), Argentina (38%), Colômbia (26%) e México (21%).

Essa manifestação é contraditória ao desejo dos jovens, aponta o estudo. Perguntados sobre a sua opinião sobre conversar sobre política nas redes sociais, os jovens afirmaram prioritariamente que “é ruim” e preferem conversar pessoalmente sobre esses temas. Outras respostas também apareceram, como o medo do cancelamento e do confronto.

Avaliação dos jovens sobre conversar sobre política nas redes sociais

Além da manifestação dos jovens, a pesquisa também mapeou como eles se relacionam com influenciadores digitais que manifestam opiniões políticas. Apesar de menos da metade dos entrevistados brasileiros (40%) seguirem perfis de políticos, 53% deles disseram seguir influenciadores que se manifestam sobre política. “É uma atividade mais passiva. Está ali seguindo, consumindo conteúdo, mas não precisa interagir. O problema é a interação e o medo, o receio de cancelamento ou de potencial desentendimento que essa interação possa causar”, analisa Camila Rocha, uma das pesquisadoras que conduziu o estudo.

A pesquisa também aponta os perfis mais seguidos de políticos pelos jovens entrevistados: “42% dos jovens afirmam seguir conteúdos de Lula, 30% de Bolsonaro e 23% de Nikolas Ferreira, deputado federal bolsonarista. A maioria dos jovens espera que perfis de políticos nas redes apresentem informações confiáveis, autenticidade e opiniões sinceras, e coerência e seriedade em detrimento de ‘lacradas engraçadas’”, coloca o relatório.

Apesar do presidente Lula ter uma porcentagem maior de seguidores, os perfis de Jair Bolsonaro e Nikolas Ferreira foram os únicos dois políticos do total de 85 perfis mais citados espontaneamente e com os quais os jovens se identificam. “Eu acho que a direita consegue, ainda é melhor, não sei direito o porquê mas eles conseguem captar mais pessoas, engajamento”, comentou uma das entrevistadas que se identifica como de esquerda. Já um outro jovem que se declara de direita disse: “Ele [Nikolas Ferreira] foi muito inteligente, ele é muito inteligente nas falas dele, ele estuda bastante. Ele é muito inteligente, por exemplo, porque ele sabe que ele vai engajar”.

Ética neoliberal

Além da relação com políticos, a pesquisa identificou uma certa hegemonia relacionada à ética neoliberal que promove ideias como individualismo, empreendedorismo e construção do indivíduo como uma marca ou empresa de si mesmo. De acordo com Camila Rocha, é uma tendência que transcende os espectros políticos, ou seja, tanto jovens que se identificam como de direita como de esquerda se sentem atraídos por influenciadores que produzem esse tipo de conteúdo.

“Eu acredito que é uma coisa que no limite dialoga com a realidade que esses jovens estão vivendo, que é uma uma realidade em que as pessoas estão cada vez mais operando, nas relações cotidianas, no trabalho, na escola, na família, de forma crescentemente individualizada. Os laços de solidariedade vão se tornando mais fracos, algo que se intensificou na pandemia”, comenta Rocha. “Eu acho que isso acaba fazendo com que esse essa subjetividade neoliberal tenha muito mais espaço para o discurso de ser a sua melhor versão, de você ser um produto em que a todo momento você está se vendendo”, complementa.

Assim, tanto jovens de esquerda como de direita, seguem influenciadores que produzem conteúdos sobre empreendedorismo, investimentos e fitness. Inclusive, jovens de esquerda seguem influenciadores que produzem tais conteúdos ainda que sejam de direita e também promovam valores conservadores, como o influenciadores fitness. Como exemplo, a pesquisa aponta personalidades fitness como Paulo Muzzy, de finanças, como Primo Rico, e estilo de vida, como Virgínia Fonseca.

Além do tipo de conteúdo, o estudo apontou a forma como os influenciadores cativam os seguidores e constroem a relação de credibilidade com os usuários. De acordo com os dados, uma das principais questões é o sentimentos e falta de mediação dessa comunicação, que cria proximidade e também de identificação com os influenciadores, especialmente aqueles que “vem de baixo”, ou seja, que têm uma trajetória que os permite conhecer a realidade dos seguidores também.

“Ela tem um estilo de vida quase inalcançável, ela trabalha com internet e consegue malhar, estudar, consegue fazer muitas coisas que eu não consigo. É interessante ver que ela tem acesso e facilidade para outras coisas, apesar dela não ter nascido rica, conseguiu trabalhando com a internet. Então é interessante ver essa ascensão que a internet dá”, comentou uma das jovens entrevistadas.

Por outro lado, a conexão entre o influenciador e seus seguidores pode ser quebrada, no entanto, de acordo com o relatório, se o influencer se mostrar “falso”. Para os entrevistados, são considerados falsos conteúdos ou produtos ofertados pelo influenciador que destoam do seu nicho de conteúdo ou que são orientados apenas pelo dinheiro. Como, por exemplo, o apoio a determinado político, ou um conteúdo danoso, como é o caso de propagandas de sites de apostas. Camila Rocha revela que as críticas a influenciadores que promovem casas de apostas e jogos de azar foram constante tanto entre apoiadores de direita como de esquerda. 

Pluralidade de influenciadores

A pesquisa também apontou que o ecossistema de influenciadores é altamente capilarizado e distribuído em nichos específicos. Em todos os países, a maioria dos influenciadores listados pelos jovens como os que mais despertavam seu interesse foram citados apenas uma vez.

Número de influenciadores citados em cada país

“Um fenômeno muito importante que a gente detectou no estudo é que durante a pandemia os jovens tinham muito tempo disponível, estavam ansiosos e não só eles passaram a seguir muito mais influenciadores como também eles próprios começaram a fazer vídeos, a produzir conteúdos e vários deles se tornaram mini influenciadores. Isso ajuda a explicar também essa fragmentação tão grande porque antes era mais concentrado em pessoas que já eram famosas antes”, comenta Camila Rocha.

Já os perfis com cinco ou mais citações podem ser divididos em quatro categorias:

  1. Celebridades globais do âmbito artístico ou esportivo que não se dedicam profissionalmente a serem influencers, como Leonel Messi, Cristiano Ronaldo, Shakira e Lady Gaga; 
  2. Celebridades locais, como artistas e músicos, que utilizam as redes para disseminar seu trabalho. Nesta categoria estão, por exemplo, o influenciador chileno Pailita e a influenciadora colombiana Karol G.; 
  3. Influenciadores nativo-digitais surgiram nas redes sociais e passaram a ser conhecidos pela produção de conteúdos relacionados a nichos ou segmentos específicos. Os brasileiros Virgínia Fonseca e Carlinhos Maia produzem conteúdos sobre estilo de vida. Outros nichos estão relacionados, por exemplo, a moda e beleza, finanças e conteúdos motivacionais;
  4. Políticos, especialmente aqueles que adotam estratégias similares às dos influenciadores para aumentar o engajamento dos seguidores: lives, memes, danças no TikTok, humor e a fabricação da proximidade e autenticidade. Políticos de extrema-direita também mobilizam constantemente críticas aos grandes meios de comunicação.

Metodologia

A pesquisa foi realizada em três etapas. A primeira delas foi produzida com 350 jovens de 16 a 24 anos em cinco países da América Latina: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México que responderam questionários sobre influenciadores por meio de uma plataforma online.

A segunda etapa selecionou 90 jovens para serem entrevistados em mini grupos focais, sendo 30 no Brasil, 15 na Argentina, 15 no Chile, 15 na Colômbia e 15 no México. Por fim,  foram realizadas entrevistas com influenciadores e especialistas da indústria da influência para compreender as dinâmicas existentes na produção de conteúdos.

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