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jul 13, 2023 | Destaques, Notícias

Vigilância digital: Equador cria agente secreto informacional

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O Equador está passando por uma situação delicada em relação à privacidade e proteção dos usuários no ambiente digital. Em março, numa atualização dos dispositivos penais e institucionais para conter a onda de violência que assola o país, o governo acabou criando um agente secreto informacional para investigação de crimes online que suscita muitas dúvidas sobre limites e ética da sua atuação. Representantes de organizações da sociedade civil temem vigilância digital e perseguição por parte do estado.

A criação do agente secreto faz parte da Lei Orgânica Reformatória, publicada pela Assembleia equatoriana no dia 29 de março com o objetivo de reformar órgãos jurídicos e atualizar o código penal do país para fortalecer as capacidades institucionais de segurança.

De acordo com o artigo 77 do texto, será permitido que agentes do Sistema Integral Especializado de Medicina Legal e Forense do país, sob a gerência do judiciário, ocultem suas identidades e realizem “tarefas investigativas” nos ambientes digitais, como infiltração em plataformas, fóruns, grupos de conversas e até fontes fechadas de comunicação. 

O intuito dessas ações, ainda segundo o documento, seria “acompanhar pessoas, vigiar coisas, realizar compras controladas e/ou descobrir, investigar ou esclarecer os delitos cometidos ou que podem ser cometidos com o uso ou contra as tecnologias de informação”.

A estudante de engenharia de sistemas e integrante da organização Derechos Digitales, Maria Encalada, explica que, na prática, esse dispositivo dá poder a agentes do estado de se passarem por outras pessoas online, mas também a invadir dispositivos pessoais por meio de softwares. “Os agentes poderão quebrar códigos de criptografia e até implantar arquivos em computadores”, diz a ativista.

Com esses poderes previstos em lei, representantes de organizações da sociedade civil equatoriana e defensores dos direitos humanos expõem os riscos de vigilância digital por parte do estado, possibilitando perseguição de ativistas, jornalistas e oponentes do governo.

“Essas tecnologias são aplicadas não necessariamente com os mesmos objetivos que o governo promete. Elas podem servir para fins políticos, como vigiar ativistas e representantes da sociedade civil”, comenta o equatoriano Rafael Bonifaz, coordenador de tecnologias do Derechos Digitales.

Rafael também pontua que a publicação da lei “pegou de surpresa” a sociedade civil equatoriana, já que o parlamento não procurou ouvir a população. O país possui um histórico de uso dessas tecnologias para espionagem e perseguição de ativistas, jornalistas e cidadãos. 

Em 2015, o Equador foi uma das nações latino-americanas que utilizou o sistema italiano Hacking Team de acesso e monitoramento de dados. Uma reportagem da Associated Press mostrou como a Secretaria Nacional de Inteligência lançou mão da ferramenta para hackear as contas de e-mail e do Facebook do oposicionista Carlos Figueroa.

Justiça equatoriana tem déficit de profissionais técnicos 

Outro ponto problemático indicado pelas organizações é a falta de conhecimento técnico do próprio poder judiciário equatoriano. Como aponta Maria Encalada, a Justiça do país, que ficará responsável por gerir os agentes secretos e os casos em que eles estarão envolvidos, tem hoje um déficit de profissionais que entendem de tecnologia e seus impactos sociais.

Ponto semelhante também foi levantado pelo pesquisador Luiz Enriquez em um artigo no site do Observatorio de Ciberderechos e Tecnosocied da Universidade Ainda Simón Bolívar. Enriquez avalia que não há peritos forenses digitais suficientes no país, de forma que “o sistema pericial no Equador é deficiente, onde a qualificação de peritos em informática forense não é feita com base em competência real, nem em exames práticos de admissão”.

Além disso, o texto legislativo não apresenta detalhes sobre como as informações privadas dos cidadãos coletadas pelos agentes secretos serão protegidas. “Não há especificação como vão tratar e armazenar esses dados”, afirma Encalada.

“Todos os agentes informáticos infiltrados devem ser formados em proteção de dados pessoais e direito constitucional, pois, entretanto, serão um perigo latente para os nossos direitos e liberdades”, argumenta Luiz Enriquez.

País vive momento instável

Um dos principais motivos para a publicação da Lei Orgânica Reformatória, que prevê a criação do agente secreto, é a contenção da onda de violência que o Equador vem enfrentando nos últimos anos, impulsionada pelo narcotráfico. Atualmente, o país é considerado um dos mais inseguros da América Latina de acordo com pesquisa realizada pela Gallup.

Rafael  Bonifaz esclarece que os episódios violentos e o medo da população estão sendo utilizados como pretexto pelo governo para a aplicação do agente secreto e o uso de tecnologias de vigilância. O desconhecimento das pessoas sobre tecnologia, como ela funciona e como vai ser aplicada, reforça a situação.

O país também enfrenta instabilidades políticas após anos de denúncias de corrupção nas administrações passadas. Atualmente, o Equador tem um governo de direita no comando, presidido por Guillermo Lasso, que no final de maio dissolveu a Assembleia e convocou novas eleições. O pleito está marcado para o dia 20 de agosto.

Questionado se a aplicação do agente secreto possui relação com o governo em exercício, Rafael afirmou que isso “não é algo de esquerda ou de direita, é mais um uso de poder governamental”.

Buscamos contato com o governo equatoriano, mas até o fechamento da matéria não tivemos resposta sobre os tópicos levantados no texto. 

Vigilância digital afeta toda América Latina

Os agentes secretos informacionais não são novidade. Em fevereiro de 2022, o congresso de El Salvador aprovou uma reforma no Código de Processo Penal para autorizar operações digitais secretas. Na época, jornalistas e políticos denunciaram a iniciativa do governo do presidente Nayib Bukele que, como o equatoriano, tem forte apelo ao combate à violência e às drogas.

“Estamos vendo uma tentativa de legalizar a cibervigilância sem garantia dos direitos humanos para que as pessoas possam se defender”, avaliou Michel de Souza, diretor de políticas públicas da Derechos Digitales. Michel também destacou que ações de vigilância digital por parte do estado estão sendo realizadas também na Argentina, Chile e Brasil.

Um mapeamento realizado pelo Instituto Igarapé mostrou que quase todos os países da América Latina aplicam tecnologias digitais de vigilância, tendência reforçada após a pandemia de COVID-19. Na região, segurança pública é o setor que lidera a implementação dessas técnicas, como videomonitoramento e reconhecimento facial.

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