Durante um debate entre candidatos, um deles se levanta, pega uma cadeira e agride outro candidato, sob protesto desesperado do moderador que assistia à cena. O caso da “cadeirada” de Datena em Pablo Marçal, políticos que disputaram o cargo de prefeito de São Paulo no primeiro turno deste ano, viralizou no noticiário nacional e foi o 223º caso de violência política registrado neste ano pelo Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).
O caso, ocorrido em 15 de setembro, também foi um dos que contribuiu para que o primeiro turno das eleições municipais de 2024 fosse considerado o mais violento dos últimos 5 anos, de acordo com os dados do Observatório. O Grupo de Investigação Eleitoral (GIEL) acompanha desde 2019 casos de violência política e, entre julho e setembro deste ano, registrou 263 ocorrências, valores superiores aos 212 mapeados em 2022 e aos 124 relatados em 2020.
“O caso da cadeirada teve a repercussão pelas figuras que estiveram por trás do episódio, mas muito mais por ter se dado no município de São Paulo e pela sua centralidade na estrutura política brasileira. No entanto, tivemos outros episódios de agressão dentro de debates em outros municípios. O debate de Teresina também teve algo nesse sentido, em que o Dr. Pessoa deu uma cabeçada no oponente, mais um caso de violência em um momento formal”, acrescentou Miguel Carnevale, pesquisador que atua na coordenação do observatório.
Os casos de agressão representaram quase ¼ do total registrado neste trimestre (64), perdendo apenas para os casos de ameaça (70), que lideraram no período. Além disso, no trimestre que inclui o primeiro turno das eleições (a partir de 16 de agosto), foram contabilizados 15 homicídios e sete homicídios a familiares – o número é similar ao registrado no mesmo período em 2022, em que foram mapeados 16 homicídios e cinco a familiares.
Entre os 15 homicídios registrados, dois foram de candidatas e quase metade deles aconteceu na região Nordeste (7) – seis ocorreram no Sudeste, um no Centro-Oeste e um no Norte, todos eles em cidades do interior dos estados. Entre as vítimas, dois eram candidatos à prefeitura, enquanto 13 pleiteavam um cargo na câmara municipal.
Além das agressões físicas, o relatório mapeou também violências psicológicas, como ameaças e intimidações. Em um dos casos registrados, um candidato a prefeito do município de Mãe d’Água (PB) registrou um Boletim de Ocorrência onde relata ter sido ameaçado por um policial militar armado, que seria filho de um vereador do município. Em outro relato, dois dias depois, uma candidata à prefeitura de Princesa Isabel (PB) usou as redes sociais para denunciar que estava sendo perseguida e intimidada por apoiadores de outro candidato.
Violência de gênero também foi mapeada
Outra categoria de análise do GIEL envolve a chamada violência semiótica, que inclui a invisibilização, a objetificação e a desqualificação. Ao longo do ano foram registrados 26 casos nesse sentido, mas 20 deles foram neste terceiro trimestre que engloba o primeiro turno. Nesse sentido, foram mapeados casos de racismo, misoginia, homofobia, xenofobia e transfobia durante a campanha.
Outros casos de vazamento de vídeos íntimos e montagens eróticas com fotos de candidatas também foram mapeados pelo Observatório. De acordo com o GIEL, essas práticas estão relacionadas à objetificação. “A objetificação sexual e o “slut shaming” têm como objetivo minar a reputação e o caráter de representantes. Reduzir uma mulher a sua aparência física ou comportamento, espalhar imagens e vídeos de teor sexual com a imagem de representantes sem sua autorização (sejam eles falsos ou não, como forma de “revenge porn”) são algumas das práticas possíveis”, explica o grupo.
Em relação à violência política de gênero, a Revista AzMina, o InternetLab e o Núcleo registraram, por meio do projeto MonitorA, casos de violência no interior do país, destacando a inferiorização e misoginia como os ataques mais recorrentes.
Para mapear os casos de violência contra candidatos, o Observatório da Violência Política e Eleitoral realiza um acompanhamento dos veículos de comunicação nacionais, incluindo noticiário de rádio e televisão, jornais e revistas impressos, blogs jornalísticos e demais canais digitais. Os dados são categorizados de acordo com o tipo de violência: física, psicológica, econômica, social e semiótica. O coordenador do observatório explica que, em anos eleitorais, o números de casos cresce gradativamente ao longo do ano e atinge o seu ápice no período de campanha.
“Os casos que aconteceram de agosto para frente, no recorte de dois meses, representam cerca de 60% dos episódios do ano inteiro. Então você tem 60% em um pouco mais de dois meses e os outros 40% dividido nos outros sete. Apesar da gente não conseguir avaliar caso a caso a motivação de violência, esse padrão de crescimento nos leva a crer que tem pelo menos um bloco significativo desse episódio que é político e eleitoralmente muito válido. E esse é um cenário já consolidado nos últimos ciclos eleitorais,”, explica Miguel Carnevale. “Então a gente começou esse ano trabalhando com uma expectativa e o que está acontecendo é um excesso de expectativa, por exemplo, os números que a gente estava projetando já foram superados em duas semanas antes do fim de setembro”, avalia o coordenador que acredita que o ano pode fechar com recorde de casos.
Violência é marco da política brasileira
Carnevale também avalia que os números registram uma manutenção da violência como um marco da política brasileira, visto também que não há uma queda significativa em anos não-eleitorais. “Nos últimos anos que a gente monitorou, nenhum deles finalizou com uma queda significativa de casos. Claro que em anos não eleitorais os registros são menores, mas ainda assim não tivemos nenhum ano com menos de 350 casos, por exemplo. E aí nos anos eleitorais acontece que a gente tá vendo agora que a gente está finalizando o trimestre com mais de 300 casos”, coloca.
Para o pesquisador, não há uma fórmula mágica para o problema, principalmente pela presença do crime organizado na política. No entanto, ele avalia que o tema vem sendo debatido com mais ênfase institucionalmente, principalmente com a criação de comissões parlamentares focadas no tema e, mais recentemente, com a criação do Observatório permanente de combate à violência política anunciado pela presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia.