Apesar de ser tratada no singular, a Inteligência Artificial é muito mais complexa e plural do que aparenta ser. Ela é, ao mesmo tempo, campo científico e tecnologia aplicada, fomentando tanto discussões filosóficas sobre o significado da inteligência como técnicas. Na sua parte prática, a IA também se desenrola em diversas funções (reconhecimento facial, algoritmos de recomendação, IA generativa, etc.) com usos e impactos diferentes. E quando falamos de governança de IA, isso não é diferente.
Parte das muitas discussões e preocupações sobre a gestão dessa tecnologia ganhou destaque no AI Summit, evento realizado pelo T20 (Think Tanks 20), na segunda-feira passada, dia 10, em São Luís do Maranhão. Na ocasião, pesquisadores, representantes governamentais de diferentes países e de organizações internacionais debateram questões envolvendo regulação da tecnologia, uso de dados e dificuldades de desenvolvimento no Sul Global.
Antes de entrar mais a fundo nas questões de governança, é interessante destacar que o tema da IA vem ganhando cada vez mais espaço nas discussões do G20 e no âmbito internacional, com o Brasil tentando assumir um protagonismo nessa pauta. Sexta-feira passada, por exemplo, o presidente Lula discursou aos membros do G7, na Itália, reforçando a necessidade de os países líderes da economia global incentivarem a construção de IAs responsáveis.
Um dos pontos defendidos pelo presidente na reunião da semana passada foi a construção de uma governança internacional e intergovernamental da tecnologia, com a adesão de diferentes países. Esse ponto é importante quando pensamos que a IA atravessa barreiras geográficas, sendo utilizada por cidadãos de diferentes contextos e regiões, com a promessa de modificar diversos âmbitos da sociedade, do trabalho à criatividade. Um dos exemplos de iniciativas de governança global é o “AI Advisory Board”, elaborado em novembro do ano passado pela Organização das Nações Unidas.
Ainda no âmbito internacional, os grupos de engajamento em torno do G20, liderados por organizações brasileiras, também estão prevendo a inclusão da IA nas recomendações a serem enviadas aos líderes da cúpula principal, que será realizada no mês de novembro no Rio de Janeiro. O W20 (Women 20) e B20 (Business 20) foram alguns dos grupos que já adiantaram as diretrizes sobre o tema.
Integrar o debate nacional e internacional
Mas um enfoque regional e nacional também é fundamental. Como disse a coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil, Renata Mielli, no AI Summit de São Luís, apesar de serem tecnologias pervasivas internacionalmente, as IAs possuem impactos locais. Aí é que entra a importância de uma regulação que considere esses impactos de acordo com as necessidades e contextos nacionais – o substitutivo do Projeto de Lei 2338/2023, principal proposta de lei brasileira no Congresso atualmente, é fundamentado em mitigação de riscos.
Mielli, que também faz parte do Grupo de Trabalho de Economia Digital do G20, destacou alguns pontos que considera importantes na governança de IA, como a participação multissetorial nas discussões e a conjunção dos debates sobre governança da Internet e da nova tecnologia. De acordo com a coordenadora do CGI, manter esses dois temas separados “pode nos trazer um ambiente fragmentado de debate (…). Precisamos amadurecer, em âmbito nacional e internacional, a necessidade de integrar esses debates”.
Falando de contexto nacional, a governança de IA também está em alta. A expectativa é que nesta terça, dia 18, a Comissão Temporária sobre Inteligência Artificial do Senado (CTIA) vote o texto substitutivo do Projeto de Lei 2338, que cria regras para o desenvolvimento e uso da IA no país. Como nem tudo são flores, o projeto vem enfrentando resistência e pressão de movimentos da extrema-direita e das empresas de tecnologia – duas forças que acabaram travando o avanço do PL 2630/2019, que criava regras de responsabilização para plataformas digitais.
Se for aprovado nesta semana o PL da IA, obviamente, as questões de governança de IA não serão resolvidas em definitivo, esse desafio continua no Brasil e no mundo. Como escreveu o pesquisador belga Mark Coeckelbergh, na abertura do livro “Ética na Inteligência Artificial”, lançado este ano no país, nesse contexto diverso e múltiplo, “é essencial assegurar que os sistemas de IA sejam desenvolvidos de modo que respeitem os valores locais e costumes, e que não reforcem inadvertidamente estruturas de poder existentes ou desigualdades”. A esperança é que esse debate siga amadurecendo tanto aqui como lá fora.