Desde o fim de janeiro, a empresa controladora do Facebook, a Meta, interrompeu o registro de novos usuários no CrowdTangle, sua ferramenta de rastreamento de mídia social, amplamente utilizada pelos pesquisadores. Segundo reportagem da Reuters, a Meta alega que a restrição aconteceu devido a limitações de pessoal, já que parte da equipe foi realocada para outros projetos.
O CrowdTangle virou a única plataforma em que era possível extrair informações do comportamento dos usuários no Facebook desde o escândalo do Cambridge Analytica, que combinava mineração e análise de dados com comunicação estratégica para interferir no processo eleitoral. Desde 2018, quando The New York Times e The Observer reportaram que a Cambridge Analytica violou as regras da plataforma e usou informações de 50 milhões de perfis, o Facebook fechou o acesso a seus dados.
Dado as limitações do CrowdTangle, pesquisadores já tentaram obter dados do Facebook através de um extensão para navegador instalada por usuários que concordavam em ceder suas informações. O Facebook considerou que a equipe estava ferindo os Termos de Serviço da companhia e tirou o acesso a plataformas de pesquisa, como CrowdTangle e o Facebook Ads, além de ter removido os perfis pessoais.
“Sem o CrowdTangle, estamos às cegas. Hoje essa plataforma é a principal forma de extrair dados, ainda que de forma limitada, do Facebook. Graças a essa ferramenta, pesquisadores podem detectar inconsistências nos dados publicados em relatórios oficiais da plataforma”, explica Wilson Ceron, pesquisador sobre desinformação em redes sociais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Em setembro de 2021, o pesquisador Fábio Giglietto, da Universidade de Urbino, publicou um fio no Twitter, onde explicava as discrepâncias entre as informações divulgadas pelo Facebook sobre suas principais postagens em agosto com os dados fornecidos pela plataforma exclusivamente aos pesquisadores.
Apesar de pertencer a Meta atualmente, o CrowdTangle era uma startup que provia uma ferramenta para ajudar organizações e indivíduos a acompanhar e analisar conteúdos públicos disponíveis no Facebook, Instagram e Reddit. Quando adquirido pela Meta em 2016, o CrowdTangle funcionava de forma quase independente dentro do Facebook.
Essa relação começou a azedar no começo do ano passado, com a criação da equipe de dados e transparência, funcionários foram integrados e o desmonte começou. Naomi Shiffman, que era responsável por treinamentos e integração de pesquisadores no CrowdTangle, foi “promovida” para o Oversight Board. Logo após, o cofundador e CEO do CrowdTangle, Brandon Silverman foi incorporado à equipe de integridade. Esses eventos fizeram com que Silverman deixasse a Meta no final do ano passado. Desde então, Silverman tem trabalhado com o Congresso americano numa legislação que obriga as empresas de tecnologia a divulgarem seus funcionamentos internos.
Essa batalha por mais transparência pode ter levado a ruína da equipe do CrowdTangle. Os executivos do Facebook queriam limitar o quanto a rede social deve revelar sobre seu funcionamento interno, enquanto Silverman e seus colaboradores buscavam por mais transparência. Eles acabaram sendo vistos como uma ameaça para a rede social.
Segundo o site The Verge, o trabalho do colunista de tecnologia do New York Times, Kevin Roose, também ajudou na fritura da plataforma. Roose e Giglietto começaram a usar o CrowdTangle para compilar e publicar dados das páginas de melhor desempenho do Facebook nos EUA no ano passado. Essas listas frequentemente incluíam páginas dedicadas ao ex-presidente Trump e atores de direita, como Ben Shapiro e Dan Bongino.
Mesmo com Trump fora do cargo, os links com maior engajamento continuam vindo desses usuários de extrema-direita. O jornal norte-americano The New York Times também reportou que a chefia do Facebook ficou bastante irritada com o uso do CrowdTangle para revelar que os usuários se envolviam com políticas de direita hiperpartidárias e informações de saúde enganosas durante a pandemia do novo coronavírus.
Apesar da interrupção do registro de novos usuários, o CrowdTangle continua existindo. Em resposta à Reuters, o porta-voz da empresa avisou que novos usuários ainda podem ser adicionados a contas existentes da empresa na ferramenta de rastreamento e que estão parando o registro de novos usuários temporariamente devido a restrições de equipe.