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jan 7, 2022 | Destaques, Notícias

Estratégias contra a polarização podem combater a desinformação

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Uma organização totalmente financiada por seus membros, de alcance internacional, e cada vez mais focada em combater a desinformação global. Quem nunca recebeu uma super campanha de impacto da Avaaz põe o dedo aqui. Operando em 17 línguas, a Avaaz elege campanhas a partir de suas causas – combate à desinformação, manutenção do meio ambiente, a resolução das mudanças climáticas, resolução da fome – e das necessidades escolhidas por seus membros. 

A organização mobiliza milhões de pessoas de todo tipo para agirem em causas internacionais urgentes, desde pobreza global até os conflitos no Oriente Médio e mudanças climáticas. O modelo de mobilização online permite que milhares de ações individuais, apesar de pequenas, possam ser combinadas em uma poderosa força coletiva.

Nesta entrevista para a série #panorama2022, João Brant e Mathias Felipe, do time *desinformante, conseguiram juntar a coordenadora sênior da Avaaz, Laura Moraes, e o diretor de campanhas, Diego Casaes. 

Diego Casaes, gerente de campanhas da Avaaz

Mathias Felipe: Nas últimas eleições, 2018 e 2020, a Avaaz estabeleceu equipes dedicadas a ajudar nesse processo de desinformação no Brasil e que resultou na derrubada da rede, por exemplo, da RFA. Qual é o diagnóstico da Avaaz para o cenário atual no país e o que alterou em relação ao cenário que a gente teve naqueles dois anos? A gente continua nesse mesmo contexto? 

Laura Moraes: A gente entende que o terreno está mais elaborado. Conseguimos perceber que o que começou lá atrás, em 2017, talvez 2016, segue estruturado e crescendo. As redes que já atuavam com desinformação estão sólidas. Então veio a migração para o Telegram, que já existia, mas não era utilizado na escala que é usado hoje. A tecnologia avança, o desafio avança, e a maneira de combater acaba sempre ficando um pouquinho para trás. 

Então a gente entende que é bem provável que as próximas eleições sejam novamente moldadas com desinformação bem elaborada, que não seja tão fácil de perceber, num cenário mais polarizado ainda do que o cenário anterior. Há chances de os problemas começarem na internet e migrarem para as ruas. Por exemplo, como aconteceu nos Estados Unidos na invasão do Capitólio. A nossa preocupação é que não fique só na internet e vá para a vida real e seja mais difícil de combater. As plataformas seguem não atuando na mesma escala do problema. 

Num cenário mais polarizado, com dúvidas a respeito da idoneidade das instituições e da solidez da democracia brasileira, [a situação] é bem preocupante. Estamos bem atentos e de novo estruturando um grupo para acompanhar e tentar contribuir. Já contribuímos tanto com o Tribunal Superior Eleitoral, quanto com o Supremo Tribunal Federal, nos seus programas de combate à desinformação, e pretendemos continuar contribuindo durante o próximo ano

Diego Casaes: Eu acho que tem três eixos principais. O primeiro é de uma perspectiva política. A gente entendeu que, desde 2016, houve muito uso de desinformação, talvez não da maneira como a gente enxerga hoje, mas [nos anos de] 2016, 2018 e 2020 não dá para separar o debate político da polarização e o debate sobre a desinformação da polarização. A polarização é combustível para a desinformação nas redes sociais e nos aplicativos de mensageria, e mesmo de maneira mais superficial, a imprensa, os veículos de mídia alternativa.

Olhando para 2022, eu acho que a polarização vai, mais uma vez, ser esse combustível. Então iniciativas para combater a polarização também podem servir para combater a desinformação. Há maneiras interessantes de construir estratégias que atacam polarização para poder chegar, na verdade, à desinformação, misinformation (informação errônea), ou coisas semelhantes. 

O segundo tem uma análise técnica e tecnológica. Vimos um avanço muito grande nas práticas de desinformação, do ponto de vista técnico e tecnológico. Vimos o quanto vários grupos de desinformação, se aperfeiçoaram na linguagem para poder by-pass o algoritmo. Também aperfeiçoaram a mensagem para estar no limiar da desinformação e não cair nos termos de uso das plataformas. Vimos uma migração de diferentes grupos para outros lugares. Se antes o WhatsApp foi um dos principais instrumentos de mobilização da campanha do presidente Jair Bolsonaro, por exemplo, hoje o que nos preocupa é o fato de ele ter mais de um milhão de seguidores no Telegram. O serviço de mensageria tem mais recursos para organização desses grupos, então ele oferece mais maneiras de participação para distribuir a desinformação no ambiente político. 

Um quesito importante que permanece como um problema enorme são as práticas de zero rating (acesso à internet sem custo financeiro sob determinadas condições), que podem ser um fator muito impactante nas eleições de 2022.  Eu diria que ainda não foi discutido seriamente no campo das organizações não governamentais o impacto dos zero rating nessa desinformação. Porque você tem WhatsApp, Facebook, Twitter gratuitamente em vários planos de celular, inclusive pré-pagos, favorecendo que as pessoas leiam apenas o título e não se aprofundem, não busquem a checagem ou outras informações sobre um conteúdo que eles acessaram. Vejo isso como um segundo pilar. 

E o outro pilar é do ponto de vista social. Acho que a pandemia rasgou um pouco o tecido social do Brasil, um pouco mais, eu diria. Questões como pobreza, desigualdades e pandemia vão ajudar a impulsionar a questão da desinformação. Por exemplo, alguém estava falando sobre a questão do Auxílio Brasil, de que o Lula falou que ia voltar o Bolsa Família se fosse eleito, algo assim. Só que o Bolsa Família é menor do que o Auxílio Brasil, então você vê o quanto temas de muita importância social, que não são necessariamente temas polarizantes, vão ganhar mais espaço nesse campo da desinformação na minha perspectiva. São esses três pilares que eu olharia para fazer essa comparação: político, técnico e tecnológico e o social. São  pontos importantes para a gente avaliar esses últimos anos da desinformação no Brasil. 

João Brant: Quais são as causas da desinformação? Onde estão os nós críticos que fazem com que a gente esteja numa situação muito pior do que a gente estava há 10 anos, do ponto de vista de desinformação? Como chegamos até aqui? 

Laura Morais: É o clássico fake news, mentira, boato, sempre existiram. Passamos do rádio para a TV, dos meios antigos para os de agora. Mas as redes sociais operam num modelo diferente, que acelera conteúdos e estuda.

É um mecanismo muito elaborado de estudo de como a gente funciona e como a gente responde. Os triggers da mente humana e do nosso comportamento, a mineralização dos nossos dados, o cruzamento de todas essas informações com uma tecnologia calibrada para lucro, ou seja, calibrada para fazer com que a gente engaje e fique cada vez mais tempo com o olho nas telas, acabou direcionando para isso. A mentira, a desinformação, o combate de ideias por meio de desinformação ou misinformation. É um fenômeno que sempre vai acontecer, tanto na disputa política, quanto nas disputas mercadológicas, entre empresa A e empresa B.

Essa tecnologia também está cada vez mais acessível, potencializando seu alcance. Enquanto tem muita gente que coloca o problema no usuário, a gente entende que o problema não está neste lugar. O aumento está justamente se dando por um meio novo que usa o nosso comportamento contra a gente, de alguma maneira, ou sem nenhuma preocupação em nos proteger. Parece que a gente muda o ciclo de estados de bem-estar social para voltar para estados autoritários. Parece que a roda da história volta de novo para esse lugar e essa tecnologia serve a esses poderes. Por isso, achamos que o problema não está nas pessoas, está nas tecnologias que estão canalizando essas mentiras, inverdades, narrativas manipuladoras etc. 

Diego Casaes: Hoje temos um programa de treinamento muito grande. Estamos treinando ativistas em vários lugares do mundo para poder identificar a desinformação e como essa se espalha em diferentes plataformas. Esse é um dos principais campos de trabalho da Avaaz atualmente para poder entender qual é o alcance disso e como as plataformas lidam com esse tema. 

A gente acaba aprendendo bastante com as práticas das próprias plataformas. Por isso a Avaaz investe tanto nessa discussão sobre legislação. Por acreditar que não dá para a gente resolver o problema da desinformação sem resolver o problema sistêmico. A maneira como o algoritmo é alimentado, as práticas para derrubar ou deixar desinformação ou misinformation são problemas de design. Então não dá para entender de onde surge a desinformação e quais as origens do problema sem olhar o sistema. 

Diria que nos últimos 10 ou 20 anos, vimos um avanço das práticas desleais na disputa política. A gente pode ter horas nesse debate, mais exatamente porque projetos liberais sociais democráticos, populares fracassaram ou se foram bem-sucedidos em alguns contextos, isso alimentou diferentes forças políticas em diferentes contextos a usarem  práticas desleais na disputa política. Vimos isso, por exemplo, em 2014 na campanha eleitoral à presidência, o quanto o PT utilizou práticas completamente desleais na candidatura contra a Marina Silva. Vimos, por exemplo, o quanto o Trump nos Estados Unidos usou auxílio da Rússia para poder ganhar as eleições – há vários indícios, relatórios da CIA, do FBI, e tudo mais, nesse sentido. 

Um outro ponto, nesse caso no Brasil, é o contexto da alfabetização e literacia digital. Não conseguimos dissociar o problema da desinformação com o problema de alfabetização e acesso à educação. Um componente importante é que no Brasil as pessoas não sabem ler, assim, se não sabem ler não vão fazer checagem e não vão buscar informação. Muito embora a desinformação alcance diferentes públicos independente do seu nível de educação, e já foi comprovado isso por vários estudos, eu realmente vejo que no Brasil a gente tem esse componente que você vê coisas que são claramente falsas, mas continuam sendo distribuídas talvez por uma falta de alfabetização digital. 

Tem também, numa perspectiva pessoal, um texto do Adorno muito interessante que fala sobre a comunicação fascista na década de 1940, pós Segunda Guerra. É sensacional esse texto porque é do Agitador Fascista, mostrando quais são os mecanismos utilizados para realmente mobilizar as pessoas da extrema-direita. É impressionante quantas dessas práticas são utilizadas hoje. 

Mathias Felipe: Você comentou um pouco dessas saídas. Temos o PL das Fake News. A gente queria entender um pouco como a Avaaz vê a PL da Fake News e qual a importância disso para esse processo eleitoral que a gente vai ter em 2022?  

Laura Moraes: Eu vou começar citando uma fala da Sophie Zhang, ex-engenheira do Facebook, que falou: “não dá para esperar que a Phillip Morris resolva o problema do vício no tabaco e não dá para esperar que a Exxon resolva o problema das mudanças climáticas”. O paralelo é esse, não dá para a gente esperar que de boa vontade as redes sociais resolvam um problema que faz parte do sistema delas. Inclusive porque a gente já tem experiências anteriores, que começaram na Europa, na tentativa de diálogo e de construção comum, que falharam. Eu espero que ano que vem a gente tenha um DSA (Digital Service Act- pacote regulatório das plataformas na União Europeia) forte. A gente entende que o PL das Fake News poderia ser mais avançado, especialmente na transparência, que é o ponto forte. A gente entende que uma parte substancial de melhora poderia ser no processo que a lei chama de autorregulação regulada. Se a gente não tem nenhum mecanismo eficaz de sanção das plataformas caso elas não atuem, não é bem regulado. Temos que acessar o judiciário para fazer com que as plataformas sejam acionadas caso não atuem de acordo com a legislação, você está criando uma dificuldade enorme para o cidadão buscar seus direitos. Imagina o que é uma cidadã ou um cidadão que de repente quer acionar o Facebook, o WhatsApp, o Instagram, por algum motivo. É uma batalha de Davi versus Golias. É impossível você imaginar que o Facebook vai perder em primeira instância e não vai recorrer para a segunda instância e para a terceira instância. Isso tem custo para o cidadão, que está acionando o Judiciário. Então tem um lugar que daria para melhorar bastante. 

Óbvio que ´a menina dos olhos´ da Avaaz seria garantir que a gente conseguisse equalizar o cenário da desinformação com acesso à informação, garantindo que o que eles fazem com publicidade façam quando acontece uma fake news ou em momentos em que eles decidam fazer que é dar a devolutiva para todo mundo que teve acesso à desinformação originalmente. Eles sabem quem viu, eles sabem absolutamente tudo o que a gente faz na rede. Por que não fazer esse debate? Por que a gente teve que calar sobre esse debate? Nosso Legislativo e a sociedade civil são competentes para fazer isso, temos um corpo técnico para pensar sobre isso e temos tempo para pensar sobre isso. Também é interessante falar que o PL das Fake News é um PL que não fala sobre fake news. Essa é a alcunha do PL e ele não coloca sequer nos objetivos da lei mitigar a desinformação e seus impactos. Então, temos grandes problemas. Não conseguimos resolver um dos grandes problemas das próximas eleições, que é a desinformação nos mensageiros. 

Acho que é uma lei interessante para o Brasil de 2018, mas a gente está entrando em 2022, podia ser muito melhor. Eu reconheço os esforços do relator e de todos os parlamentares, mas acho que se tivéssemos encarado esse problema com tranquilidade, serenidade, tecnicidade, chegaríamos num lugar melhor. Também estamos vivendo uma batalha de Davi versus Golias em relação ao lobby das plataformas dentro do Congresso. Quando há 30 anos, começamos a falar em bancada ruralista, entendemos qual era a dimensão do problema de ter toda uma bancada formada para defender os ruralistas, com pessoas do agronegócio e deputados, deputadas, senadores e senadoras financiados diretamente pelo agronegócio. Estamos vendo a mesma coisa acontecer, não sei qual vai ser o nome disso, bancada digital, bancada da rede social, ou bancada do metaverso. Temos que entender como vai ser chamada essa bancada, mas ela de fato já existe e é poderosa. Na última reunião que eu tive presencialmente na Câmara, foi justamente onde eles votaram o texto base da comissão, tinha cerca de 15 lobistas das redes sociais assediando os deputados e da sociedade civil tinha apenas eu. Por quê? O acesso à Câmara está difícil, você precisa ter convite, apresentar comprovante de vacina, não consegue chegar lá e entrar. Tem um limite de pessoas para entrar na comissão, nem todo mundo que mora aqui em Brasília pode entrar. Esse sistema misto que agora já está muito mais presencial do que virtual, está pedindo que a sociedade civil participe e que outras vozes sejam ativas nesse processo. 

João Brant: Como vocês imaginam o ano de 2022, especialmente no contexto eleitoral? Você comentou que “esse PL responde a 2018, mas nós já estamos em 2022”. Quais são os problemas próprios de 2022 que você enxerga que vão acontecer? 

Laura Moraes: Os problemas próprios de 2022 são o alto uso de mensageiros com disparo em massa, as tecnologias que a gente não tinha antes na mesma escala, como áudio e vídeos. Antigamente era uma coisa muito pesada de você baixar e hoje em dia qualquer um consegue assistir vídeo no WhatsApp, vídeo inclusive do Youtube no WhatsApp, sem ter que entrar na plataforma ou ter que ter um pacote de visualização do Youtube. Você recebe um áudio que vem de uma pessoa que você confia, você não se questiona, não tem aquele gatilho: “De onde isso está vindo?”, “Não é a voz dela”, “Não foi ela que gravou”. Mas essa pessoa está endossando de alguma maneira ao enviar o áudio. Um cenário peculiar que a gente pode se deparar são deepfakes, que são difíceis de serem comprovadas. Se alguém fosse querer manipular as eleições na véspera, antes da votação, dá para sair uma coisa muito complexa e difícil de verificar e pode disseminar medo e confusão. No cenário de 2018, não tínhamos praticamente todos os brasileiros com um celular na mão, com um pacote de dados que permitia acesso ao WhatsApp, Telegram, e o Instagram e TikTok, por exemplo. Temos mais redes diferentes, que são voláteis, ou seja, que as informações se apagam. Não tínhamos, por exemplo, os stories do Instagram, que desaparecem e não têm rastreio. 

E vivemos um cenário pós-pandemia, em que as pessoas ficaram muito mais em casa e que as campanhas políticas se virtualizaram bastante. As campanhas vão ter que investir uma grande parte do seu recursos na internet, inclusive porque as pessoas estão com medo de conversar sobre política na rua.  Tem grupos que se empoderaram muito e que estão à vontade para falar e outros grupos que estão com medo de se posicionar publicamente, porque qualquer deslize pode levar ao cancelamento. Temos também uma possibilidade de abstenção muito alta. Se você observa nas últimas eleições, as abstenções só aumentaram e quando  estudamos de onde que está vindo essa abstenção, vem dos jovens. São eles que podem mudar essas eleições e os que mais estão conectados com o Tiktok e com outras tecnologias que não sabemos mexer. Nós que somos millennials nem sabemos pronunciar o nome, mas eles já estão lá. Quem for esperto vai dominar esses lugares mais cedo e influenciar os votos dos mais jovens.  Às vezes o jovem pode influenciar o voto do pai e da mãe, e muitas vezes não acontece o contrário. 

Diego Casaes: A Laura pincelou vários pontos que são importantes e eu adicionaria outros como por exemplo a questão dos ataques hackers, que estão acontecendo cada vez mais. A situação do Ministério da Saúde é mais um prelúdio de algo que vai se tornar cada vez mais comum em 2022. Ataques hackers como ferramenta contra adversários, o governo e candidaturas. Isso também pode virar elemento para a desinformação. 

Vejo a questão da violência política como algo mais presente em 2022, tanto nas formas de violência física, quanto verbal e ideológica. E a desinformação pode alimentar a violência e vice-versa. Por exemplo, você vê o espaço que ela tem nas redes sociais para gerar violência, como casos de apedrejamento, de violência e de machismo contra mulheres e a comunidade LGBTQAI+. E isso cada vez mais se torna comum no espaço eleitoral. Vimos isso com a morte da Marielle Franco, por exemplo. Teve muita desinformação bastante violenta sobre a Marielle. Acredito que esse vai ser um dos principais problemas de 2022. Porque a chave que a gente está operando é bem violenta, pelo menos, os que estão operando o governo. 

Tem um problema ou desafio, que é o campo progressista/esquerda fazer uma atualização tecnológica. A base bolsonarista, por exemplo, tem um profundo conhecimento e uma profunda rede desinformativa. Bolsonaro tem um milhão de seguidores no Telegram, enquanto o Lula tem pouco mais de 100 mil. Acredito que o campo da esquerda/progressista realmente precisa se atualizar tecnologicamente para  poder oferecer uma contrapartida nas redes que seja à altura do que hoje o campo mais conservador oferece. 

As deepfakes também serão um desafio. Eu vejo como algo que virou meio piada, mas, enfim, a gente sabe que também pode ser utilizado contra.  

O TSE está bem preocupado com esse tema, mas a gente sabe que são de fato as regras eleitorais que determinam o que é ou não permitido. Acho que é algo que a gente precisa prestar bastante atenção porque geralmente não está no radar da maioria das organizações. 

Mathias Felipe: Vimos um tendência muito forte em 2020, que acabou passando por países anglo-saxões, que são essas teorias de conspiração, como o QAnon, que até hoje não chegaram muito fortes no Brasil. O QAnon chegou na Austrália e está bem forte no país. Vocês vêem isso também como algo que pode estar ameaçando as próximas eleições? 

Diego Casaes: Brasileiro adora uma teoria de conspiração sobre vacina, o fulano da rua, o cara da agulha, que vacina está passando HIV para todo mundo.. Então eu acho que brasileiro gosta bastante de teoria de conspiração. Talvez a gente não tenha visto teorias de conspiração políticas do nível do QAnon, mas eu acho que tem bastante espaço para isso. É um pouco na chave que o Bolsonaro opera. 

Laura Moraes: Houve uma tentativa de trazer o QAnon, estávamos acompanhando as redes e teve um momento que percebemos uma tentativa de trazer essas narrativas, mas pode ser que seja em razão do nome. O que eu acho interessante das pessoas que estão operando com desinformação na internet é que você não necessariamente joga uma grande mentira de cara, você começa a descredibilizar alguém ou a criar uma pequena narrativa por partes. Por exemplo, você quer vender um candidato que é da família, não adianta você chegar e falar “sou o candidato da família”, você tem que colocar que a família está ameaçada no Brasil. Porque se a família não estiver sendo ameaçada, para que você vai votar num candidato da família? Começa a mostrar problemas do Carnaval e associar determinados candidatos à pedofilia. Quando se constrói essa narrativa de maneira elaborada (não precisa ser tão elaborada), você só cria uma estrutura e um banco de conteúdo para começar a fazer isso massivamente.

Quando você vê, as pessoas já estão com medo do que a família e os filhos delas vão virar, e vão votar no candidato do medo ou “da família”. Isso pega muito aqui no Brasil porque a gente usa o WhatsApp muito mais do que os europeus e do que os norte-americanos. Temos usado cada vez menos o Facebook enquanto nesses outros países eles seguem usando muito. No Facebook, você fica em grupos abertos que tem gente que você nunca viu, qualquer um pode postar apesar de ter certas regras, já o WhatsApp dá aquela carinha de grupo de amigos, ainda que não seja. Ainda tem o fato de ser menor e é o seu número de telefone que está ali. O número de telefone ainda é uma coisa meio particular. Também o fato de que o brasileiro é muito compartilhador. Os estrangeiros não gostam tanto de compartilhar meme, piada e brincadeira, como fazemos. Adoramos compartilhar mesmo sem falar nada: “olha só, isso aqui”, a pessoa ri ou chora, ela faz a reação que ela quiser, mas a gente tem essa coisa de passar para frente um conteúdo e os estrangeiros não têm tanto esse perfil. 

Mathias Felipe: Aproveito também para perguntar como vocês pretendem atuar nas eleições em 2022, se vocês já têm algum plano e projetos relacionados à desinformação.

Laura Morais: A Avaaz, como qualquer organização internacional, tem limitações legais. Não podemos ter um lado durante as eleições, ou seja, não podemos defender candidatos ou ser contra candidatos. É muito óbvio, se você olhar as campanhas da Avaaz hoje em dia, quais são os nossos valores e o que temos defendido publicamente ou não. O que a gente pode contribuir, e já estamos nos organizando para isso, é com o monitoramento de rede, avisando as autoridades e as redes sociais e experts do que a gente tem visto acontecer nas redes sociais para tentar mitigar a desinformação antes que ela vire massiva. Também incentivando as pessoas a votarem, os jovens a tirarem seus títulos e escolherem candidatos que sejam alinhados com seus valores. Podemos fazer campanha pela Amazônia e debater as nossas causas de sempre, mas não vamos poder entrar diretamente nas eleições.

Diego Casaes: Em qualquer ano eleitoral, continuamos lançando campanhas sobre os temas que são importantes para a comunidade da Avaaz. Fizemos pesquisa com antes o que era o IBOPE, agora o IPEC, e com a comunidade da Avaaz para entender quais são os temas prioritários da comunidade em 2022 e quais são as campanhas que a gente pode lançar nesse sentido. Então, por exemplo, campanhas em relação à fome, à questão da violência urbana, sobre temática antirracista e sobre a temática antimachista Temos tentado entender quais são os temas prioritários da comunidade e como podemos lançar campanhas sobre esses temas para ajudar a fomentar o debate na sociedade em geral. Se temos um milhão de pessoas assinando a campanha contra o racismo, em torno de um caso específico, por exemplo, acreditamos que isso pode ajudar na conscientização da população e tem um efeito de longo e médio prazo, por exemplo, na escolha de voto das pessoas. Em conclusão, podemos ajudar as pessoas a entender quais são os seus valores por meio das campanhas para poder gerar cada vez mais debate sobre temas que são importantes e que serão discutidos nas eleições. 

Laura Morais: Temos percebido nas nossas pesquisas esse medo do cancelamento e a política ser um tema que não se discute, te deixa mais permeável para todo tipo de informação. Você não engaja com ela com coragem e questionamento. O papel  das nossas campanhas é fazer com que as pessoas não tenham medo de conversar sobre política, sobre as causas que elas defendem e obviamente esperamos que isso impacte em quem elas vão escolher. Esperamos que escolham candidatos que fortaleçam a democracia e que garantam as nossas instituições, e as causas que a Avaaz defende – combate à desinformação, manutenção do meio ambiente, a resolução das mudanças climáticas, resolução da fome, um mundo mais igualitário.

 

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