Início 9 Boas Polêmicas 9 O governo federal lançou uma iniciativa de combate a fake news sobre políticas públicas bastante criticada por profissionais do fact checking. Governos podem checar notícias e informações? Quem pode? Como os governos podem reagir à desinformação sobre políticas públicas?

Boas polêmicas

abr 3, 2023 | Boas Polêmicas

O governo federal lançou uma iniciativa de combate a fake news sobre políticas públicas bastante criticada por profissionais do fact checking. Governos podem checar notícias e informações? Quem pode? Como os governos podem reagir à desinformação sobre políticas públicas?

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Checagem governamental é bem-vinda, se tiver base em fatos

Taís Seibt*

A criação da página Brasil Sem Fake, anunciada pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência como uma plataforma de checagem de informações e combate à desinformação, causou desconforto. Agências de checagem criticaram publicamente o que classificam como politização do combate à desinformação. Os argumentos para crítica são balizados pelas boas práticas de fact-checking globalmente compartilhadas por iniciativas de verificação signatárias da International Fact-checking Network (IFCN), criada em 2014. 

Nesta quase uma década de IFCN, a checagem de fatos passou de inovação no jornalismo – o Chequeado, da Argentina, ganhou um prêmio Gabriel García Márquez nesta categoria em 2015 – praticada principalmente por meios independentes e startups jornalísticas, como Aos Fatos e Lupa no Brasil, até se tornar hit nas eleições de 2018, com grandes redações aderindo ao formato, incluindo uma coalizão de renomados veículos brasileiros no projeto Comprova. Veio a pandemia de Covid-19 em 2020, e então o fact-checking novamente subiu de patamar, ganhando mais incentivo e mais espaço como prática jornalística, não sem aumentar sua responsabilidade e peso no debate público, especialmente político. 

O propósito original de qualificar o debate público, expondo contradições de autoridades, inicialmente teve efeitos práticos na correção de delcarações que reproduziam dados enganosos ou exagerados, mas depois deu lugar ao enfrentamento à imprensa praticado por líderes políticos que não se interessam pelos fatos. O fact-checking caiu na vala comum da imprensa, chamada de esquerdista, comunista, lulista, entre outros adjetivos atribuídos pela extrema direita.  

Eis que o novo presidente petista, em claro antagonismo discursivo ao antecessor, lança o tal site de “checagem oficial”. Sem dúvida há uma politização do combate à desinformação, mas é preciso olhar com um pouco mais de distanciamento.

 

Problema está na metodologia 

Primeiro, o que a Secretaria de Comunicação da Presidência criou não é uma novidade em si. Vários órgãos públicos têm ou já tiveram iniciativas similares. O governo do RS, na era Sartori (PMDB), teve o site Não me Trova, a Câmara dos Deputados também já fez checagem, e até o Ministério da Saúde teve um serviço anunciado como de “combate à fake news” em 2018. Há muitos outros, e também algumas produções acadêmicas que se debruçam sobre o assunto.

Em cursos e palestras a assessores políticos e comunicadores públicos eu mesma falo sobre a checagem como formato possível, não vejo problema em que seja utilizada para informar o público nesses canais. Desde que seja baseada em fatos. E, a princípio, parece ser este o furo da iniciativa do governo Lula. A Agência Lupa olhou com lente de aumento as postagens do site e esmiuçou os problemas de metodologia: não há critérios claros na seleção de conteúdos, há checagens sem nenhuma evidência direta sobre a afirmação que está sendo verificada e notas de esclarecimento publicadas no canal.

Uma coisa é certa, independentemente do formato, o que se produz em canais institucionais ainda é assessoria de imprensa. Em artigo publicado durante a campanha eleitoral, quando Lula já tinha um site de checagem registrado como oficial – e foi questionado pelo TSE por não explicitar a relação com a campanha -, eu já havia levantado a importância de prestar atenção nesse movimento. Estamos vendo mais um capítulo agora.

Segundo o código de princípios da IFCN, apartidarismo é pré-requisito para uma agência de checagem. Na prática, isso apenas significa que uma iniciativa governamental não pode ser credenciada pela rede, porque não atende aos requisitos, mas isso não proíbe de replicar o formato. Havendo critérios transparentes e compromisso com a verdade factual, uma iniciativa como a do governo federal pode ser mais um ator no ecossistema sem necessariamente concorrer ou prejudicar a checagem profissional. 

Dito isso, se a intenção do governo é mesmo combater a desinformação neste novo espaço, ainda é possível preservá-lo, com critérios claros e procedimentos rigorosos para oferecer ao público informação baseada em fatos, pois é só assim que se combate desinformação. Do contrário, é melhor manter a comunicação institucional com seus releases e notas de esclarecimento no espaço que lhes cabe, para não prejudicar o bom trabalho dos fact-checkers profissionais e poluir ainda mais o debate público com argumentos vagos em defesa própria.

 

*Jornalista, diretora de operações na agência de dados Fiquem Sabendo e criadora da Afonte Jornalismo de Dados. Doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), é professora na Escola da Indústria Criativa da Unisinos (RS) e no MBA em Jornalismo de Dados do IDP (Brasília), onde é uma das líderes do Núcelo de Estudos e Jornalismo de Dados e Computacional – DataJor (IDP/CNPq).

 

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Como o governo pode ajudar as empresas de mídia e combater a desinformação sem gerar atrito

Mathias Felipe de Lima Santos

Imagine um Brasil em que as notícias que você lê são todas verificadas e comprovadas como verdadeiras antes de serem publicadas. Parece um sonho distante, mas o governo federal quer dar um passo nessa direção com o novo site “Brasil contra fake”. Este site será uma plataforma central para a verificação de informações falsas ou descontextualizadas sobre políticas públicas.  Criticado por fundadores de agências de verificação (veja aqui e nesse outro link), a proposta já nasce com uma premissa de morte, segundo especialistas. Para evitar essa trajetória, existem caminhos para que o governo possa criar uma plataforma de disseminação de informações confiáveis e ajudar na sustentabilidade do ecossistema jornalístico.

O projeto do governo federal foi chamado de “propaganda” e “comunicação institucional”, já que não segue uma série de regras estabelecidas no Código de Ética da International Fact-checking Network (IFCN), entidade norte-americana que ficou responsável por ditar as normas de verificação de fatos mundialmente. A crítica é válida, se pensarmos que o governo não estabeleceu critérios transparentes de checagem e nem informou quem são as pessoas por trás desse processo. Por outro lado, há limitações a respeito dessas regras da IFCNl. 

Eles foram feitos por pessoas de países desenvolvidos, pensando nos problemas dessa região. É tão evidente isso que a Rede de Fact-checkers da Arábia (AFCN) adotou critérios próprios tomando em consideração os riscos a que essa população pode ser exposta e a falta de dados abertos. Importante ressaltar que não sou contrário ao código de ética da IFCN, mas ele deve ser ajustado às realidades de cada região.

O governo federal gastará cerca de R$ 20 milhões com o #BrasilContraFake. Por que em vez de realizar essas verificações, o governo não trabalha junto com as agências de checagem de fatos para identificar notícias falsas e desinformação sobre as políticas públicas? Esse talvez seja o caminho mais adequado para a continuidade desse projeto. Assim como a Meta (Facebook) faz com essas organizações de fact checking pagando por cada checagem que elas realizam, dentro de um contrato, o governo poderia criar um sistema que disponibilizaria todo o conteúdo falso ou enganoso disseminado nas redes sociais e essas agências poderiam selecionar o que seria mais relevante, do ponto de vista do interesse público, para que elas fizessem a verificação.  

Dessa forma, o governo poderia ajudar a combater a disseminação de informações falsas, promover a transparência e criar novas receitas para essas organizações que, muitas vezes, dependem das doações de entidades filantrópicas do exterior ou das próprias plataformas digitais. Ao aumentar os recursos destinados à verificação de fatos e fornecer financiamento estável para as agências de checagem, o governo cria mecanismos para combater a desinformação no longo prazo. Isso permitirá que essas agências continuem a realizar seu trabalho crítico, garantindo que a verdade seja contada.

É importante lembrar que a IFCN trabalha juntamente com plataformas na distribuição de fundos para as agências de checagem, que são signatárias do código de princípios estabelecido pela instituição norte-americana. No próprio site, essa relação é evidente ao afirmar que as plataformas buscam parcerias majoritariamente com os signatários do código de princípios da IFCN e o Google destaca as verificações de fatos produzidas pelos signatários em seus resultados de busca. 

Em resumo, o site “Brasil Contra Fake” é uma iniciativa importante que pode ajudar a combater a desinformação e promover a transparência. As últimas eleições já mostraram que o futuro do Brasil depende da capacidade de seus cidadãos de tomar decisões bem informados, por isso precisamos garantir que as informações que recebem sejam precisas e confiáveis. No entanto, é necessário que isso seja produzido por entidades já especializadas no assunto. Um financiamento adequado para garantir que as agências de checagem de fatos possam fazer seu trabalho de forma eficaz e fiquem menos dependentes das plataformas é fundamental para a democracia e poderá ter efeitos duradouros. 

 

Mathias Felipe de Lima Santos é pesquisador de pós-doutorado no projeto Human(e) AI da Universidade de Amsterdã, Holanda. Ele também é pesquisador associado no Observatório de Mídia Digital e Sociedade (DMSO) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Brasil. Anteriormente, ele foi pesquisador na Universidade de Navarra, Espanha, no âmbito do projeto JOLT, uma Marie Skłodowska-Curie European Training Network financiada pelo Horizon 2020 da Comissão Europeia. Mathias Felipe também foi pesquisador visitante na Queensland University of Technology (QUT) em Brisbane, Austrália. Mathias-Felipe é co-editor do livro “Journalism, Data and Technology in Latin America” publicado pela Palgrave Macmillan em 2021. 

 

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