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abr 1, 2024 | pontos de vista

Ditadura não é mentira nem coisa do passado

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No dia 31 de março de 1964, o Brasil vivia um dos eventos mais marcantes e trágicos de sua história recente: o golpe militar que instaurou um regime ditatorial que duraria mais de duas décadas. 60 anos depois, é crucial refletir não apenas sobre o episódio em si, mas também sobre suas consequências e formas de enfrentamento ao legado deixado por esse período sombrio.

A desinformação, entendida como a disseminação deliberada de informações falsas ou enganosas, desempenha um papel significativo na maneira como a sociedade compreende e se relaciona com o passado. No contexto do golpe militar de 1964, a narrativa oficial do regime ditatorial moldou, durante muito tempo, a percepção pública dos eventos da época. A censura, o aparelhamento de setores da imprensa e a repressão à liberdade de expressão foram, inclusive, ferramentas amplamente utilizadas para controlar as informações circulantes, interditar o debate público e suprimir qualquer forma de dissidência.

Desde a redemocratização, em 1985, setores da sociedade têm lutado para confrontar nosso passado autoritário e construir uma memória coletiva que reconheça as atrozes violações de direitos humanos cometidas durante a ditadura. No entanto, a desinformação tem sido um obstáculo significativo nesse processo. Mitos e versões fantasiosas dos eventos persistem, normalmente alimentados por agendas políticas conservadoras, reacionárias, que buscam reescrever a história e eximir de culpa aqueles que perpetraram horrores contra cidadãs e cidadãos brasileiros.

O golpe militar, ao contrário da versão que muitos tentam emplacar, não foi um movimento necessário para proteger o Brasil do comunismo e restaurar a ordem. Foi única e exclusivamente uma insurreição liderada por militares, com anuência de potências internacionais e apoio de parte do empresariado, parcela da sociedade e setores da imprensa, para tomar o poder e sufocar as lideranças políticas que buscavam construir um país mais igualitário e com menos privilégios.

A versão falaciosa do “movimento necessário”, como se não bastasse, ignora os horrores que marcaram o período que, sem dúvidas, foi o mais tenebroso da história recente do país. Sob a ditadura, o Brasil se viu mergulhado em um cotidiano de perseguições políticas, prisões arbitrárias, torturas violentas, assassinatos covardes, além dos escandalosos casos de corrupção e episódios de submissão a governos internacionais que destruíram o país.

Essas falsidades não apenas distorcem a compreensão do passado, como insultam a memória daqueles que sofreram com a repressão do regime e, ainda mais grave, permitem que novas tentativas de ruptura democrática aconteçam sob certa relativização de parte da sociedade. O 8 de janeiro de 2023 é um bom exemplo disso.

Em um momento em que a informação se espalha rapidamente, é absolutamente crucial que a população tenha acesso a fontes confiáveis e que governos e Estado sejam capazes de conter a disseminação de conteúdos falsos. Uma educação sólida e crítica, aliada a políticas públicas modernas e efetivas são essenciais para uma compreensão mais profunda do passado e uma construção mais assertiva do presente.

Somente assim, investigando abertamente as páginas da nossa história e lidando coletivamente com os desafios da contemporaneidade é que seremos capazes de construir uma sociedade mais justa, democrática e bem informada.

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Giuliano Galli

Giuliano Galli é jornalista e mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Coordena a área de Jornalismo e Liberdade de Expressão do Instituto Vladimir Herzog, onde é o responsável pela Rede Nacional de Proteção de Jornalistas e Comunicadores. É especialista em jornalismo comunitário, comunicação popular e nas demais formas de exercício do direito às liberdades de imprensa e de expressão.

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