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Pontos de vista

dez 15, 2025 | Destaques, Pontos de Vista

O grande experimento australiano: país bane menores de 16 anos das redes sociais

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Neste mês, entrou em vigor na Austrália uma lei que proíbe menores de 16 anos de utilizarem as redes sociais. As plataformas que não bloquearem esses usuários poderão ser multadas em até AU$50 milhões, o equivalente a aproximadamente R$180 milhões.

A medida australiana é drástica e tem sido alvo de críticas de diferentes setores, incluindo autoridades da infância, especialistas, acadêmicos e organizações da sociedade civil. Ainda assim, conta com amplo apoio popular: quatro em cada cinco adultos apoiam a medida adotada pelo governo australiano. 

De acordo com o governo australiano, o objetivo da medida é reduzir o impacto negativo dos chamados ““recursos de design” das redes sociais, que incentivam os jovens a passar mais tempo diante das telas, ao mesmo tempo em que lhes oferecem conteúdos que podem prejudicar sua saúde e bem-estar.” Dessa forma, a lei surge como uma tentativa de proteger crianças e adolescentes de conteúdos nocivos disponíveis nas plataformas assim como reduzir os impactos na saúde mental e segurança online. 

Embora alguns países já adotem medidas semelhantes de restrição, o caso da Austrália pode ser considerado o primeiro experimento radical em larga escala. Portanto, provavelmente veremos outros países adotando medidas parecidas. A União Europeia, por exemplo, observa o caso com atenção e avalia a possibilidade de implementar restrições mais amplas em todo o bloco.

Entre prós e contras, o tema é extremamente complexo. Ainda é cedo para avaliar se a iniciativa será eficaz. Porém, tal resposta nada mais é do que o reflexo direto da incapacidade das plataformas de proteger adequadamente menores de idade no ambiente online.

Processo de banimento 

Por ora, a lista de redes sociais que fazem parte do banimento se restringe a plataformas como Facebook, Instagram, TikTok, Snapchat, X, YouTube, Reddit, Twitch, Kick e Threads.

Embora muitas dessas redes já estabeleçam a idade mínima de uso em 13 anos, a nova lei impõe às plataformas a obrigação de verificar ativamente a idade dos usuários. Para cumprir essa exigência, essas empresas têm recorrido a uma combinação de métodos, como a estimativa de idade por reconhecimento facial a partir de selfies, a análise de sinais comportamentais e o envio de documentos de identidade emitidos pelo governo.

Apesar dessas restrições, pesquisas indicam que a maioria dos adolescentes australianos não acredita que a regra será eficaz. Muitos afirmam que continuarão utilizando as redes sociais de alguma forma, seja por meio do uso de VPNs, seja burlando os processos de verificação de idade, de maneira independente ou com a ajuda dos pais. Além disso, nos últimos dias, aplicativos alternativos já passaram a figurar entre os mais baixados do país.

Riscos e possíveis consequências 

A lei apresenta limitações importantes e tem sido alvo de diversas críticas. A primeira delas diz respeito ao alcance das plataformas incluídas. Embora a lista de redes sociais sujeitas à proibição possa ser atualizada, ficaram de fora ferramentas de IA generativa, como o ChatGPT, aplicativos de mensagens, como WhatsApp e Telegram, e plataformas como Roblox, Discord e Lemon8. Com isso, ambientes digitais que possam oferecer riscos semelhantes aos das plataformas reguladas permanecem sem qualquer restrição.

Outro ponto de preocupação diz respeito ao impacto da lei sobre o monitoramento de riscos online. Pesquisadores e organizações da sociedade civil podem enfrentar mais dificuldades para acompanhar a circulação de conteúdos nocivos nesses espaços. Como consequência, responsabilizar as plataformas por danos causados a menores que burlem as regras tende a se tornar ainda mais desafiador.

Usuários mal-intencionados e práticas problemáticas não deixam de existir com a simples entrada em vigor da legislação. Pelo contrário, há o risco de que plataformas já pouco transparentes se tornem ainda mais opacas, reduzindo a visibilidade sobre seus mecanismos internos e seus problemas. Além disso, essas empresas podem passar a dar menor prioridade a medidas de proteção para jovens que continuem acessando seus serviços, sob a justificativa de que o cumprimento formal da lei já teria resolvido a questão.

Há, ainda, a possibilidade de que esses usuários migrem para outras plataformas menos conhecidas, potencialmente mais problemáticas e com níveis ainda menores de supervisão.

Por fim, críticos destacam que a medida desconsidera a realidade de jovens que dependem das redes sociais para manter vínculos sociais ou acessar espaços que percebem como mais seguros — mesmo diante de tantos desafios. Esse cenário é particularmente relevante para crianças e adolescentes que vivem em áreas remotas e isoladas, a comunidade LGBTQ+  e pessoas com deficiência.  Nesses casos, o banimento pode ampliar o isolamento social.

Oposição à lei

As plataformas argumentam que a lei foi aprovada de forma rápida e sem o devido planejamento. Segundo elas, a medida pode ter efeitos contrários aos pretendidos, ao retirar dos adolescentes o acesso a recursos de segurança já existentes, como controles parentais e contas voltadas especificamente para esses usuários.

Nos últimos dias, dois adolescentes e a empresa Reddit, ambos apoiados pelo Digital Freedom Project, passaram a contestar a legislação. As partes ingressaram com uma ação na Suprema Corte da Austrália com o objetivo de barrar a lei que proíbe a criação de contas em redes sociais por menores de 16 anos, sob o argumento de que a medida viola o direito das crianças à comunicação política.

O grande experimento vai dar certo?

Ainda não é possível afirmar se a iniciativa terá sucesso. Especialistas alertam para a falta de evidências conclusivas de que esse tipo de banimento seja capaz de resolver o problema. Por outro lado, há indícios claros de que as plataformas não priorizam a segurança de menores, visto que esse tipo de investimento é não só complexo como também não gera retorno financeiro direto para essas empresas.

Embora existam críticas à intervenção do governo australiano no uso de redes sociais por crianças e adolescentes, é importante lembrar que restrições semelhantes já são adotadas em outras áreas, como cinema, álcool e tabaco. Tais medidas não eliminam completamente o acesso por menores de idade, mas reduzem significativamente a exposição aos danos associados a esses produtos. Com a restrição das plataformas espera-se o mesmo caminho.

O futuro do banimento ainda é incerto. A Austrália optou por uma solução rápida, prática e drástica para proteger esses usuários. Uma resposta efetiva exige mudanças estruturais mais profundas, como a revisão do modelo de negócios das plataformas, o redesenho dos incentivos de engajamento, o enfrentamento sistemático de conteúdos nocivos e um esforço real para transformar a relação da sociedade com essas tecnologias. O banimento australiano, por si só, pode não resolver o problema central. Esse é um trabalho árduo, complexo e que demanda soluções de longo prazo.

Enquanto para muitos o grande experimento australiano pode não parecer ideal, a resposta do país é o resultado direto da incapacidade das plataformas de garantir a segurança de menores no ambiente digital.

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Andressa Michelotti

Doutoranda do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, pesquisadora do Margem — Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG) e membro do Governing the Digital Society na Universidade de Utrecht, Holanda.