A Unesco lançou nesta semana as Diretrizes para a Governança de Plataformas Digitais com o objetivo de criar parâmetros globais para a defesa da liberdade de expressão e do acesso à informação nos ambientes digitais. O documento foi elaborado a partir de uma série de consultas públicas internacionais, que contaram com a participação da Sala de Articulação contra Desinformação (SAD), dentre outras organizações.
O documento traz deveres, responsabilidades e funções para atores multissetoriais, como o Estado, as próprias plataformas digitais, organizações da sociedade civil e a academia. Aos governos, por exemplo, a Unesco atribui a responsabilidade de manter um acesso universal e neutro à rede, garantir proteção online para jornalistas e ativistas dos direitos humanos e garantir o respeito à liberdade de expressão e privacidade dos usuários.
As organizações e pesquisadores independentes são importantes para a compreensão e o monitoramento de comportamentos e conteúdos nocivos, principalmente os dirigidos a grupos vulneráveis e marginalizados. “Eles são elementos chave para construir pontes entre sistemas de governança digital e as pessoas em geral”, afirma o texto.
O papel da sociedade civil e da academia também foi destacado no documento. A agência das Nações Unidas reconhece que, nos últimos anos, as redes sociais trouxeram benefícios para a participação cívica mundial, mas reforça a importância de lidar, de forma global e sistematizada, com os problemas trazidos a partir das dinâmicas algorítmicas desses mesmos ambientes digitais, como as câmaras de eco, a desinformação, as teorias da conspiração e o discurso de ódio.
“Confrontados com a natureza global destas questões, precisamos desenvolver respostas consistentes em todo o mundo e evitar a fragmentação de regulamentos ou abordagens que comprometam os direitos humanos”, trouxe o texto.
O documento foi elaborado por meio de uma das maiores chamadas públicas já realizadas por uma agência das Nações Unidas. Desde setembro de 2021, foram feitas três escutas públicas que colheram, ao todo, mais de 10 mil comentários de 134 países. A SAD e outras organizações da sociedade civil brasileira participaram do processo, enviando contribuições.
Plataformas digitais devem seguir cinco princípios
Para atingir o objetivo de manter um ambiente digital seguro e que respeite os direitos fundamentais dos cidadãos, a agência da Nações Unidas elencou cinco princípios específicos para as empresas de tecnologia, reforçando obrigações que já estão sendo aplicadas na União Europeia, com o início da Lei de Serviços Digitais, e que estão em discussão no Brasil com o Projeto de Lei 2630.
- O primeiro dos princípios da Unesco diz respeito às diligências em relação aos direitos humanos. Segundo o documento, as empresas de tecnologia devem ser capazes de demonstrar que seus sistemas e produtos estão de acordo com os direitos fundamentais, avaliando os riscos trazidos aos cidadãos e definindo ações de mitigação.
- As plataformas também devem aderir aos padrões dos direitos humanos no desenvolvimento da infraestrutura e na moderação e curadoria de conteúdos. “As políticas e práticas de moderação e curadoria de conteúdo devem ser consistentes com os padrões de direitos humanos, sejam essas práticas implementadas por meios automatizados ou humanos”, afirma o texto.
- Além disso, as empresas de tecnologia deverão ser transparentes e abertas sobre o modo como operam, divulgando de maneira compreensível e auditável suas políticas e métricas, bem como detalhes do funcionamento dos seus sistemas de recomendação algorítmica e de moderação de conteúdo.
- Outro ponto é a orientação para tornar informações acessíveis aos usuários para que eles compreendam como funcionam os produtos, serviços e ferramentas que eles utilizam.
- Por fim, as plataformas deverão ser responsáveis por implementar seus termos de serviços e políticas de conteúdo, dando a oportunidade das pessoas buscarem reparação adequada contra decisões relacionadas à moderação de conteúdo.
As diretrizes da Unesco estão disponíveis em inglês no site oficial da agência.
Desinformação preocupa pessoas do mundo todo
Em outra iniciativa relacionada à segurança dos ambientes digitais, a Unesco lançou uma pesquisa global em parceria com a Ipsos para entender os impactos da desinformação e discurso de ódio no contexto internacional. O estudo contou com a participação de 8 mil pessoas de 16 países de quatro continentes e mostrou que 85% dos entrevistados estão preocupados com os impactos da desinformação e 87% se preocupam com a desinformação nas eleições das suas respectivas nações.
Essa percepção, segundo a pesquisa, perpassa todos os países e pessoas de diferentes recortes econômicos, ideológicos e de idade. Além disso, 68% dos usuários disseram que as redes sociais são o local onde a desinformação é mais difundida, muito mais que em aplicativos de mensageria (38%) e sites de mídia (20%).
Neste contexto, os cidadãos acreditam que as questões da desinformação e do discurso de ódio devem ser abordadas tanto pelos governos e entidades reguladoras (88%) como pelas próprias plataformas de redes sociais (90%). Os entrevistados pensam ainda que estes atores acima citados deveriam desempenhar um “papel ativo” no combate à desinformação e discurso de ódio durante as campanhas eleitorais.