“O Brasil foi um dos países que mais vacinou no mundo”, disse o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), referindo-se ao trabalho do seu governo no combate à pandemia da Covid-19, no primeiro debate do 2º turno das eleições presidenciais de 2022. O debate foi realizado em 16 de outubro de 2022 pelo portal UOL, pelo jornal Folha de S. Paulo e pelas emissoras Band e TV Cultura. À época, três das principais agências de checagem de fatos em atividade no país, Aos Fatos, Estadão Verifica e UOL Confere, verificaram a declaração do então presidente. Contudo, um leitor que consultasse mais de um destes sites para esclarecer se o que Bolsonaro dizia correspondia aos fatos estaria em maus lençóis. Isto porque as três iniciativas chegaram a conclusões diferentes entre si: enquanto o Aos Fatos julgou a declaração como falsa, Estadão Verifica a classificou como enganosa e o UOL Confere como verdadeira. A discordância ocorreu porque cada uma destas empresas apurou a fala com base em fontes que adotaram critérios diferentes para ranquear os países que mais vacinaram contra a Covid-19.
Esta e outras 44 discordâncias entre agências de checagem de fatos (ou fact-checking) foram mapeadas em estudo recém-publicado pelo Journal of Communication, um dos principais periódicos em língua inglesa da área de Comunicação. O trabalho é assinado por este autor. A pesquisa foi desenvolvida a partir de um banco de dados de 600 declarações verificadas por cinco grupos de fact-checking que cobriram os debates realizados no primeiro e segundo turnos das eleições presidenciais de 2022. Todas as agências selecionadas (AFP Checamos, Aos Fatos, Estadão Verifica, Lupa e UOL Confere) eram à época signatárias do código de princípios da International Fact-Checking Network (IFCN), prestigiada rede internacional sediada no Poynter Institute, nos Estados Unidos, que estabelece critérios de transparência e imparcialidade aos seus membros para garantir rigor às checagens publicadas por eles.
A pesquisa identificou 142 situações em que mais de um fact-checker avaliou uma mesma declaração de um dos sete candidatos à presidência que participaram dos debates que ocorreram entre 28 de agosto e 28 de outubro de 2022. Apesar de, na maioria das vezes (precisamente 68,3% dos casos), os checadores concordarem entre si ao verificarem falas idênticas dos presidenciáveis, preocupa a inconsistência dessas iniciativas em 3 de cada 10 casos. As divergências entre os fact-checkers são recorrentes independentemente do turno da eleição considerado, do candidato checado ou do número de iniciativas que verificaram uma mesma fala (por exemplo, se foram duas ou três agências que checaram o que um presidenciável disse).
Em uma análise qualitativa das 45 circunstâncias em que duas ou mais empresas atribuíram selos divergentes a uma declaração idêntica, as explicações para as discrepâncias encontradas são diversas. Há situações em a discordância decorre dos métodos de apuração utilizados por cada site de checagem para verificar se o dado mencionado por um dos candidatos corresponde à realidade dos fatos, como no exemplo da declaração de Bolsonaro sobre a vacinação contra a Covid-19 no Brasil. Mas também há circunstâncias em que a divergência entre os checadores está na interpretação de uma declaração. Isto é, se um candidato diz que recebeu um prêmio importante em seu governo, ele está sugerindo que foi laureado por ações de sua gestão ou que simplesmente recebeu a homenagem? Há também casos em que a discordância está só na etiqueta que os fact-checkers atribuem a uma determinada alegação. Isto é, o conteúdo da checagem é o mesmo, mas uma empresa considerou a declaração como imprecisa, enquanto outra julgou como verdadeira.
É evidente que a checagem de fatos não se reduz às etiquetas de classificação que utiliza em suas publicações, ainda que este seja o resultado mais visível do seu trabalho. Todavia, os resultados da pesquisa chamam a atenção para a importância de o fact-checking discutir e aprimorar os critérios que utiliza para apurar e avaliar as declarações de pessoas públicas, especialmente em contextos eleitorais. Para que a checagem de fatos possa servir como referência de informação confiável aos cidadãos nestes momentos, é preciso que suas correções sejam consistentes aos olhos da população.