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jan 17, 2022 | pontos de vista

Informação para todos ou só para quem pode pagar?

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Informação é a principal ferramenta para o combate à desinformação. Desde que a imprensa foi criada por Gutenberg, a informação esteve muito associada à elite intelectual que tinha como acessá-la. A internet chegou com a promessa de democratizar o acesso à informação e dar voz a quem não era ouvido. Essa promessa se concretizou de forma diferente do imaginado. A internet permitiu a chegada das redes sociais e plataformas, que também deram vozes para pessoas mal intencionadas que passaram a disseminar informações falsas ou de qualidade duvidosa. A informação passou a ficar disponível nessas plataformas, ainda que de forma incompleta, o que acabou deixando o protagonismo da mídia de lado.  Por sua vez, a indústria da mídia perdeu o poder que tinha de ser guardiã do que era noticioso e interessante para o leitor, ficando a cargo do leitor decidir o que consumir de informação. 

O maior baque veio com a quebra do modelo de negócio tradicional dessas empresas, que tinham suas receitas baseadas, em grande parte, na venda de anúncios e assinaturas. Com a chegada da internet, grande parte dessas organizações se viu obrigada a reestruturar seus negócios e buscar formas de sustentabilidade. Empresas como o BuzzFeed vieram com a promessa de trazer informação de forma simples e que gere engajamento. A empresa também via a informação como bem público, como o cofundador Jonah Peretti defendeu em algumas entrevistas. Isso significa que a informação é aberta e não precisa ser assinante do jornal para ter acesso. Para isso, novas formas de receitas foram implementadas, como o conteúdo de marca. Porém essas medidas parecem não ter sido suficientes para a empresa, que se viu obrigada a desfazer de vários bureaus que criou ao longo da última década e passou a focar nos Estados Unidos, local de sua fundação. 

Outras organizações inovadoras surgiram com a mesma proposta, como Vox e Vice, porém nenhuma delas parece ter sido bem-sucedida na criação de um modelo de negócios capaz de sustentá-las financeiramente enquanto ofereciam ao público informação de qualidade. Na contramão dessas organizações, o pioneiro jornal norte-americano New York Times (NYT) decidiu abraçar o modelo de assinaturas digitais. Assim, quem acessava o site do jornal tinha direito a algumas matérias gratuitas e depois era obrigado a fazer uma assinatura para acessar as demais. Essa barreira, o famoso paywall, voltou a criar uma separação do público que tinham recursos para assinar e ter acesso ao conteúdo completo do público que ficava restrito a consumir manchetes e títulos clickbait (feitos para serem clicados) nos thumbnails (espécie de resumo) compartilhados nas redes sociais. Dessa forma a informação chegava incompleta a essas pessoas que não assinavam jornais.

Outros veículos de comunicação tentaram adotar este modelo, mas só os pioneiros acabaram sendo bem-sucedidos, como o NYT e o Washington Post. Até 2020, poucos veículos tinham feito essa transição, com medo de perderem audiência e, consecutivamente, a receita que vinha dos anúncios nos sites. Ainda que pequena em relação aos tempos pré-internet, essa fonte de receita é fundamental para o funcionamento desses veículos. Isso mudou com a chegada da pandemia do novo coronavírus, que mexeu novamente com a receita dessas organizações. Empresas tradicionais e com grande tradição nos seus mercados viram a necessidade de adotar um modelo de assinaturas. 

Na Espanha, El País e El Confidencial, dois dos veículos com maior audiência no país, adotaram o modelo de assinatura, oferecendo suas notícias atrás de um paywall. Esse fenômeno foi se replicando ao redor do mundo, deixando órfãos milhares de leitores. Apesar de ser o destino final para muitos, a cobrança por notícias deve sofrer uma fadiga, especialmente, se as condições econômicas piorarem. Isso pode levar a dois fenômenos.

Primeiro, os que não adotaram o modelo de assinaturas, acabam encerrando suas operações. Em um levantamento do jornal Poder360 baseado nos dados do Atlas da Notícias, ao menos 17 veículos de médio a grande alcance nacional encerraram suas atividades no Brasil entre os anos de 2018 e 2021. Outro levantamento feito pelo Portal Comunique-se é ainda mais assustador: 12 títulos encerraram as suas histórias na imprensa brasileira no decorrer de 2021. Um deles é o jornal El País, que desde 2013 tinha uma redação dedicada à cobertura do país. Segundo a nota de encerramento, a edição não conseguiu a adesão de assinantes como esperava. Da mesma forma, veículos locais e hiperlocais também encerraram suas operações, entre eles o Diário do Nordeste, o jornal O Estado do Maranhão e o Agora São Paulo. Além de deixar o jornalismo local órfão, essas empresas tinham o papel fundamental de fornecer informações confiáveis sobre as regiões que atendiam e onde a grande mídia não tinha capacidade de cobrir. Essa audiência local acaba ficando mais exposta às informações falsas e distorcidas.

Segundo, é que esses modelos de assinatura podem estar empurrando o jornalismo para um público mais rico e educado, deixando os que mais necessitam de informação para trás. Um estudo recente do Instituto Reuters apontou que essa era a preocupação de 47% dos profissionais de mídia entrevistados pela organização. A publicação lembrou que organismos voltados para um jornalismo aberto,  como as empresas públicas de radiodifusão BBC (Reino Unido) e ABC (Austrália), não concordam com essa afirmação. Porém, pesquisas mostram que essas organizações ainda estão falhando em construir conexões com grupos mais jovens e menos instruídos. A própria BBC terá que fazer cortes profundos no orçamento depois que o governo britânico anunciar que o financiamento da emissora será congelado pelos próximos dois anos e a taxa de licença paga pelos cidadãos do Reino Unido, que servia de receita para a organização, será abolida completamente em 2027, levantando dúvidas sobre o futuro financeiro a longo prazo e a independência editorial do serviço público de radiodifusão. Segundo o jornal The Guardian, as opções potenciais para modelo de negócio incluem adesão a serviços de assinatura, privatização parcial ou financiamento direto do governo. 

Ao mesmo tempo que algumas empresas encerram as atividades, Justin Smith, ex-CEO da Bloomberg, e Ben Smith, antigo editor-chefe do BuzzFeed e ex-colunista do NYT, anunciaram que estão se juntando para lançar um novo veículo global (ainda sem nome, mas chamado na imprensa norte-americana como o projeto dos Smiths) que visa oferecer conteúdo noticioso para indivíduos influentes e ricos. 

Esse projeto já nasce discriminatório.  Além de não podermos ter tantos veículos atrás de paywalls, pois o público não pode se dar ao luxo de pagar várias fontes de informação, propostas como o projeto dos Smiths tem como objetivo  atender uma elite, deixando de fora do acesso e do debate público uma grande parte da população. 

E qual seria a solução para o modelo de negócio das empresas de mídia? Ainda não se sabe, mas para um jornalismo aberto, empresas precisam combinar receitas. Modelos gratuitos no ponto de consumo são importantes para garantir que a informação confiável não seja apenas para as elites e chegue a pessoas de origens desfavorecidas como uma forma de combater a desinformação. Entre as alternativas que estão sendo buscadas, temos BuzzFeed e Vox trabalhando em uma variedade de marcas para obterem mais escala. Em um estudo que publiquei recentemente com a pesquisadora da Universidade da Cidade de Dublin, Lucia Mesquita, mostramos que veículos digitais e tradicionais latinoamericanos estão combinando receitas de diferentes fontes como publicidade, e-commerce, pagamento do leitor, licença de conteúdo e bolsas de plataformas de tecnologia e entidades filantrópicas.

Há outras alternativas adotadas por veículos para incluir pessoas de origens desfavorecidas.  Em Portugal, o dinheiro da loteria está sendo usado para financiar 20.000 assinaturas gratuitas de notícias digitais para oito meios de comunicação. Esses veículos decidem quem receberá essas assinaturas gratuitas, como idosos frequentadores de universidade para terceira idade ou que vivem em asilos. Na Dinamarca, o Politiken oferece acesso gratuito a estudantes. O jornal El Diario da Espanha permite aos leitores decidirem quanto querem pagar para acessarem notícias e podem, inclusive, não contribuir com nenhum valor, se assim decidirem. Uma medida similar é adotada pelo The Daily Maverick da África do Sul no seu programa de membros, que permite ao usuário pagar o quanto pode.

Importante é que não existe um modelo único para todos, mas é necessário manter o acesso livre ao jornalismo para permitir que todos tenham acesso a informações de qualidade, e, assim, ter mais uma forma de combater a desinformação. 

 

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Mathias Felipe

Mathias Felipe, jornalista do *desinformante e doutor pela Universidade de Navarra. Jornalista, cientista da computação e pesquisador, trabalhou para organizações do Brasil e do exterior. Interessado nas mudanças da prática jornalística, em particular dados e novas tecnologia.

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