A Inteligência Artificial já está presente nas redações jornalísticas pelo mundo, mesmo que haja preocupação por parte dos profissionais de mídia sobre usos éticos. Este foi um dos destaques apresentados pela pesquisa “Generating Change” desenvolvida pela Polis, think-tank de jornalismo da The London School of Economics and Political Science, em parceria com o Google News Initiative
O estudo buscou analisar como as IAs – incluindo as generativas – estão sendo aplicadas no dia a dia midiático, trazendo a perspectiva de mais de 120 editores, jornalistas e profissionais de tecnologia de 105 redações e veículos de comunicação de pequeno e grande porte. Ao todo, foram mapeados 46 países espalhados pelos cinco continentes.
Dos entrevistados, mais de 75% disseram utilizar IA em pelo menos um dos processos de produção noticiosa, como apuração, produção e distribuição de notícias. Para mais da metade dos inquiridos, uma das principais razões para a adesão dos sistemas automatizados é o aumento de produtividade e eficiência, o que deixa os jornalistas mais focados em atividades e trabalhos que demandam maior criatividade.
Dos profissionais que trabalham na fase da produção na notícia, 90% deles já usam alguma ferramenta baseada em IA para ajudar nas atividades do dia a dia, como funcionalidades de verificação de fatos e de revisão textual. “As redações já estão experimentando e usando tecnologias de IA generativa como ChatGPT em tarefas de produção de conteúdo, incluindo a produção de resumos, manchetes, narrativa visual, boletins informativos direcionados e na avaliação de diferentes fontes de dados”, trouxe o estudo.
Ferramentas de IA para conversão de áudio em texto, para distribuição automatizada de conteúdos em redes sociais e para aperfeiçoamento de SEO (sigla em inglês que significa otimização para motor de buscas) também foram citadas pelos profissionais.
Para o futuro, 80% dos entrevistados afirmaram que esperam um papel maior da tecnologia nas redações. Apesar disso, apenas um terço deles disseram que os veículos onde trabalham estão prontos atualmente para lidar com as IAs e possuem uma estratégia já desenvolvida para o uso dessas novas funcionalidades.
Profissionais se preocupam com riscos do uso da IA
Mesmo que uma das principais promessas da aplicação da IA nas redações seja o aumento de produtividade e eficiência, mais da metade dos jornalistas entrevistados afirmaram que se preocupam com as implicações éticas dessas tecnologias para a qualidade editorial e jornalística nos veículos onde trabalham.
De acordo com o estudo, os profissionais ainda estão tentando descobrir como integrar os sistemas automatizados, enquanto defendem valores importantes para a categoria, como a confiança do público. “A natureza automatizada dos algoritmos de IA levanta questões sobre transparência, precisão e possíveis preconceitos. O público pode duvidar da autenticidade quando souber que as informações são geradas por IA”, afirmou um dos entrevistados, cuja identidade é mantida em anonimato pela pesquisa.
Além disso, há receios de que a aplicação das tecnologias de IA comercializem ainda mais a prática jornalística, tornando a produção cada vez mais orientada para o lucro e diminuindo a qualidade das informações produzidas. Como mostra o estudo, os jornalistas também temem que as novidades aumentem os desafios atuais de sustentabilidade das redações, principalmente as de pequeno porte, que geralmente possuem menos recursos para competir com grandes veículos de comunicação.
“Acho que isso resultará em muitos clickbait produzidos em massa, à medida que as organizações de notícias competem por cliques. Não participaremos dessa competição. A maior parte do público já tem uma opinião muito negativa sobre o jornalismo, e parece improvável que isso mude de qualquer forma como resultado desta tecnologia”, avaliou outra participante, também descrita como anônima. Recentemente, veículos internacionais, como CNN e The New York Times, também bloquearam os bots de varredura da OpenAI que extraem informações para treinamento de sistemas inteligentes da empresa.
Uso de IA ainda é desigual entre Norte e Sul Global
Outro ponto encontrado pela pesquisa foi a disparidade na aplicação das IAs entre redações de pequeno e grande porte e entre países do Norte e do Sul Global. De acordo com o documento, os benefícios sociais e econômicos da tecnologia estão geograficamente concentrados em países mais ricos, que desfrutam de infra-estruturas e de recursos mais abundantes. Enquanto isso, o Sul Global enfrenta mais desafios, como os efeitos sociais, culturais e econômicos de práticas coloniais contemporâneas.
Os entrevistados destacaram questões como lacunas de conhecimento e restrições de recursos. Jornalistas da África e da Ásia, por exemplo, apontaram baixas taxas de penetração geográfica da Internet e dificuldade de contratação de profissionais da área técnica. “Alguns desafios à adoção da IA estão inter-relacionados. A baixa penetração da Internet leva a uma baixa literacia digital, o que facilita o desenvolvimento da desinformação”, explica a pesquisa.
A barreira linguística também foi apontada no documento como um dos desafios enfrentados pelo Sul Global. Isso porque, como as empresas investem grandes montantes em mercados ocidentais, muitas funcionalidades são desenvolvidas e pensadas para falantes do inglês. Países como a Índia, que contam com diferentes idiomas e dialetos, apresentam dificuldades de acessibilidade e na aplicação generalizada das ferramentas de IA.
A pesquisa “Generating Change” está disponível na íntegra em inglês e espanhol aqui.