O país assistiu abismado, na última semana, um jovem de 16 anos entrar em duas escolas no interior do Espírito Santo, atirar e matar quatro pessoas, além de ferir outras doze. Esse é o terceiro caso apenas neste ano, de acordo com o levantamento do Instituto Sou da Paz. O detalhe que deixa o caso ainda mais alarmante é que o atirador vestia uma roupa militar e uma braçadeira com uma suástica, símbolo nazista. E essa exaltação ao regime não é um caso isolado e está sendo alimentada pelas redes sociais e aplicativos de mensagens, além de outros discursos extremistas e criminosos que circulam sem freio.
“O Brasil vive uma epidemia de neonazismo”, destacaram Michel Gherman e Anita Efraim em recente texto publicado na revista Piauí. Nesta semana uma escola em Contagem, Minas Gerais, foi invadida e pichada com o nome de Hitler e suásticas. No início do mês, uma escola em Valinhos, São Paulo, expulsou oito alunos após proferirem ataques racistas com referências a Hitler em um grupo de WhatsApp. Em outubro, uma criança foi vestida de Hitler para uma festa à fantasia na escola.
(Reprodução G1)
No ano passado, Fabiano Kipper Mai, que tinha 18 anos, invadiu uma creche em Saudades, Santa Catarina, e matou três crianças e duas professoras. Investigações desse caso revelaram células nazistas no Rio de Janeiro.
“O que esses jovens estão fazendo, na cabeça deles, é evitar a tragédia. Eles são do bem e nós todos, o resto, que não são eles, não conhecem a verdade. Então o que está acontecendo agora é efetivamente produto do que foi preparado, do que foi gestado durante os últimos seis anos, na melhor das hipóteses”, disse Michel Gherman, professor de Sociologia da UFRJ e pesquisador do Centro de Estudos do Antissemitismo da Universidade Hebraica de Jerusalém, em entrevista ao Instituto Conhecimento Liberta ao falar do caso do Espírito Santo.
O Núcleo Jornalismo fez um monitoramento e encontrou pelo menos 46 canais neonazistas no Telegram, destacando a falta de moderação na plataforma e os espaços em que esse discurso ganha forma e se prolifera livremente.
Além de serem locais de compartilhamento desses discursos de ódio e contato com eles, as plataformas também se tornaram espaços de “aprendizado” para algumas práticas. O atirador do Espírito Santo, por exemplo, afirmou à polícia ter se preparado para o ataque por meio de vídeos na internet, especificamente no YouTube.
“É fundamental que elas [as plataformas] se comprometam não só com conteúdos e práticas adequadas à infância, mas que também adequem suas estruturas ao melhor interesse de crianças e adolescentes. Ou seja, que não promovam ilegalidades como a da publicidade infantil, que não capturem seus dados pessoais e que não promovam dinâmicas e práticas de uso abusivas que provoquem, entre outras coisas, o uso desenfreado, o consumismo ou o sofrimento emocional e psicológico”, destacou Gabriel Salgado, coordenador do Matricial Educação do Instituto Alana.
O QUE DIZEM AS PLATAFORMAS
O *desinformante entrou em contato com o YouTube para questionar se há alguma limitação de vídeos para menores de idade e se há alguma política em relação a isso. A plataforma retornou destacando sua política relacionada a discurso de ódio que proíbe conteúdo que promova violência ou ódio contra indivíduos ou grupos e a proibição de conteúdo que apoie, promova ou ajude organizações criminosas violentas. A rede ainda pontuou que gravações explícitas ou polêmicas podem estar sujeitas à adição de restrições de idade, limitando o acesso dos usuários menores de 18 anos. Veja a nota na íntegra ao fim da matéria.
Em relação ao mesmo tema, a plataforma de vídeos curtos TikTok ainda não respondeu nossos questionamentos. A Meta indicou em resposta ao *desinformante as ações que possuem para a segurança das crianças e adolescentes. No Instagram, foi elencada a ‘Central da Família’, em que “adolescentes podem propor que os pais supervisionem a conta deles”.
“Queremos que, em nossa plataforma, os jovens desfrutem de uma experiência sobre a qual tenham controle e que não comprometa a privacidade, a segurança e o bem-estar deles. Estamos sempre escutando os jovens, pais, legisladores e especialistas de modo a criar aplicativos e recursos que funcionem para os jovens e sejam dignos da confiança dos pais”, destaca o Facebook em sua seção de segurança infantil.
O professor Gherman defendeu que o cenário atual foi gestado nos últimos anos, com o crescimento de discursos extremistas que, invariavelmente, são repassados às crianças muitas vezes pela própria família.
No caso do Espírito Santo, o adolescente usou as armas do pai, que é policial militar, para assassinar as vítimas. Ele também ganhou do genitor, de acordo com o delegado responsável pelo caso, o livro “Minha Luta”, escrito por Hitler em 1923 para disseminar suas ideias antissemitas que se tornam a base do regime nazista.
Para Salgado, a solução perpassa o ambiente escolar. “Em contraposição a discursos de ódio e de violência, precisamos promover a paz de maneira intencional por meio de práticas educativas onde a pluralidade de perspectivas tenha espaço”, destacou o coordenador do Matricial Educação do Instituto Alana. “Uma das alternativas para isso é promover reflexões a partir de interesses dos próprios estudantes, seja abordando um tema a partir de seus questionamentos, angústias e frustrações, seja convidando-os a protagonizarem projetos em que se reconheçam a partir de suas culturas e territórios e se corresponsabilizem com soluções para problemas que estejam impactando a eles e à sociedade em que estão inseridos”, acrescentou.
Na sua entrevista ao Instituto Conhecimento Liberta ao falar do caso do Espírito Santo, Michel Gherman defende que é preciso, no caso do Brasil, o combate e a repressão a essas práticas e discursos, além do diálogo com essas pessoas. O professor também acredita que é necessária uma reeducação política no país.
Coordenadora de comunicação do Instituto Palavra Aberta, Mariana Mandelli acredita que a educação midiática é necessária na construção da cidadania para o mundo conectado. “Ela obviamente abrange a ideia de educação para a paz, valorizando o desenvolvimento de valores basilares para a convivência democrática, como a empatia e o respeito a opiniões e posicionamentos diversos”.
Sem exposição à diversidade, não há como crianças e jovens refletirem e desenvolverem uma visão de mundo inclusiva e empática, e “isso pode ser impulsionado, por exemplo, por meio da criação e análise de mídias e informações na escola, incentivando o debate sobre representação e representatividade dentro de uma concepção de educação para a democracia. É preciso lembrar que ódio não é opinião e intolerância de qualquer tipo também não”, conclui Mandelli.
Nota do YouTube na íntegra
“O YouTube possui uma política específica relacionada a discurso de ódio que proíbe conteúdo que promova violência ou ódio contra indivíduos ou grupos com base em determinados atributos, entre eles a orientação sexual e identidade e expressão de gênero. Consideramos incitações implícitas à violência como ameaças reais, e elas não são permitidas no YouTube.
Também não é permitido publicar conteúdo que apoie, promova ou ajude organizações criminosas violentas. Essas organizações não podem usar o YouTube para nenhuma finalidade, incluindo recrutamento. Da mesma forma, vídeos enaltecendo figuras terroristas ou criminosas, ou atos realizados por eles e suas organizações, não são permitidos no YouTube. A proibição se estende para símbolos, emblemas ou logotipos utilizados por essas pessoas ou organizações.
Possuímos, ainda, uma política contra conteúdo violento ou explícito, que não permite a apresentação de conteúdo violento ou explícito com o objetivo de chocar ou causar repulsa nos espectadores, nem material que incentive as pessoas a cometerem atos violentos.
Se um vídeo com conteúdo sensível apresentar fins educacionais, documentais, científicos ou artísticos e fornecer informações e contexto suficientes, ele poderá ser mantido na plataforma a título de exceção, de acordo com nossas regras. Além disso, gravações explícitas ou polêmicas podem estar sujeitas à adição de restrições de idade, limitando o acesso dos usuários menores de 18 anos.
As políticas são aplicáveis a vídeos, descrições, comentários, transmissões ao vivo e qualquer outro produto ou recurso do YouTube. Essas políticas também se aplicam a links externos do conteúdo. Isso pode incluir URLs clicáveis, direcionamento verbal dos usuários para outros sites no vídeo, entre outros.
Aplicamos nossas regras de forma consistente em todo o conteúdo publicado no YouTube, independentemente de quem seja o criador e disponibilizamos informações sobre remoção no nosso Relatório de Transparência, atualizado trimestralmente e que traz recortes sobre o motivo dessas remoções.”