As pautas da diversidade e da inclusão estão entre as mais importantes do jornalismo atual. Além de produzir mais conteúdo sobre o tema, a indústria jornalística nacional parece estar se esforçando em trazer para o debate, e também para suas práticas e postos de trabalho, representantes de grupos sociais minoritários ou maiorias historicamente sub representadas. Não é raro encontrar programas de promoção da diversidade no jornalismo e um debate muito necessário sobre como incluir as pessoas e as pautas desses grupos (mulheres, população LGBTQIA+, negras e negros e indígenas, entre outros) nos quadros das redações e nos conteúdos produzidos. O esforço é muito válido, claro, e até tardio, mas uma parcela significativa da população segue praticamente ignorada nas práticas do jornalismo brasileiro: as pessoas com deficiência.
Segundo dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2019, o Brasil tem 17,3 milhões nesta condição. Isto equivale a 8,4% da população acima de dois anos de idade. Deste total, 3,4% possuem deficiência visual e 1,1%, deficiência auditiva. Ou seja, cerca de 9,5 milhões de brasileiros e brasileiras têm algum grau de dificuldade para ver ou ouvir. Agora, imagina o esforço necessário para este grupo se manter bem informado, quando praticamente não há conteúdo jornalístico de qualidade acessível para esta população.
Apesar de a comunicação ser um direito humano, da existência de legislação específica e de protocolos de acessibilidade para sites e aplicativos (estabelecidos pela World Wide Web Consortium) , não há efetividade nas práticas das empresas jornalísticas, por falta de interesse ou de recursos para atender às necessidades deste grupo. Assim, esta parcela da população é excluída do consumo de informação de qualidade, tratada como consumidores com menor potencial de escolhas e, pior: fica mais vulnerável a conteúdos distribuídos com a intenção de defender interesses de grupos econômicos e políticos que se beneficiam da desinformação e das fake news.
A maior vulnerabilidade destes grupos à desinformação não passou despercebida por atores políticos importantes no cenário nacional. O presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, desde o seu discurso de posse, faz uso de tradução em Libras e até hoje todas as suas falas públicas e lives são traduzidas na língua brasileira de sinais. Vale lembrar que pelo menos uma dessas lives, a do dia 21 de outubro deste ano, foi derrubada pelo YouTube e pelo Facebook – punição mais severa e dificilmente aplicada pelas plataformas – depois que o presidente ousou sugerir que as pessoas vacinadas contra a covid 19 estavam desenvolvendo Aids (!!!!!). Enquanto isso, os principais telejornais brasileiros não oferecem tradução de suas edições em Libras.
A situação não é muito diferente entre as pessoas cegas e com baixa visão, que não contam com sites jornalísticos realmente acessíveis entre os canais mais relevantes de combate à desinformação no país. Por falta de adequação a protocolos de acessibilidade ou boas práticas de áudio descrição, por exemplo, muitas pessoas que vivem com esta condição sentem dificuldades para encontrar conteúdos de qualidade e que sejam fáceis de acessar por softwares de leitura de tela, por exemplo.
Para tentar contribuir com a solução deste grande problema, a Marco Zero Conteúdo, site de jornalismo independente e investigativo do Recife, se juntou à Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e a outras oito organizações de jornalismo independente do Nordeste, representando cinco estados da região, para propor uma solução integrada entre academia e mercado. Além da Marco Zero, participam Mídia Caeté (AL), Agência Saiba Mais (RN), Eco Nordeste (CE/NE), Retruco (PE), Agência Diadorim (PE), Olhos Jornalismo (AL), Revista Afirmativa (BA) e a newsletter Cajueira (NE).
O projeto Acessibilidade jornalística: um problema que ninguém vê foi um dos vencedoras do Google News Initiative Innovation Challenge de 2021 e, desde agosto deste ano, uma equipe de jornalistas, pesquisadores, desenvolvedores e designers busca uma forma inovadora de inclusão a partir da realização de uma pesquisa sobre a oferta e o consumo de conteúdo jornalístico por pessoas com deficiência e do desenvolvimento de pelo menos duas ferramentas automatizadas: uma para que sites jornalísticos possam obter um diagnóstico e recomendações para adaptar seus conteúdos para os protocolos de acessibilidade e um aplicativo curador de conteúdo jornalístico acessível voltado para as pessoas com deficiência. Por fim, a terceira fase contempla a divulgação dos resultados, tanto em sites jornalísticos quanto em periódicos acadêmicos, como forma de ampliar e qualificar o debate sobre acessibilidade e comunicação.
A expectativa é que os resultados contribuam no combate à desinformação e na oferta de conteúdo jornalístico adaptado para pessoas cujo direito à comunicação é violado com a ausência de práticas de acessibilidade mais disseminadas entre os veículos jornalísticos nacionais. Desta forma, espera-se um impacto social positivo sobre o ecossistema de produção de notícias no que se refere à promoção de princípios fundamentais, com a inclusão, a diversidade e a equidade, em todas as suas formas. Mais bem informadas, as pessoas com deficiência visual podem participar de forma mais efetiva do debate público, reivindicar e defender seus direitos, bem como cobrar da sociedade em geral e do poder público em particular o cumprimento de garantias básicas à vida em sociedade com dignidade e sem discriminação.