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@thiagoilustrado

O período eleitoral mostra a urgência de regulação das plataformas digitais

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*desinformante Universitário

Esta matéria faz parte da série “Redes sociais e democracia”, uma parceria do *desinformante com alunos e professores da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP)

Com a grande quantidade de eleições ocorrendo em cerca de 65 países neste ano, mais de 2 bilhões de eleitores se prepararam para comparecer às urnas em suas localidades. No Brasil, o período também será marcado pela escolha de prefeitos e vereadores, o que aumenta ainda mais a quantidade de candidatos diante dos 5.565 municípios espalhados pelo país. Por conta disso, cada vez mais observa-se a propagação de campanhas eleitorais nos mais diversos canais, como as redes sociais. Diante disso, o controle das informações divulgadas nas plataformas fica sob a dependência das empresas privadas que detêm os direitos dessas redes. Como as informações dispostas nestes meios não passam por verificação, a garantia de veracidade das mesmas pode gerar desinformação e, por isso, causam confusões e isso pode gerar impactos no processo eleitoral.

Diante deste cenário, pensar na regulamentação das plataformas digitais é o tema central e já vem trazendo muitas discussões sobre o assunto, especialmente durante os períodos eleitorais. Praticamente todas as eleições contemporâneas são profundamente influenciadas pelas redes sociais e outras ferramentas online, que se tornaram arenas fundamentais para campanhas políticas, debates públicos e, fatalmente, a disseminação de desinformação. Neste contexto, a discussão sobre a regulamentação dessas plataformas ganha relevância, buscando equilibrar a liberdade de expressão com a necessidade de proteger a integridade do processo eleitoral.

Quais as leis que protegem a informação durante as eleições?

Diante dos riscos já conhecidos e dos problemas iminentes, a regulamentação das plataformas digitais surge como uma medida essencial para assegurar a integridade do processo eleitoral. Diversos países têm adotado ou seguem um processo de implementação de legislações específicas para tratar da influência das plataformas digitais nas eleições. 

Apesar de existirem leis no Brasil que protegem os dados dos usuários mantém a transparência no uso de informações pessoais, como a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei Nº13.853) e o Marco Civil da Internet (Lei Nº 12.965), não há regulamentações que visam proteger os usuários da criação e reprodução de conteúdos de origem duvidosa e que podem gerar malefícios. 

Pode-se dizer que a exceção está na Lei Nº 4.737 de 15 de julho de 1965, conhecida por instituir o Código Eleitoral, além de estar contida na Lei Nº 14.192, Art. 323 em sua retificação, onde diz:  

Art. 323. Divulgar, na propaganda eleitoral ou durante período de campanha eleitoral, fatos que sabe inverídicos em relação a partidos ou a candidatos e capazes de exercer influência perante o eleitorado:

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem produz, oferece ou vende vídeo com conteúdo inverídico acerca de partidos ou candidatos. 

§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até metade se o crime:   

I – é cometido por meio da imprensa, rádio ou televisão, ou por meio da internet ou de rede social, ou é transmitido em tempo real;  

II – envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia. 

Com o avanço da tecnologia e o acesso às múltiplas plataformas, a desinformação encontrou meios de burlar o controle que cabe às entidades responsáveis. Esse movimento faz com que as inteligências artificiais e perfis falsos, consigam produzir conteúdos que pareçam verídicos, como o caso das deepfakes, que podem recriar conteúdos imitando voz, aparência e até mesmo os trejeitos dos indivíduos. O que faz de seu uso uma ameaça para a veracidade de qualquer conteúdo de canais não oficiais.  Para se ter uma ideia, há a possibilidade de ser usada até mesmo por autoridades, candidatos políticos ou figuras legislativas, o que gera um complexo paradoxo. 

No entanto, no início de 2024, o TSE homologou novas regras eleitorais, e para evitar campanhas eleitorais com essa questão, foi vedada a utilização de IAs no contexto eleitoral.  As novas regras dispostas na Resolução-TSE 23.729/2024, aprovada no dia 27 de fevereiro pelo Tribunal Superior Eleitoral após sugestões de instituições, sociedade civil e partidos políticos. A regra altera a Resolução-TSE nº 23.609/2019, que dispõe sobre a escolha e o registro de candidatas e candidatos para as eleições.

Entre outras regulações já existentes, podemos citar o PL 2630, referente à liberdade, responsabilidade e transparência na internet. Criado em 2020, se propõe a ser uma forma protetiva perante ao uso das plataformas digitais. Recentemente foi retirado da pauta pela câmara. O projeto estabelecia regras para a regulação de conteúdo nas plataformas digitais, como exigir a identificação de anunciantes e impulsionadores, criminalizando a divulgação de conteúdos falsos por meio de robôs, além de prever duras penalidades para as empresas que não prevenirem práticas ilegais em seus serviços.

Porém, ela também traz consigo questionamentos sobre liberdade de expressão, e da centralização da autoridade diante de um órgão público. Para Eugênio Bucci, isso pode gerar um grande problema: “não cabe ao poder executivo sacramentar o que é verdade e condenar o que é mentira. Isso pode ser muito perigoso. As ditaduras fazem ou fizeram isso. A democracia não pode incorrer no mesmo erro. A grande tarefa do legislativo é conseguir definir os métodos da comunicação digital que são ou não admissíveis.”

Em contrapartida, a Europa parece andar em outro ritmo em relação ao Brasil neste aspecto, em 2024,  A Lei dos Serviços Digitais foi aprovada pelo Parlamento Europeu e já em vigor, estabelecendo uma multa de até 10% do faturamento anual para as plataformas dominantes que não observarem suas recomendações. Outra medida recente do Parlamento Europeu, determinou uma nova diretriz com o objetivo de combater a viralização de conteúdos de ódio, extremistas e radicais, além de poupar o assédio contra candidatos, políticos, jornalistas e agentes envolvidos no processo eleitoral. Ela é direcionada aos provedores (redes sociais) e  mecanismos de busca on-line que tenham um alcance igual ou superior a 45 milhões de usuários.

O equilíbrio entre regulação digital e manutenção da liberdade de expressão

Por oferecer recursos potentes de curto e longo alcance dado o seu papel crucial nas campanhas eleitorais, muitos candidatos e partidos alcançam eleitores de maneira direta e personalizada por meios digitais atualmente. A quantidade de informação no período eleitoral chega ao público muitas vezes por meio de anúncios segmentados, transmissões ao vivo e interações em tempo real, que são transmitidas por plataformas que potencializam o impacto das mensagens políticas e não possuem uma legislação regular como os meios de comunicação tradicionais.

Contudo, essa mesma influência traz desafios significativos. A disseminação de notícias falsas, a manipulação de informações e a criação de perfis falsos são problemas recorrentes que podem distorcer a percepção pública e influenciar indevidamente o meio político e, com isso, resultados eleitorais. Além disso, a opacidade dos algoritmos utilizados por essas plataformas levanta preocupações sobre a imparcialidade e a transparência na veiculação de conteúdo político.

Como grande parte das interações ocorrem em aplicativos privados, a legislação por vezes pode ficar à mercê dos interesses das grandes empresas, que traz debates interessantes sobre a diferença entre liberdade de expressão em contraposição a veracidade das informações. Ou seja, independente do direito de se expressar, o compromisso com a informação verdadeira e seu compartilhamento deve ser fundamental.  Em conversa com o professor da USP, Eugênio Bucci, especialista em ética jornalística e da informação, ele cita a questão e apresenta o conflito: “o direito da liberdade de expressão é pessoal e não um direito das organizações, entretanto é um interesse das big techs e dos monopólios globais.”

Essa questão já pode trazer a necessidade de uma regulamentação democrática constituída de maneira participativa, aliando os interesses públicos e privados, visando apenas o bom uso e funcionamento das plataformas digitais e a liberdade para interagir de maneira correta,  algo que já é comum e fundamental em nossa rotina. “A liberdade de expressão é beneficiada pela regulamentação, já que regular é justamente impedir a moderação indevida no ambiente online, pois o que provoca a censura é a ausência de regras democráticas.” afirma Débora Salles, coordenadora do NetLab da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Márlon Reis, advogado e autor do livro Direito Eleitoral Esquematizado, reitera a importância de uma boa regulamentação das redes visando a época das eleições e nossa democracia. “Regras claras ajudam a assegurar que a comunicação seja transparente e justa, prevenindo abusos como a propagação de notícias falsas e a manipulação de eleitores.”, conclui.

Não podemos afirmar que as redes sociais definirão vencidos e vencedores nas iminentes eleições, porém, devemos observar o quanto a interação digital pode promover ideais e pensamentos políticos ao longo do ano. Esse processo pode nos ajudar a regular e visar processos eleitorais mais justos para o futuro próximo. 

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