Início 9 Destaques 9 Do dado à denúncia: curta retrata a violência política de gênero no Brasil

Últimas notícias

abr 9, 2025 | Destaques, Notícias

Do dado à denúncia: curta retrata a violência política de gênero no Brasil

COMPARTILHAR:

Retratar as violências políticas de gênero enfrentadas por candidatas e mulheres eleitas no Brasil é o foco do curta-metragem Assumindo as narrativas, que teve sua pré-estreia online na tarde desta terça-feira (08). Dirigido por Michelle Chevrand, o filme é inspirado no MonitorA — observatório de violência política de gênero online desenvolvido pelo InternetLab, Instituto AzMina, Núcleo Jornalismo e o Laboratório de Humanidades Digitais da UFBA.

Antes da exibição, o público acompanhou um bate-papo exclusivo com representantes das organizações envolvidas na iniciativa e personagens centrais da produção. Participaram da conversa Michelle Chevrand (diretora do curta), Joyce Trindade (vereadora eleita no Rio de Janeiro em 2024) Clarice Tavares (diretora do InternetLab), Andrea Arauz (coordenadora de produção da Video Consortium/SSP) e Ana Carolina Araújo (gestora de Programas e Projetos do Instituto AzMina). A mediação ficou por conta de Catharina Vilela, coordenadora de pesquisa do InternetLab.

O curta acompanha a rotina de mulheres que enfrentam cotidianamente diferentes formas de violência política: Joyce Trindade, candidata a vereadora do Rio de Janeiro em 2024; Benedita da Silva, deputada federal pelo estado do Rio de Janeiro; e Erika Hilton, deputada federal por São Paulo. Também participam Carmen Silva e Marina Bragante, ambas candidatas a vereadoras por São Paulo em 2024.

O MonitorA como inspiração

A dimensão estrutural — e interseccional — da violência política de gênero é o que o MonitorA tem evidenciado ao longo dos três últimos ciclos eleitorais. Os dados coletados pelo observatório revelam que, enquanto os homens são majoritariamente criticados por suas ações ou posturas políticas, as mulheres são atacadas por sua identidade: por serem mulheres, negras, trans, periféricas. A violência, nesses casos, não se volta contra o que elas fazem, mas contra quem elas são.

Foi a partir dessas constatações que as organizações responsáveis pelo MonitorA, em parceria com a Skoll Foundation e a Video Consortium, conceberam o curta-metragem Assumindo as narrativas.

O objetivo, segundo Clarice Tavares, diretora do InternetLab, é ampliar o alcance do debate sobre violência política de gênero para além dos círculos acadêmicos e institucionais. “O filme tem um potencial narrativo de impacto muito importante, que alcança públicos distintos dos que a gente acessa quando publica relatórios e matérias”, afirmou. 

Tavares ressalta que traduzir os dados do MonitorA em vivências concretas foi um passo essencial para demonstrar como essa violência opera, impacta e se reproduz. Ela também aproveitou para denunciar os desafios crescentes no monitoramento dessas dinâmicas, sobretudo diante do novo contexto das plataformas digitais. “As plataformas estão cada vez mais fechadas e restritivas quanto ao acesso a dados, o que impacta diretamente no nosso trabalho de entender como as dinâmicas de violência operam e são reiteradas”, alertou.

Diferentes trajetórias, a mesma resistência

Segundo a diretora Michelle Chevrand, a escolha das personagens buscou representar diferentes momentos da trajetória política feminina: “Uma que estivesse começando a carreira política [Joyce], uma que estivesse já trilhando o seu percurso político [Érika] e uma na vanguarda da política [Benedita]”.

Chevrand explicou que o objetivo foi mostrar, na prática, como as manifestações de violência atingem mulheres independentemente do tempo de atuação, da posição hierárquica ou da filiação política. Segundo ela, a proposta era retratar as personagens como protagonistas de suas próprias histórias, sem revitimizá-las na narrativa do curta.

Essa escolha se reflete de forma clara na linguagem do filme. Ao longo dos 15 minutos de duração, Assumindo as narrativas rompe com convenções tradicionais do documentário — não há narração nem perguntas conduzindo os depoimentos. Em vez disso, o curta aposta em uma estrutura que dá centralidade total às vozes das protagonistas.

Imagens de suas práticas políticas no cotidiano são entremeadas por trechos de entrevistas intimistas, nas quais elas compartilham as motivações que as mantêm na luta, os impactos das violências sofridas e a forma como suas origens e trajetórias pessoais moldam seus projetos políticos. É nesse equilíbrio entre o íntimo e o institucional que o filme se desenvolve, deixando que as mulheres falem por si — e isso, por si só, já é um gesto político.

A violência é interseccional

A vereadora Marielle Franco é mencionada logo nos primeiros minutos de Assumindo as narrativas. Segundo a diretora Michelle Chevrand, o assassinato de Marielle, em 14 de março de 2018, simboliza o limite extremo a que a violência política de gênero e raça pode chegar no Brasil — um marco trágico que continua a ecoar no imaginário político e social do país.

A escolha de Joyce Trindade como uma das protagonistas do curta também carrega esse peso simbólico. Joyce iniciou sua trajetória política como voluntária na eleição municipal de 2016, que culminou na histórica vitória de Marielle Franco para a Câmara do Rio de Janeiro, com a quinta maior votação daquele pleito. “Joyce representa o legado da Marielle, e esse aspecto é fundamental para o filme”, destacou Chevrand. Ao posicionar essa trajetória em primeiro plano, o curta constrói uma linha de continuidade entre diferentes gerações de mulheres negras na política, sublinhando o que persiste — e o que resiste.

Mais do que uma homenagem, a menção a Marielle atua como um fio condutor que tensiona a narrativa e alerta para o presente: a violência política de gênero não é uma exceção nem pertence ao passado. De ataques coordenados nas redes à disseminação de desinformação e ameaças explícitas, o documentário expõe como o Brasil segue sendo um terreno hostil para mulheres que ousam ocupar espaços de poder, especialmente quando são negras, periféricas ou LGBTQIA+.

Onde assistir

O curta ainda não está disponível ao público, pois será submetido a festivais de cinema. No entanto, exibições privadas podem ser organizadas por comunidades, organizações ou coletivos interessados. Para isso, é possível entrar em contato com o InternetLab, o Instituto AzMina ou diretamente com Andrea Arauz, da Video Consortium, pelo e-mail: [email protected].

COMPARTILHAR: