Dependendo de onde se vive no mundo, o cidadão pode ter mais ou menos segurança. Mas, além desse fator estar ligado a sua posição geográfica no mundo real, essa lógica também é transposta para o mundo digital. O relatório da Fairplay: childhood beyond brands publicado ontem (12/7) mostra que as crianças de todo o mundo têm acesso desigual a proteções de privacidade e aos termos e condições de plataformas como TikTok, WhatsApp e Instagram.
“O relatório Global Platforms, Partial Protections (Plataformas globais, proteção parcial) mostra que às crianças europeias são oferecidas maiores proteções por parte das plataformas digitais em comparação àquelas estendidas para as crianças brasileiras”, destaca João Francisco Coelho, advogado do Criança e Consumo, programa do Instituto Alana, organização parceira do estudo no Brasil. Um dos fatores apontados para a discrepância de cuidados está nas regulamentações que exigem a priorização dos interesses das crianças e que já estão em vigor em países como Reino Unido, Irlanda, Holanda, França e Suécia.
“Na Europa, onde esses debates estão mais avançados, vemos que crianças têm acesso a uma experiência mais protetiva nas redes do que no Sul Global, onde há ainda um déficit de regulação sobre o tema”, coloca Coelho.
A pesquisa investigou como o TikTok, o WhatsApp e o Instagram adotam políticas para verificar a idade mínima dos usuários, fornecer termos e condições em idiomas acessíveis e estabelecer as contas dos jovens como públicas ou privadas. A pesquisa foi realizada em 14 países, entre eles o Brasil, e comparou como cada medida é tomada a partir da localidade.
O TikTok, por exemplo, entrega aos jovens usuários do Reino Unido e da Suíça uma camada extra de proteção desabilitando automaticamente alguns recursos e tornando o ambiente no aplicativo mais apropriado para menos de 18 anos. A medida, no entanto, não é aplicada em nenhum outro país pesquisado. “Se alguns dos recursos do TikTok não forem seguros para os jovens, eles devem estar universalmente indisponíveis para jovens com menos de 18 anos”, diz o relatório.
Já no WhatsApp, como apontou pesquisa do Data Privacy Brasil, as crianças europeias possuem uma maior proteção contra o compartilhamento desnecessário de dados do que as crianças brasileiras ou indianas. Em resposta, a empresa afirmou por meio de sua assessoria que o aplicativo “está sujeito a diferentes leis e obrigações nos países em que atua e a política de privacidade precisa ser customizada para refletir como a empresa atende a esses requerimentos”. Leia a nota na íntegra no fim da matéria.
No Instagram, jovens de 17 anos têm visões diferentes quando criam uma conta no aplicativo do grupo Meta. Caso esteja no Reino Unido, Eslovênia ou Alemanha, a conta de um jovem de 17 anos será criada automaticamente como privada, uma medida que a própria plataforma já disse ser mais segura, justamente por impedir o contato com desconhecidos e que em 80% das vezes os jovens mantêm a rede como privada. Nos outros países, de acordo com a pesquisa, o processo não é automático, o usuário precisa escolher se quer criar uma conta pública ou privada. Procurado, o Instagram, por meio de sua assessoria, afirmou que desde o fim de 2021 incluiu a ferramenta de conta privada por padrão para usuários menores de 16 anos no Brasil.
Ainda sobre o padrão público ou privado da conta, a pesquisa indicou que o TikTok mantém como regra – exceto nos países europeus – colocar a conta dos jovens de 17 anos como pública sem questionar antes. “Medidas como essas, ainda que pareçam pequenas, auxiliam na criação de um ambiente digital menos violador da privacidade de crianças e adolescentes. A configuração de contas de jovens como privadas por padrão, por exemplo, adiciona um obstáculo à exposição excessiva dessas pessoas e as direciona a um uso mais seguro das redes, no lugar de já inseri-las nesse ambiente de maneira menos privativa. Trata-se, portanto, de medidas que trabalham no sentido da construção de um ambiente digital cujo design seja mais alinhado à privacidade e demais direitos das crianças e adolescentes”, explica João Francisco Coelho.
Outro ponto destacado no relatório diz respeito à idade mínima para os usuários acessarem as plataformas. Esse é um ponto que varia de país para país. No Brasil, por exemplo, os pesquisadores pontuam que a idade mínima para WhatsApp é de 13 anos, assim como o Instagram. Nos termos de uso da plataforma Instagram, é destacado que para utilizar a plataforma, “você deve ter pelo menos 13 anos ou a idade mínima legal em seu país”. Já a idade mínima no TikTok varia de 18 ou 16-17 com assistência dos pais ou 13-15 com consentimento dos pais.
No entanto, em países europeus como Alemanha e Finlândia a idade para usar o WhatsApp é de 16 anos. “Analisar as variações através dessa lente levanta uma questão profunda: como produtos muito semelhantes podem ser apropriados para uma criança de 13 anos de um lado da fronteira, mas não do outro?”, questiona o relatório.
Além disso, a pesquisa destaca os desafios de se controlar ou regular essa idade mínima, visto que muitas crianças abaixo da idade utilizam as plataformas. O Instagram, no entanto, anunciou mês passado que está testando novas formas de verificar a idade na rede, os testes começaram pelos Estados Unidos. Tal medida aparece depois da plataforma pausar no ano passado a construção do Instagram Kids.
A delatora do Facebook, Frances Haugen, destacou na sua vinda ao Brasil que as redes não foram pensadas para crianças e elencou perigos dessa utilização. Os documentos vazados por ela no episódio Facebook Papers apontaram que o uso do Instagram piorava pensamentos suicidas, transtornos alimentares e problemas de autoestima para jovens.
Para Haugen, que participou da apresentação de dados preliminares desse estudo, as plataformas não tomam ações por necessidade e sim por medo. Assim, ativam níveis de segurança por pressão, principalmente legislativa.
O relatório Global platforms, partial protections aponta que essas diferenças de proteção são uma forma de discriminação realizada pelo próprio design das redes e aponta recomendações para as plataformas, para a sociedade civil e para os legisladores. O texto destaca que as regulações são essenciais e indica propostas que já estão em vigor ou sendo analisadas em diversos países. “É fundamental que busquemos avanços nessas regulações e, mais do que isso, demandemos que as próprias plataformas digitais ofereçam proteção aos seus usuários jovens sem qualquer discriminação”, afirma o advogado da organização Criança e Consumo.
A pesquisa foi realizada com o apoio de pesquisadores de diversos países. No Brasil, contribuíram para a coleta de dados o projeto Criança e Consumo do Instituto Alana e o Data Privacy Br.
O que as plataformas dizem?
O *desinformante entrou em contato com as assessorias brasileiras do Instagram, TikTok e WhatsApp para questionar sobre os dados publicados na pesquisa. Veja a seguir os esclarecimentos enviados e as ações destacadas para proteção de crianças e adolescentes:
Possuímos um longo e contínuo trabalho com adolescentes, pais, especialistas e decisores políticos para o desenvolvimento de produtos e experiências que sejam apropriadas para diferentes faixas etárias.
Abaixo, algumas das principais iniciativas:
- Tornamos as contas de menores de 18 anos (e de 16 em alguns lugares) privadas por padrão ao se inscreverem no Instagram para limitar quem pode interagir e ver seu conteúdo.
- Desativamos a possibilidade de pessoas marcarem ou mencionarem adolescentes menores de 18 anos (e de 16 e alguns lugares), ou incluir seus conteúdos em Guias ou fazer Remix com seus Reels.
- Temos restrições que previnem que adultos que não sejam seguidos por um adolescente possam enviar DMs a ele no Instagram.
- Desenvolvemos tecnologia que nos permite identificar contas de adultos com comportamento potencialmente suspeito e impedir que essas contas interajam com as contas de jovens em espaços como Explorar, Reels ou “Contas Sugeridas” no Instagram.
- Também limitamos as opções dos anunciantes para alcançar jovens através de anúncios, passando a permitir somente que os anunciantes segmentem anúncios para menores de 18 anos (ou mais em alguns países) com base na idade, gênero e localização. Isso significa que as opções de segmentação disponíveis anteriormente, baseadas em interesses ou em atividades em outros aplicativos e sites, não estão mais disponíveis para os anunciantes.
Recentemente, também anunciamos que estamos testando nos Estados Unidos novas opções para verificar idade no Instagram através de documento de identidade, gravação de selfie de vídeo ou verificação de idade por meio de amigos em comum.
O WhatsApp está sujeito a diferentes leis e obrigações nos países em que atua e a política de privacidade precisa ser customizada para refletir como a empresa atende a esses requerimentos. Em todos os países em que opera, o WhatsApp continua comprometido com a privacidade das pessoas e protege todas as conversas pessoais com criptografia de ponta a ponta.
A idade mínima para usar o aplicativo está explícita nos Termos de Serviço e também em uma página dedicada ao assunto, que aponta para um canal específico para denunciar contas pertencentes a pessoas abaixo da idade estabelecida. Caso uma pessoa com idade inferior à idade mínima permitida tenha criado uma conta no WhatsApp, é possível apagar essa conta diretamente no aplicativo. Essa ação vai excluir a conta, apagar o histórico de mensagens, remover essa conta de todos os grupos dos quais ela faz parte, além de apagar o backup caso exista. O aplicativo também dispõe de mecanismos para que os usuários controlem suas configurações de privacidade além de bloquear e denunciar contatos indesejados.
É importante ressaltar que a criação de um espaço seguro para que os usuários se comuniquem uns com os outros é uma prioridade para o WhatsApp. O uso da criptografia de ponta a ponta nas comunicações pessoais entre os usuários impede que terceiros, incluindo o WhatsApp, acessem e usem indevidamente o conteúdo dessas conversas pessoais.
O Aviso de Privacidade do WhatsApp para o Brasil foi atualizado para dar visibilidade para as atividades de tratamento de dados pessoais sob a legislação brasileira e reflete práticas de transparência em níveis equivalentes ao que o WhatsApp realiza na União Europeia. O link pode ser consultado aqui. As categorias de informações utilizadas e por que e como são tratadas são detalhadas neste link. Além disso, os usuários no Brasil podem saber mais sobre como exercer os seus direitos de privacidade no WhatsApp consultando este link.