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Pontos de vista

Helton Nobre

mar 11, 2024 | pontos de vista

Crianças viram produto nas redes sociais

Helton Nobre
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Que a presença de crianças e adolescentes nas redes é um risco todos já sabem, ou deveriam saber, mas muitas pessoas ainda não compreendem a gravidade disso.

Algumas pessoas com mais de 30 anos ainda enxergam as plataformas, como o Instagram, como um álbum de fotos, e nada poderia ser mais ingênuo que isso. 

Hoje as redes funcionam como grandes shoppings centers virtuais onde se comercializa de tudo, de brigadeiros artesanais a motocicletas, passando por sabão caseiro a joias e, pasmem , crianças. Sim, com apenas 3 ou 4 cliques qualquer pessoa consegue chegar em um perfil do Instagram que comercializa imagens e vídeos de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes e daí é um pulo para conseguir cometer crimes e até tráfico humano. 

Tudo o que está nas redes sociais pode ser comercializado, por isso não é recomendado que menores de 13 anos estejam em nenhuma delas, inclusive no Whatsapp. Mas essa informação não basta para que pais e cuidadores protejam as imagens das crianças pelas quais têm responsabilidade legal. Mesmo que a criança não tenha redes, os pais colocam fotos em suas redes abertas, ou seja, públicas, que qualquer uma das 6 bilhões de pessoas que acessam a internet podem ver. 

Em meu trabalho educativo para a erradicação da violência sexual perdi a conta de quantos perfis já denunciei que existem, exclusivamente, com imagens e vídeos de crianças e adolescentes postadas em páginas de familiares. Hoje os criminosos não precisam se dar ao trabalho de produzir imagens, eles simplesmente copiam dos perfis de familiares ou das próprias crianças porque, no afã de ter uma filha ou filho famoso, muitos pais não se importam em os expor. Segundo uma matéria recente do New York Times, muitos fazem isso intencionalmente para ganhar dinheiro às custas de criminosos que consomem de forma sexualizada as imagens das crianças, chegando a produzir imagens e vídeos específicos solicitados por eles. 

A grande mentira de que ´qualquer um pode ganhar dinheiro fácil na internet´ impulsiona que cada vez mais pessoas explorem as crianças de suas famílias que, no geral, apenas ganharão um par de camisetinhas pra falar de alguma marca infantil, além de centenas de marmanjos enviando mensagens tendenciosas e abusivas para elas – o que gera “engajamento” nas redes. Um engajamento bem duvidoso, claro. 

Algumas recomendações do que precisamos saber: 

1 – Redes sociais são redes de comércio;

2 – criminosos no ambiente digital são muito mais potentes que no presencial.

Se um ladrão de carteiras rouba 8 pessoas em um dia, um golpista na internet envia mil mensagens por minuto. Por isso você, eu e todos já recebemos mais de uma tentativa de golpe seja no whatsapp, email, instagram, tiktok e qualquer rede. Por isso,

3 – Todas as pessoas em ambientes virtuais se encontrarão com criminosos;

É inevitável, se você está online um criminoso vai te encontrar e o resultado desse encontro será mais ou menos catastrófico de acordo com seu preparo. Só que aqui vem a informação mais importante. Quando um criminoso encontra um adulto, ele tenta conseguir dinheiro. Crianças em ambientes virtuais também encontrarão criminosos só que elas não têm dinheiro, então se transformam no produto. Sua imagem e ela própria podem ser comercializadas por esses criminosos online. 

Em um excelente documentário sobre o assunto – disponível gratuitamente no Youtube e que pode ser assistido com legendas em português –“Childhood 2.0”, um grupo de ativistas cronometra o tempo que leva para um adulto começar uma conversa com uma criança que acaba de criar uma conta em rede social. São exatos 1:43 segundos. Isso mesmo, um minuto e quarenta e três segundos para um criminoso perceber a presença de uma criança nova nas redes e abordá-la.

E, enquanto tudo isso acontece, crianças cada vez mais novas têm acesso a redes sem supervisão. Precisamos urgentemente que os pais e cuidadores conheçam esses perigos e orientem seus filhos. Quando dão um celular de presente pra uma criança ou adolescente, todos orientam que não percam o celular, que não deixem cair, que tenham cuidado para que não seja roubado, mas isso não é nada perto dos perigos reais nos aplicativos dentro do aparelho. 

Se você quer dar um celular para seu filho ou pra alguém, tenha em mente que precisa se preparar para falar desses assuntos sem medo e sem tabu, porque ele (ela) vai conviver com todos estes temas na palma da mão: 

  • pornografia (a média de inicio de consumo é 9 anos e sem querer)
  • violência sexual (a mais praticada nas redes contra crianças e incluo aqui os riscos dos jogos no Discord e outros aplicativos de jogos online)
  • sexualidade, desejo, namoro (a curiosidade vem e quando acharem conteúdo sobre isso precisam já estar orientados)
  • automutilação (alguns grupos tem tutoriais de como se cortar e ferir)
  • suicídio (alguns grupos estimulam e também têm tutoriais de como ferir-se)
  • grupos de ódio (que aliciam, especialmente, meninos que se sentem inadequados para cometerem violência contra si mesmos ou contra outros grupos. Somos infelizmente o país com mais células de grupos neonazistas atuando no mundo)
  • Cyberbullying

E o mais importante de tudo: diálogo. Se você não está conversando com as crianças e adolescentes, alguém está. Sempre existe um criminoso pronto pra acolher as dores e sentimentos que muitas vezes a família ignora. Então:

4 – Não adianta apenas proibir sem conversar. Mesmo que em casa não tenham acesso a redes, em algum lugar eles terão. 

Lembrem-se sempre que crianças não são propriedade da familia, são seres humanos com direito. Direito à educação digital e principalmente à educação sexual, já que a maioria dos crimes contra elas no ambiente virtual tem a ver com sexualidade. 

Somos nós, adultos, responsáveis por resguardar esses direitos. Vimos recentemente direita e esquerda juntas nos EUA pressionando as plataformas por mais segurança. Aqui precisamos deixar de lado o ´flaflu´ e começar a agir porque é inviável para as famílias cuidarem disso sozinhas. Precisamos da escola, do governo, das instituições e ONGs e urgentemente das grandes empresas e marcas que investem milhões para anunciar nessas plataformas. Elas precisam ser chamadas com urgência pra esse debate porque são elas que bancam financeiramente esse modelo de negócio e podem exigir mais segurança para todos. 

Afinal, você abriria uma loja em um shopping se na loja ao lado vendessem fotos íntimas de menores de idade? Tenho certeza que não. E por que as marcas aceitam isso no virtual?

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Sheylli Caleffi

Adianta chegar em Marte e continuar violentando as pessoas? Sheylli acredita que não! Se somos capazes de construir tantas coisas geniais podemos nos focar em um mundo mais ético pra todos! Educadora há mais de 20 anos, ela treina quem precisa falar em público e em frente às câmeras e usa suas habilidades de comunicação pra desenvolver um trabalho intenso pela erradicação da violência sexual e online. Com conteúdos nas redes e palestras por todo país, também coordena o grupo de apoio à vitimas “As incríveis mulheres que vão morrer duas vezes”.

*Site:*
sheylli.com.br

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