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Pontos de vista

nov 24, 2025 | Destaques, Pontos de Vista

COP da Amazônia catalisou soluções, mas Brasil ainda lida com devastação e excesso de desinformação climática

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Texto publicado originalmente no The Conversation Brasil


Por Ana Regina Rêgo, Ana Carla Mazzeto, Claudia Galhardi e Nina da Hora

A crise climática é um dos maiores desafios civilizacionais do século XXI. Suas manifestações são múltiplas e desiguais, afetando de modo intenso as regiões periféricas do capitalismo global, como o Brasil, que concentra riquezas naturais de valor inestimável, mas historicamente submetidas a dinâmicas predatórias. O país ocupa uma posição estratégica na mitigação das mudanças climáticas, mas esse potencial de liderança contrasta com uma trajetória marcada por retrocessos ambientais, desmonte institucional, conflitos fundiários e aceleração do desmatamento. A realização da COP 30 em Belém funcionou como um evento catalizador de possíveis soluções para a crise do clima, mas também de proliferação de desinformação.

O desmatamento é um dos principais vetores da crise climática no Brasil. O bioma Amazônico, responsável por regular o ciclo hidrológico continental e por sequestrar grandes volumes de CO₂, vem sendo sistematicamente degradado por práticas ilegais de grilagem, pecuária extensiva, mineração predatória e exploração madeireira. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), entre 2019 e 2021, o desmatamento anual ultrapassou os 10 mil km², representando um aumento de 56,6% em relação ao triênio anterior.

A destruição de áreas protegidas, como Terras Indígenas e Unidades de Conservação, compromete não apenas a biodiversidade, mas também os serviços ecossistêmicos essenciais à vida. Entre 2019 e 2021, o desmatamento em Terras Indígenas cresceu 153% e, nas Unidades de Conservação, 63,7%.

Em contraposição às informações do período entre 2019 e 2022, os dados mais recentes convergem para uma queda no desmatamento, mas ainda com altos índices na Amazônia e, sobretudo, no Cerrado. Segundo o sistema PRODES do INPE, a taxa estimada de desmatamento na Amazônia em 2024 foi de 6.288 km², o que representa uma redução de cerca de 30,6% em relação a 2023, alcançando o menor valor em mais de uma década; no Cerrado, o PRODES também registrou queda de 25,7% na perda de vegetação nativa em 2024, consolidando a reversão da curva de alta observada nos anos anteriores.

Na Amazônia, o Sistema de Alerta de Desmatamento-SAD do Imazon registrou uma forte redução ao longo de 2024 em comparação com 2023, com boletins que apontam, por exemplo, 119 km² desmatados em fevereiro de 2024, um queda de 64% em relação a fevereiro de 2023, e 124 km² em março de 2024, também com redução de 64% frente a março do ano anterior; em dezembro de 2024, o SAD detectou 85 km² desmatados, 21% a menos que em dezembro de 2023, evidenciando uma tendência anual de desaceleração, embora já se observe leve recrudescimento em 2025. Em fevereiro deste ano, por exemplo, houve um aumento de 2% no desmatamento em relação a fevereiro do ano anterior.

No Cerrado, o SAD Cerrado operado pelo IPAM estimou que, em 2024, foram suprimidos cerca de 712 mil hectares de vegetação nativa, uma redução de 33% em relação a 2023 (quando o bioma perdeu aproximadamente 1 milhão de hectares), mas ainda equivalente a uma área maior do que o Distrito Federal, o que mantém o bioma sob forte pressão agropecuária e climática.

Um dos conceitos centrais para compreender a gravidade da situação amazônica e de outros biomas, é o de ponto de não retorno (“tipping point”). Trata-se de um limiar crítico a partir do qual a floresta entra em colapso ecológico, perdendo sua capacidade de regeneração e transformando-se progressivamente em uma savana. Uma pesquisa publicada na Nature, em 2022, afirma que o desmatamento associado aos efeitos das mudanças climáticas – períodos estendidos e mais frequentes de seca – pode já ter feito a floresta amazônica atingir um estado de desequilíbrio irreversível, capaz de transformá-la em savana em apenas algumas décadas. Isso significa que a Amazônia perdeu 75% de sua resiliência desde o início dos anos 2000, aproximando-se do ponto de não retorno.

Nesse contexto, uma variável intermitente tem contribuído para agravar os danos à natureza no Brasil. Tal variável se consolida como um fenômeno mercadológico, coletivo e social de produção e circulação de desinformação.

Percepções públicas, lacuna informacional e desinformação sobre o clima

Apesar da crescente visibilidade da crise climática, a compreensão pública sobre suas causas e consequências ainda é limitada. Pesquisa do IBOPE aponta que, embora 77% dos brasileiros considerem o aquecimento global um tema muito importante, apenas 25% afirmam saber muito sobre o assunto. O grau de informação está diretamente relacionado à escolaridade, à faixa etária e ao acesso à internet, o que revela uma profunda desigualdade informacional.

No Brasil, a desinformação climática se articula em um complexo ecossistema de atores políticos, empresariais e midiáticos, que se utilizam das brechas comunicacionais, das desigualdades estruturais e da concentração de meios para difundir narrativas negacionistas ou relativizadoras. Como aponta o relatório Amazônia Livre de Fake, trata-se menos de uma disputa sobre o que é verdadeiro ou falso e mais uma estratégia de dominação econômica.

Esse ambiente repercute no comportamento social. Segundo a pesquisa Datafolha, de abril de 2025, embora 88% dos brasileiros reconheçam os riscos associados às mudanças climáticas, o número de negacionistas saltou de 5% em junho de 2024 para 9% em abril de 2025. Esse crescimento ocorre justamente em meio à multiplicação de eventos extremos, o que indica que o impacto da tragédia não é suficiente para gerar consenso social ou mobilização efetiva.

As plataformas digitais têm papel ativo nessa amplificação: impulsionamento pago, baixa transparência na moderação de conteúdo e facilidades para sites anônimos criarem terreno fértil para campanhas coordenadas de desinformação, além dos potenciais incentivos ofertados pelos modelos de negócios das plataformas, a partir da recomendação e da monetização.

A disputa em torno da legislação ambiental é, também, profundamente marcada por estratégias desinformativas. O relatório do Instituto Democracia em Xeque evidencia que as campanhas de descredibilização, misoginia e fake news contra autoridades ambientais buscam associar a proteção ambiental a uma suposta ameaça ao desenvolvimento, criando um falso antagonismo entre sustentabilidade e prosperidade econômica. Tal narrativa, frequentemente alimentada por interesses do agronegócio e setores industriais, reforça a legitimação da flexibilização de regras ambientais em nome de projetos considerados “estratégicos” para o país.

Um exemplo recente desses interesses e ações envolvendo atores internacionais, foi divulgado por uma reportagem do The Guardian que revelou que a ExxonMobil financiou a rede de think-tanks da Atlas Network, visando semear negacionismo climático na América Latina, com o intuito explícito de enfraquecer o apoio de países em desenvolvimento às negociações das Nações Unidas sobre clima.

O Dossiê Integridade da Informação publicado pelo Observatório da Integridade da Informação Climática apresenta a desinformação como uma nova face do financiamento para supostas soluções da crise climática, o que por si só, carrega todas as incongruências do processo e tal prática se reproduz no Brasil.

Desinformação climática no Brasil

A ubiquidade das redes digitais é um traço distintivo da desinformação climática contemporânea. Temas conspiratórios circulam entre grupos antivacina, esoterismo e discursos de “globalismo”, mostrando que o negacionismo climático integra uma ecologia comunicacional mais ampla.

A desinformação corrói a confiança pública, alimenta a polarização e o ceticismo científico, gera confusão e facilita a rejeição de consensos. Isso favorece soluções ineficazes ou danosas ao meio ambiente e dificulta políticas baseadas em evidências.

Nossa pesquisa identificou 1.312 ocorrências nas plataformas Facebook, X, YouTube e Bluesky entre junho de 2024 e junho de 2025 envolvendo meio ambiente e crise climática, que mesclam informações e desinformações. Entre os temas de maior alcance, destaca-se o negacionismo da crise/mudança climática.

O contexto brasileiro, revela-se marcado pela recorrente pauta da suposta internacionalização da Amazônia e por uma suposta antítese entre preservação e desenvolvimento, ilustra uma adaptação local das estratégias de desinformação internacional, que historicamente questionam a existência e gravidade das mudanças climáticas.

Enquanto os “ToxicTen” identificados pelo Centro de Combate ao Ódio Digital-CCDH exploram teorias conspiratórias globais sobre o aquecimento ser uma farsa orquestrada por interesses financeiros, no que se denomina de velho negacionismo, no Brasil há uma sobreposição a discursos nacionalistas que defendem a soberania territorial como elemento-chave para mobilizar o público. A conjunção entre negação climática, aceitação das mudanças, mas sem consenso sobre as consequências e protecionismo geopolítico legitima, assim, narrativas alarmistas contra comunidades tradicionais, transformando fatos científicos em tema de debate político ideológico.

A desinformação climática também se manifesta e se intensifica na banalização dos riscos de eventos extremos, secas, inundações e desertificação, que afetam de modo mais intenso as populações periféricas. Tal fenômeno tem sido observado em eventos como as cheias no Rio Grande do Sul em 2024 e o tornado em Santa Catarina em 2025. A desinformação, portanto, não é apenas uma ameaça abstrata, mas um fator real de aumento do risco social e ambiental.

Em nossa conclusão destacamos que, embora haja uma consonância de estratégias gerais e temas globais entre os desinformadores climáticos brasileiros e internacionais, a presença de elementos genuinamente nacionais, destaca a necessidade de estratégias específicas para combater eficazmente a desinformação climática no Brasil.

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Ana Regina Rêgo, Ana Carla Mazzeto, Claudia Galhardi e Nina da Hora

Ana Regina Rêgo
Professora e Vice-Coordenadora do PPGCOM, Universidade Federal do Piauí (UFPI)

Ana Carla Mazzeto
Doutoranda no Programa de Pós Graduação em Ciência da Informação, Universidade Federal Fluminense (UFF)

Claudia Galhardi
Cientista, Universidad de Salamanca

Nina da Hora
Diretora Executiva Instituto da Hora, Pesquisadora Recod.Ai Unicamp, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

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