Na última semana, Salvador se tornou o epicentro das discussões sobre o presente e o futuro da internet no país ao sediar a 15ª edição do Fórum da Internet no Brasil (FIB15). Promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), que neste ano celebra três décadas de atuação, o evento foi realizado entre os dias 26 e 30 de maio, no Hotel Fiesta, com transmissão ao vivo pelo canal do NIC.br no YouTube. Um dos destaques da programação foi o lançamento, já no “dia zero” do encontro, da cartilha Desinformação e Racismo Digital: desafios e caminhos para equidade racial, resultado de uma parceria entre o Aláfia Lab e o Supremo Tribunal Federal (STF).
O lançamento foi acompanhado de uma mesa dedicada ao tema, mediada pela jornalista I’sis Almeida (Portal Black Mídia), com participações de Rodrigo Carreiro (Aláfia Lab), Frederico Alvim (STF) e Nina Santos (Secretaria de Comunicação da Presidência da República). A cartilha apresenta dados e análises sobre como o racismo se manifesta nas redes, além de oferecer orientações práticas para denúncias e estratégias de enfrentamento, tanto para usuários quanto para plataformas digitais e instituições do sistema de justiça.

A publicação integra a nova fase do Programa de Combate à Desinformação do STF, lançado em 2021, que agora passa a contemplar também o enfrentamento a discursos de ódio, ataques à democracia e assédio institucional. Durante a mesa, os participantes ressaltaram a importância da cartilha como uma ferramenta estratégica de formação e ação, especialmente para os poderes Executivo e Judiciário, frente à intensificação das violências nas plataformas digitais.
Rodrigo Carreiro destacou o papel central da publicação no fortalecimento das respostas institucionais diante das diversas expressões do racismo digital. “O racismo digital muitas vezes passa despercebido ou é naturalizado. Precisamos de ferramentas que ajudem a reconhecer, nomear e enfrentar essas violências de forma estruturada”, afirmou.
Desinformação e redes digitais
A desinformação esteve no centro de diversos debates durante o FIB15, evidenciando seus múltiplos impactos, da saúde mental à integridade do processo eleitoral, e os desafios crescentes impostos pelas novas tecnologias, como a inteligência artificial.
No painel “(Des)informa aê”, especialistas discutiram como conteúdos desinformativos sobre saúde mental, muitas vezes disseminados sem qualquer embasamento técnico, impactam diretamente o bem-estar emocional da população. Bárbara Alves, do Instituto Vita Alere, destacou que “quando a desinformação sobre saúde mental viraliza, as consequências são diagnósticos se tornarem memes, medicalização precoce e inadequada da vida cotidiana, banalização ou fetiche do sofrimento”. Em vez de acolher, pontuou, esse tipo de conteúdo acaba aprofundando o sofrimento de quem já enfrenta situações de vulnerabilidade.
Já na atividade “Enfrentando deepfakes”, o foco foi o avanço das tecnologias de geração de imagens, áudios e vídeos falsos, as chamadas deepfakes. Os participantes alertaram para o risco crescente de manipulação e erosão da confiança pública, especialmente em contextos de polarização e crise. A necessidade de regulamentação específica, fortalecimento do jornalismo e de iniciativas de checagem de fatos foram apontadas como frentes possíveis para conter o avanço da desinformação automatizada.
O tema também esteve presente na mesa “Processo Eleitoral e Inteligência Artificial”, que avaliou as normas que regulamentaram o uso de IA nas eleições de 2024, em um pleito marcado por episódios de abuso e manipulação digital. O painel reforçou a importância de rever e aprimorar a regulação, ampliar a transparência algorítmica e investir na educação midiática como pilares para garantir a integridade do voto e da democracia.
Inteligência Artificial e regulação das plataformas digitais
Em meio ao avanço acelerado da inteligência artificial, alguns painéis destacaram a urgência de se estabelecer marcos regulatórios que assegurem transparência algorítmica, soberania digital e a proteção de direitos fundamentais. A sessão principal dedicada à construção de princípios para a regulação de plataformas digitais trouxe à tona os entraves para o avanço de um consenso político, mas também reforçou a importância de processos multissetoriais e participativos.
Henrique Faulhaber, conselheiro do CGI.br, apresentou em primeira mão a proposta do Comitê para a formulação de princípios que orientem a regulação de plataformas de redes sociais no país. A iniciativa, que está aberta para consulta pública até o dia 17 de junho, busca reunir contribuições da sociedade civil, setor privado, academia e governo para qualificar o debate sobre o tema.
“O CGI entende que essa discussão ainda está travada e que a gente, de uma maneira estruturada, pode, ouvindo todos os setores, qualificar essa discussão”, afirmou Faulhaber, reforçando a importância de uma construção coletiva e transparente para enfrentar os desafios informacionais do presente.
O impacto ambiental da IA também ganhou espaço no evento. No painel “Opacidade Ambiental”, participantes alertaram para a falta de transparência das grandes empresas de tecnologia sobre os custos ecológicos da manutenção de sistemas de IA, desde o consumo energético até o uso intensivo de recursos naturais.
Já a “Nada sobre IA sem nós” apresentou perspectivas positivas sobre o uso ético e acessível da inteligência artificial, com foco na inclusão de pessoas com deficiência. Os participantes defenderam que o desenvolvimento da IA deve partir do princípio da beneficência, promovendo soluções voltadas à equidade, ao invés de reforçar exclusões.
Inclusão e protagonismo digital
A inclusão digital foi outro eixo transversal nos debates do FIB15, abordada a partir de múltiplas perspectivas. As discussões foram desde a ampliação da conectividade em comunidades rurais, indígenas e quilombolas até a valorização da diversidade linguística como parte fundamental da inclusão.
O papel das tecnologias comunitárias e da conectividade significativa – aquela que não se limita ao acesso, mas garante autonomia, participação e produção local de conteúdo – também foi destacado, assim como a importância de pensar políticas específicas para a inclusão digital da população idosa.
Crianças e adolescentes também estiveram no centro das discussões. Os debates trataram dos riscos associados ao uso excessivo da internet, da necessidade de regulamentação voltada à proteção desse público e dos impactos das redes digitais na formação de identidade de jovens.
Em um painel encabeçado pelo UNICEF, participantes destacaram o potencial das plataformas para a defesa de direitos, mas alertaram para os desafios enfrentados por jovens ativistas ao tentar se fazer ouvir. “Ao mesmo tempo em que a internet amplia a possibilidade de expressão, circulação e criatividade, estar nela também não significa estar seguro. Ser um ciberativista é estar em um espaço de disputa constante”, enfatizou Nirvana Lima, da Rede de Pesquisa em Comunicação, Infâncias e Adolescências (RECRIA).
30 anos de CGI.br
A 15ª edição do Fórum da Internet no Brasil foi uma grande celebração dos 30 anos do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), com destaque para o papel central que a entidade desempenha na governança da Internet por meio de um modelo multissetorial reconhecido internacionalmente.
Diversos painéis relembraram a trajetória do Comitê, como a sessão sobre o legado da Eco’92, que resgatou as origens desse modelo de participação a partir da histórica conferência ambiental realizada no Rio de Janeiro. Em uma sessão sobre multissetorialismo, especialistas e representantes do CGI.br refletiram sobre os desafios da governança global em um cenário de transformações aceleradas, como a inteligência artificial, e defenderam o modelo brasileiro como inspiração para processos colaborativos em outros países.