Pela primeira vez, a Conferência das Partes (COP), principal fórum global de deliberação sobre a agenda climática, será sediada no Brasil. A COP 30 acontece em Belém (PA) e tem início nos dias 6 e 7 de novembro com a Cúpula de Líderes, quando chefes de Estado e de governo apresentam posicionamentos políticos gerais e participam de debates de alto nível sobre a crise climática. Apenas a partir do dia 10 começam as rodadas de negociação, que seguem até 21 de novembro, com foco em decisões técnicas e temas com potencial de gerar efeitos vinculantes para os países.
A divisão da COP 30 pode ser compreendida da seguinte forma:
- Cúpula de Líderes → discursos e sinalizações sobre prioridades políticas dos países
(não gera decisões formais, mas define o tom das negociações) - Agenda de Negociação → mais de 100 itens em disputa, incluindo temas como o Mecanismo Global para Transição Justa e financiamento para adaptação climática
- Agenda de Ação → compromissos voluntários, acordos bilaterais e projetos da iniciativa privada
- Agenda de Mobilização → protagonizada pela sociedade civil, com campanhas, incidência e protestos
Ao longo das duas semanas de conferência, representantes de mais de 190 partes se dividem em grupos temáticos para discutir avanços e impasses climáticos. A disputa informacional e sua relação com tecnologia, democracia e clima — tende a ocupar espaço crescente nas conversas oficiais e também nos eventos paralelos organizados pela sociedade civil. A pauta digital envolve temas como:
- Integridade da informação sobre o clima e combate ao negacionismo
- Regulação de plataformas digitais e governança do ambiente informacional
- Educação midiática e acesso a informação confiável
- Avanço e regulação da inteligência artificial aplicada à agenda ambiental
- Proteção de jornalistas ambientais e enfrentamento aos desertos de notícias
- Conectividade significativa para populações vulneráveis
Integridade da informação sobre o clima
A COP 30 marca um ponto de virada no tratamento da integridade da informação como parte da agenda climática global. O Brasil chega a Belém com uma posição já amadurecida no contexto diplomático recente. Durante sua presidência do G20, o país lançou, em uma parceria com ONU e Unesco, a Iniciativa Global pela Integridade da Informação e Mudança do Clima, voltada a promover acesso a dados confiáveis e combater o negacionismo climático. A proposta agora retorna ao centro da agenda durante a Conferência, em uma tentativa de consolidar compromissos multilaterais.
O governo brasileiro entende que informação confiável é infraestrutura da ação climática. Em entrevista ao boletim especial da COP 30, Nina Santos, secretária-adjunta de Políticas Digitais da Secom, destacou que garantir a integridade da informação é “absolutamente essencial” para enfrentar o negacionismo.
A programação da COP prevê dias temáticos exclusivamente dedicados ao assunto, nos dias 12 e 13 de novembro, com debates e painéis nas Zonas Azul e Verde envolvendo governos, especialistas, veículos de comunicação, pesquisadores e representantes da sociedade civil.
Além disso, o tema integra a Agenda de Ação da COP 30, que reúne compromissos voluntários e iniciativas multilaterais. Segundo informações divulgadas pela organização do evento, 123 iniciativas de 27 países foram aprovadas na área de integridade da informação e estão reunidas no Celeiro de Soluções, plataforma lançada pela presidência da COP para trocar boas práticas e estimular a cooperação.
O digital na agenda de mobilização
A agenda digital não está presente apenas nos espaços formais da COP 30. Na agenda de mobilização, movimentos e organizações têm preparado iniciativas que miram diretamente os desafios informacionais da crise climática, do combate ao negacionismo à garantia de conectividade para populações vulnerabilizadas.
Um dos destaques nesta frente é a Casa das ONGs, iniciativa da Associação Brasileira de ONGs (Abong), que funcionará como espaço de articulação política e encontro entre organizações da Amazônia e de outras regiões do país.
Entre as atividades que dialogam diretamente com a pauta digital, o primeiro destaque é a reunião estratégica do Projeto Nanet, no dia 12 de novembro, que reunirá organizações associadas da Abong e coletivos do campo da tecnologia. O encontro discutirá as interseções entre racismo ambiental e racismo algorítmico, buscando construir uma agenda comum que una justiça climática, justiça racial e justiça algorítmica em ações de incidência coordenadas.
Além disso, a Casa das ONGs promove uma programação diversa que aborda conectividade, acesso à informação, comunicação comunitária, tecnologias de defesa de direitos e enfrentamento à desinformação Climática, com oficinas, rodas de conversa e painéis diários. A programação completa está disponível no site da Abong.
A diretora executiva da organização, Juliane Cintra, destaca que a inclusão do digital é estratégica para ampliar a participação: “Trazer a pauta digital para dentro da Casa das ONGs é também afirmar que a incidência política precisa de instrumentos que ampliem a participação popular, fortaleçam a circulação de informações íntegras e conectem diferentes povos, países e experiências. Creio que a partir dessa conexão, a sociedade civil pode contribuir de forma estruturante para o debate climático”.
A Fundación Multitudes, do Chile, também integra a agenda de mobilização com foco no combate à desinformação digital e na proteção de mulheres defensoras de direitos humanos ambientais. A organização apresentará documento com evidências sobre como a desinformação e a violência de gênero online têm afetado defensoras no Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Peru.
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A proposta é estimular que os países adotem marcos jurídicos e operacionais que garantam segurança, acesso à informação confiável e transparência, tomando como referência o Acordo de Escazú, tratado latino-americano considerado modelo global de proteção a defensoras e defensores ambientais.
Esse debate ganha ainda mais relevância para o público brasileiro, já que a Câmara dos Deputados aprovou, nesta quarta-feira (5/11), o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 934/2021, que ratifica o Acordo de Escazú, assinado pelo Brasil em 2018 e que aguardava deliberação há seis anos. Após a aprovação, o texto segue agora para análise do Senado Federal.
Disputas atuais reforçam a urgência do debate
O avanço da desinformação sobre o clima, cada vez mais articulada em discursos políticos, torna ainda mais urgente que a COP 30 fortaleça estratégias para proteger a integridade da informação ambiental. Enquanto campanhas internacionais tentam ampliar o acesso a dados confiáveis, lideranças de destaque têm colocado em xeque consensos científicos estabelecidos há décadas.
Um dos exemplos dessa mobilização informativa vem do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), que lançou a campanha #ClimateCounts (“O Clima Conta”). A iniciativa busca contar a história das mudanças climáticas por meio de números, apresentando 30 fatos acompanhados de recursos visuais que facilitem o entendimento do público. A proposta é tornar a crise climática mais próxima, compreensível e, sobretudo, urgente, fortalecendo a conscientização e a ação coletiva, em decorrência da COP 30.
No sentido oposto, discursos negacionistas seguem ganhando espaço na política institucional. No Brasil, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) apresentou emenda ao Plano Nacional de Educação (PNE) que sugere incluir uma “multiplicidade de pontos de vista” sobre as mudanças climáticas nos currículos escolares. O parlamentar argumenta que pretende evitar “doutrinação” e defende que a escola “apresente dados, métodos e incertezas de forma responsável, distinguindo ciência de ativismo”.
A retórica está alinhada a movimentos internacionais que buscam relativizar a ciência do clima. Em setembro, na Organização das Nações Unidas, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou que as mudanças climáticas seriam “a maior farsa”, embora a comunidade científica mundial reitere que o aquecimento atual é provocado pela ação humana e comprovado por vasta literatura acadêmica.
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