O uso de ferramentas de inteligência artificial como fonte de informação já é uma realidade no Brasil. Segundo a edição 2025 da pesquisa Desigualdades Informativas: Entendendo os hábitos de consumo de informação dos brasileiros, do Aláfia Lab, quase 10% da população (9,7%) afirma recorrer a sistemas de IA, como o ChatGPT, para se informar. O percentual é praticamente o mesmo registrado para jornais impressos (9,5%) e superior ao das revistas (5,8%), indicando uma mudança relevante na forma como os brasileiros acessam conteúdos informativos.
Nesta edição, o levantamento incorporou novas categorias de resposta, como boletins de notícias e newsletters, que aparecem com 12,2% das menções, à frente das revistas e dos jornais impressos. Segundo o próprio relatório, esse movimento “sinaliza uma reconfiguração gradual do ecossistema informativo, no qual fontes digitais, personalizadas e sob demanda passam a ocupar o espaço antes dominado pelos veículos tradicionais”.
O avanço do uso de IA para informação, no entanto, não ocorre de forma homogênea. A pesquisa mostra que a adoção dessas ferramentas é maior entre pessoas de renda mais elevada: 17,2% entre quem recebe acima de dez salários mínimos e 16,9% entre aqueles com renda entre cinco e dez salários mínimos. Entre os brasileiros que ganham até um salário mínimo, o índice cai para 7,9%. Já no recorte de gênero, a diferença é menos expressiva, com 10% dos homens e 9,4% das mulheres afirmando usar chats de IA para se informar.
O que o uso da IA para se informar revela
Na avaliação da coordenadora de Pesquisa do Aláfia Lab, Vivian Peron, os dados apontam menos para uma substituição imediata de meios e mais para a emergência de uma nova lógica de busca por informação. Para a pesquisadora, a presença da inteligência artificial na rotina informativa indica uma mudança significativa nos modos de acesso ao conhecimento, marcada pela expectativa de respostas rápidas, organizadas e adaptadas às demandas individuais dos usuários.
Segundo Vivian Peron, a incorporação dessas ferramentas responde a um ambiente informacional cada vez mais saturado, no qual tempo e atenção se tornaram recursos escassos. “Há uma demanda muito clara por síntese, rapidez e personalização”, afirma.
Diferentemente dos buscadores tradicionais, baseados em palavras-chave e na navegação por links, as IAs generativas entregam respostas sintetizadas a partir de uma pergunta direta, no formato solicitado pelo usuário, criando uma experiência mais conversacional.
O avanço, no entanto, traz riscos importantes. Vivian Peron lembra que estudos acadêmicos e as próprias empresas de tecnologia reconhecem que as IAs generativas podem falhar e distorcer informações, fenômeno conhecido como “alucinação”.
Além disso, o formato de diálogo e a simulação de uma interação humanizada tendem a reforçar a percepção de neutralidade e confiabilidade das respostas. “Isso aumenta a convicção do usuário de que a informação é real, mesmo quando ela é parcial ou falsa”, alerta. Nesse cenário, a pesquisadora avalia que o uso indiscriminado dessas ferramentas pode ampliar a desinformação e fragilizar a noção de realidade compartilhada.
Plataformas no centro da informação
O estudo do Aláfia Lab revelou que em 2025 as plataformas digitais seguiram ocupando uma posição central na mediação da informação no Brasil (53,5%), praticamente empatadas com a televisão (52,5%). Os sites e portais jornalísticos mantêm a terceira posição (39,7%), enquanto os aplicativos de mensagens, como WhatsApp e Telegram, registraram o crescimento mais expressivo do período, passando de 21,5% em 2024 para 28% em 2025.
Para a coordenadora de projetos do Aláfia Lab, Ellen Guerra, a centralidade das plataformas digitais traz desafios diretos para o direito à informação. Ela destaca que, desde as primeiras edições do Desigualdades Informativas, as redes sociais se consolidaram como o ambiente preferido dos brasileiros para se informar, mas que operam sob uma lógica pouco transparente. “Os conteúdos são organizados por sistemas que priorizam engajamento, não qualidade, diversidade ou relevância”, afirma.

Ao observar a frequência mais ampla de uso, a pesquisa identifica um avanço consistente das plataformas audiovisuais. O YouTube chegou a 24,5% em 2025, superando os 23% registrados no ano anterior, enquanto o TikTok apresentou crescimento mais acentuado, saltando de 6,5% para 10%.
No mesmo período, o Instagram reforçou sua posição como a plataforma de maior penetração informativa, ao passar de 68,8% para 72,9%. O Facebook também teve leve aumento, enquanto o X (antigo Twitter) voltou a perder espaço, confirmando uma trajetória de retração. Para o relatório, esse movimento evidencia a consolidação de um ecossistema informacional cada vez mais orientado por formatos audiovisuais e por dinâmicas de forte apelo algorítmico.
Segundo Ellen Guerra, essa dinâmica tende a aprofundar assimetrias informacionais, ao dar visibilidade a determinados discursos e invisibilizar outros. Ela acrescenta que “faltam transparência, critérios públicos de priorização e compromisso com o interesse coletivo” pelas plataformas digitais, o que, em sua avaliação, torna esse cenário um ponto crucial nos debates sobre a regulação das plataformas.
Desigualdades no acesso à informação
Com base em 1.512 entrevistas realizadas em 24 e 25 de novembro de 2025, a pesquisa evidencia um acesso desigual à informação no Brasil, marcado por diferenças de consumo associadas a fatores como gênero, renda, idade, raça, religião e escolaridade, e revela trajetórias informativas distintas moldadas por tais fatores.
“As desigualdades informativas não são apenas sobre o que as pessoas consomem, mas sobre quem tem acesso a fontes diversas, como os conteúdos chegam até elas e sob quais regras invisíveis essa mediação acontece”, explica Ellen Guerra.
Entre os comportamentos observados, a pesquisa aponta que as pessoas estão seguindo menos os perfis de amigos, familiares e conhecidos em redes sociais, ao mesmo tempo em que cresceu o consumo de conteúdos produzidos por influenciadores e perfis de humor. No Instagram, páginas desse tipo aparecem como o segundo grupo mais seguido (50%), atrás apenas de pessoas conhecidas (71,9%) e à frente dos influenciadores digitais tradicionais (45,8%).
Já os dados sobre gênero revelam que mulheres tendem a priorizar o Instagram e páginas que mesclam informação e entretenimento para se informar, enquanto homens demonstram maior preferência por veículos jornalísticos tradicionais. Ainda assim, o G1 aparece como o perfil jornalístico mais acessado por ambos os gêneros, com engajamento ligeiramente maior entre as mulheres (65,9%) do que entre os homens (59%).
Já entre os jovens, o deslocamento para plataformas audiovisuais se intensifica: o TikTok se consolida como uma das principais fontes de informação, enquanto o X perde espaço de forma acentuada nas faixas de 18 a 24 e de 25 a 34 anos.
No campo político, o levantamento também identifica padrões distintos de consumo conforme o espectro ideológico, com maior dependência de plataformas e canais fechados entre pessoas de direita e extrema-direita, ampliando a fragmentação dos ecossistemas informativos.
O que os dados ajudam a compreender
Realizado desde 2023, o Desigualdades Informativas conforma uma série histórica de acompanhamento dos caminhos informacionais no Brasil. Inicialmente focada em variáveis como gênero, raça, idade e renda, a pesquisa incorporou, em 2024, o posicionamento político dos respondentes e, em 2025, passou a incluir também escolaridade e religião.
“Compreender mais profundamente o modo como o brasileiro organiza sua dieta informativa é importante para traçar políticas públicas mais alinhadas com a realidade”, afirma o codiretor executivo do Aláfia Lab, Rodrigo Carreiro. Segundo ele, o estudo oferece subsídios concretos nesse sentido e pode orientar estratégias de enfrentamento à desinformação em um ambiente marcado por rápidas mudanças tecnológicas e informacionais.
Carreiro também concorda com Ellen Guerra ao avaliar que os dados são centrais para o debate sobre a regulação das plataformas digitais, ao evidenciar o peso que esses ambientes passaram a ter na formação de opiniões. “Sobretudo, [o estudo] ajuda a jogar luz sobre como os brasileiros formam suas opiniões. De certa forma, compreender essas nuances é compreender o Brasil e sua relação com os meios de comunicação”, diz.
