Em uma das eleições mais tensas e polarizadas da história recente do Equador, Daniel Noboa, da extrema direita ultraliberal, foi declarado vencedor no último domingo (13) com pouco mais de 52% dos votos, derrotando a candidata da esquerda correísta Luisa González, que obteve cerca de 48%. O resultado, no entanto, está longe de representar um ponto final no clima de tensão, já que a campanha presidencial de 2025 foi marcada por um ambiente de medo, instabilidade e intensa circulação de desinformação.
Segundo análise da agência de checagem Ecuador Chequea, conteúdos enganosos, boatos e manipulações circularam com intensidade especialmente nas redes sociais. O fenômeno se intensificou no segundo turno, mas já vinha se consolidando como uma tática recorrente desde as primeiras fases do processo eleitoral.
A desinformação se tornou uma ferramenta de ataque sistemático entre candidaturas e também de distorção sobre temas centrais do debate político, como segurança pública, economia e liberdade religiosa.
A investigação da Ecuador Chequea revelou que boa parte das peças desinformativas não apenas exagerava ou deturpava falas de candidatos, mas também criava fatos do zero — como vídeos manipulados, imagens fora de contexto e alegações falsas sobre o passado ou alianças políticas dos concorrentes.
A candidata Luisa González foi alvo de conteúdos que a vinculavam a grupos criminosos, como narcotraficantes, sem qualquer comprovação. Outro exemplo foi a narrativa de que Daniel Noboa seria apoiado por “seitas religiosas estrangeiras” ou estaria envolvido com interesses ocultos do empresariado internacional.
Redes sociais como vetor da desinformação nas eleições do Equador
Ainda de acordo com a Ecuador Chequea, as redes sociais com maior incidência de desinformação foram Facebook, TikTok e WhatsApp, sendo esta última especialmente difícil de monitorar devido ao caráter fechado das mensagens.
A circulação era alimentada por influenciadores digitais, contas automatizadas e usuários comuns que compartilhavam conteúdos sem checagem. A agência identificou um padrão de disseminação com elementos típicos de campanhas coordenadas, que incluíam horários de postagem sincronizados e repetição de narrativas específicas.
Outro dado importante destacado pela agência de checagem é que a desinformação não se limitou a ataques pessoais ou partidários, mas também mirou diretamente a confiança nas instituições democráticas.
Circularam vídeos e mensagens alegando que o sistema de votação estava sendo fraudado, que havia manipulação de urnas e que o Conselho Nacional Eleitoral estaria favorecendo um dos lados. Essas estratégias, segundo a agência, minaram ainda mais a já frágil credibilidade do processo eleitoral e alimentaram a polarização social em um momento de alta tensão no país.
Soma-se a isso as acusações feitas por Luíza González de fraude e interferências no processo eleitoral e não cumprimento, por parte de Daniel Noboa, da exigência constitucional de se afastar do cargo durante o período de campanha. Nesta terça-feira (15), as alegações de fraude foram rejeitadas por representantes da União Europeia que acompanharam as eleições do último domingo.
O impacto da Inteligência Artificial
Análises também identificaram que o aumento da desinformação nas eleições do Equador se deu, em grande parte, pela sofisticação do uso de ferramentas de inteligência artificial. De acordo com levantamento da EFE Verifica, circularam conteúdos manipulados por IA que envolviam desde imagens falsas dos candidatos em situações controversas até áudios e vídeos com declarações inventadas.
A agência identificou que o uso de deepfakes e imagens geradas por IA se intensificou especialmente na reta final da campanha, com o objetivo de confundir eleitores e desacreditar adversários.
Essa informação é corroborada pelos dados da Lupa Media, que apontam que, apenas entre os dias 11 e 13 de abril — período decisivo do segundo turno — foram identificadas 32 peças de desinformação viralizadas, sendo 11 delas com indícios claros de uso de IA para alterar ou gerar conteúdos visuais e sonoros.
Ainda segundo a agência, 23% de todo o conteúdo viral identificado como desinformação apresentou elementos gerados por inteligência artificial, variando de deepfakes de áudio a imagens manipuladas digitalmente. A recorrência desse tipo de estratégia, segundo as entidades de monitoramento, revela não só a baixa regulação sobre o uso de IA em contextos eleitorais no país, mas também a fragilidade da alfabetização midiática entre os eleitores equatorianos.
Diferenças identificadas nos padrões de desinformação
Matéria do Observatorio Interuniversitario de Medios Ecuatorianos revelou que os padrões de desinformação direcionados a Daniel Noboa e Luisa González seguiram lógicas distintas ao longo da campanha.
Alfredo Velazco, diretor da organização de direitos digitais Usuarios Digitales, em entrevista ao observatório, explicou que, no caso de Noboa, predominam vídeos não autênticos criados inteiramente com inteligência artificial, frequentemente promovidos por sites desconhecidos ou agências estrangeiras contratadas. Segundo ele, “centenas de milhares de dólares foram gastos aqui em publicidade, inclusive com recursos públicos”.
Já os ataques a González foram mais sofisticados: envolveram clonagem de voz, deepfakes e disseminação por meios considerados inautênticos ou alinhados ao governo. “Até jornalistas e comunicadores tendenciosos contra o correísmo os publicam como se fossem notícias reais. Não é o caso dos vídeos manipulados de Noboa, que apenas permanecem no noticiário”, enfatizou Velazco.
Aliança contra a desinformação nas eleições do Equador
Para enfrentar a avalanche de conteúdos enganosos durante o processo eleitoral, foi criada em 2024 a aliança #UnVotoContraLaDesinformación, formada por organizações como Observatório Equatoriano Interuniversitário de Mídias (Oime, na sigla em espanhol), Usuarios Digitales, Lupa Media e a Universidade San Francisco. A iniciativa teve como objetivo monitorar, desmentir e conscientizar a população sobre a desinformação nas redes durante as eleições deste ano, promovendo o voto informado e a integridade do processo democrático.