Em contextos de crises político-sociais e de conflitos armados, as redes digitais desempenham um papel crucial na comunicação, seja para denunciar abusos aos direitos civis, seja para espalhar desinformação e incitar a violência. Partindo deste cenário, o Access Now , junto com outras organizações não-governamentais, lançaram neste final de ano um guia de governança de conteúdo em tempos de crise destinado às plataformas.
O documento busca responsabilizar as empresas de redes sociais pelo cumprimento das leis internacionais humanitárias, estabelecendo diretrizes para que elas protejam os direitos humanos antes, durante e depois de momentos instáveis, principalmente em áreas de conflitos.
A iniciativa surge também em resposta às práticas consideradas ineficientes ou à falta de articulação desenvolvidas pelas plataformas em relação à proteção de comunidades marginalizadas e grupos historicamente oprimidos.
“As empresas muitas vezes falharam em respeitar os direitos humanos ou em mitigar os impactos adversos de suas atividades sobre isso, além de terem sido lentas ou ineficazes na remoção ou restrição de discurso de ódio, desinformação e incitação à violência em tempo real”, traz a declaração, usando como exemplo os conflitos recentes na Etiópia, Síria, Palestina e Mianmar.
A declaração é assinada em conjunto com o Artigo 19, Mnemonic, JustPeace Labs, Center for Democracy and Technology (CDT), Digital Security Lab Ukraine, Centre for Democracy and Rule of Law (CEDEM) e o Myanmar Internet Project.
Abaixo, trouxemos os principais pontos traduzidos e resumidos da versão original, em inglês, do guia.
Antes da crise
1. Realizar diligências em direitos humanos para abordar o ciclo de vida de crises, situações de conflito e vulnerabilidades humanas (como condução de avaliações ex-ante de impacto de direitos humanos)
2. Criação de canais para envolvimento significativo e direto com partes interessadas independentes, incluindo organizações da sociedade civil que operam em áreas afetadas por conflitos e de alto risco.
3. Desenvolver protocolos de crise em todos os níveis e probabilidade de riscos, projetados para prevenir e mitigar possíveis danos, a partir da colaboração com equipes locais e regionais, bem como com partes independentes interessadas.
Durante a crise
1. Conduzir rápida e continuamente diligências em direitos humanos.
2. Engajar com organizações e especialistas da sociedade civil local e regional, atualizando regularmente as partes interessadas sobre a situação e as consequentes medidas da empresa.
3. Adotar uma abordagem equitativa, justa e consistente.
4. Fornecer total transparência na elaboração e na aplicação da política de moderação de conteúdo, tanto humana quanto automatizada.
5. Preservar o conteúdo removido pela plataforma por três anos e criar um mecanismo seguro que permita acesso à aplicação da lei nacional e acesso a esse material arquivado.
6. Criar mecanismos de notificação e revisão transparentes, claros, que respeitem os direitos e que sejam acessíveis.
7. Abordar os riscos sobre direitos humanos relacionados ao modelo de negócios de cada plataforma, como a garantia de que a publicidade digital não contribua para violações contínuas e futuras dos direitos fundamentais.
8. Habilitar recursos de segurança de conta para usuários de alto risco, como permissão de bloqueio a perfis privados e criptografia de ponta a ponta em mensagens.
Depois da crise
1. Implementar uma fase de transição gradual antes do encerramento das operações e notificação dos usuários sobre alterações nas funcionalidades da plataforma.
2. Continuar a condução das diligências sobre direitos humanos.
3. Cooperar com mecanismos judiciais e de responsabilização nacionais e internacionais, permitindo o acesso a evidências preservadas e arquivadas por órgãos de investigação nacionais e internacionais.
4. Conceder acesso à API e ao conjunto de dados a organizações da sociedade civil, jornalistas e pesquisadores acadêmicos, para encontrar e arquivar documentação de direitos humanos e para auditar e avaliar a eficácia e o impacto das respostas das plataformas.
5. Realizar briefings trimestrais com organizações da sociedade civil locais e globais sobre a implementação de medidas de crise, sua eficácia e seu impacto (ou falta dele). Esta também deve ser uma oportunidade para discutir as lições aprendidas e delinear recomendações para o futuro.