O Brasil entrou na semana da Independência dividido entre dois acontecimentos centrais para o futuro político do país: o recomeço, em 2 de setembro, do julgamento de Jair Bolsonaro e aliados no Supremo Tribunal Federal (STF) e as manifestações de 7 de setembro, em diversas cidades do país. Em comum, ambos os episódios foram marcados por narrativas da extrema-direita que buscam defender o ex-presidente e pedir anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro.
De acordo com o monitoramento do Instituto Democracia em Xeque (DX), a disputa não se restringiu às ruas ou ao plenário do Supremo: ela se desenrolou, sobretudo, nas redes sociais, em polos opostos.
De um lado, a direita promoveu a hashtag #ReajaBrasil, associando o 7 de Setembro à resistência contra as instituições, enquanto defende os acusados do 8 de janeiro de 2023 como vítimas de perseguição política, sob o mote #AnistiaJá. Do outro, a esquerda procurou ressignificar os símbolos nacionais com o lema “Povo Soberano” e impulsionou a palavra de ordem #SemAnistia, exigindo punições exemplares para preservar a democracia.
No centro dessa disputa simbólica está a própria imagem de Jair Bolsonaro: para seus apoiadores, um “mártir” injustiçado; para seus opositores, um “traidor” da nação cuja responsabilização é condição para reafirmar a soberania popular.
O julgamento e a narrativa da “perseguição”
Alvo de acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR) por ter participado da preparação de um plano para permanecer no poder à força, o ex-presidente Jair Bolsonaro já está inelegível desde 2023, em decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) relacionada à disseminação de desinformação durante sua campanha, e agora enfrenta o risco de ser condenado em um processo que pode consolidar sua responsabilização pelos ataques à democracia.
O monitoramento do DX identificou que o julgamento ganhou forte visibilidade digital especialmente no YouTube (25,8% do debate) e no X, antigo Twitter (12,6%), superando outras pautas políticas em circulação. Nesses espaços, o campo conservador concentrou a maior parte da produção de conteúdo e do engajamento, impulsionando as narrativas de perseguição política, ataques ao STF e a defesa de Bolsonaro como um “mártir” injustiçado.
A hashtag #FreeBolsonaro circulou amplamente, acompanhada de críticas ao ministro Alexandre de Moraes e de teses de que haveria uma “ditadura do judiciário”.
As manifestações de 7 de setembro na Avenida Paulista refletiram esse discurso. Estimadas em 42,2 mil pessoas, segundo metodologia da USP, reuniram lideranças políticas e religiosas ligadas ao bolsonarismo, entre elas os deputados Sóstenes Cavalcante (PL/RJ) e Marco Feliciano (PL/SP), a ex primeira-dama Michelle Bolsonaro, o pastor Silas Malafaia e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
No palanque, Sóstenes reafirmou a centralidade do pedido de anistia: “Nós estamos aqui hoje para dizer que vamos lutar por anistia, por liberdade de expressão. Nós vamos lutar pela liberdade da imprensa que aqui está, que já está sendo emudecida. Nós vamos lutar por liberdade religiosa. Alexandre de Moraes, você é um violador de direitos humanos e comete crime no Brasil reiteradamente”, disse o líder do PL na Câmara.
A proposta de anistia articulada por aliados de Jair Bolsonaro no Congresso ainda não foi protocolada, mas prevê o perdão a todos os condenados, processados ou investigados desde 14 de março de 2019, data que marcou a abertura do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal (STF).
O governador Tarcísio de Freitas também reforçou a narrativa conservadora ao afirmar que Bolsonaro estaria sendo julgado “sem provas”. A fala, no entanto, contrasta com o relatório da PGR, que reúne mais de 500 páginas de evidências – entre manuscritos, agendas e anotações apreendidas, além da chamada “minuta do golpe” – que indicam o envolvimento direto do ex-presidente na tentativa de ruptura institucional.
A checagem feita pela Agência Lupa destacou que o documento assinado pelo procurador-geral Paulo Gonet conclui que Bolsonaro tinha pleno conhecimento e participou da preparação do golpe. Em um dos trechos, a PGR registra: “O discurso encontrado na sala de Jair Messias Bolsonaro reforça o domínio que este possuía sobre as ações da organização criminosa, especialmente sobre qual seria o desfecho dos planos traçados — a sua permanência autoritária no poder, mediante o uso da força”.
A disputa pelos símbolos nacionais
A crise aberta pelo “tarifaço” imposto pelo governo Trump acentuou a disputa ideológica em torno dos símbolos nacionais. Se durante os anos de Bolsonaro a bandeira do Brasil se tornou sinônimo de bolsonarismo, hoje há um esforço de progressistas e do governo Lula para ressignificá-la, associando-a à democracia e à soberania popular.
Na Avenida Paulista, durante as manifestações pró-Bolsonaro no 7 de setembro, uma bandeira gigante dos Estados Unidos foi exibida. Monitoramento da Palver em grupos de mensageria mostrou que apoiadores mencionam os EUA como um possível ator de pressão internacional sobre o julgamento.

A cena foi duramente criticada por setores progressistas, que reagiram apontando contradição no discurso dos que se autodenominam “patriotas” ao enaltecerem um símbolo estrangeiro.
Análise do DX sobre a repercussão do 7 de setembro nas redes sociais confirma que o vocabulário cívico também virou campo de disputa política. De um lado, progressistas passaram a empunhar termos como “soberania” e “pátria” para associá-los à justiça social e ao pertencimento democrático. Do outro, a direita deslocou sua retórica para a “liberdade” e o confronto com as instituições.