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Acervo Pessoal

jul 15, 2024 | Pontos de Vista

Por onde anda a confiança na informação digital?

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O papel que as plataformas digitais de redes sociais vêm exercendo para o consumo de informação é um tema central para compreender o modo como os cidadãos formam suas opiniões e baseiam suas decisões políticas. Isso afeta, de maneiras diferentes, tanto a produção de conteúdo informativo quanto a circulação desse material – o que também traz um dilema quase que inerente ao fenômeno: por um lado, as empresas de jornalismo profissional têm amplo campo para explorar a audiência, mas, por outro, sofrem constantemente com a concorrência de perfis e canais não-profissionais e, portanto, livres de compromissos históricos e éticos do jornalismo tradicional.

O tema não é novo e é mais um dos incontáveis desafios que a mídia mainstream enfrenta para manter firme seu lugar de confiança na sociedade. Essa luta inglória é diagnosticada com mais ênfase no último estudo publicado pelo Digital News Report, do Reuters Institute for the Study of Journalism, da Universidade de Oxford. Todo ano, o Instituto avalia nuances do consumo de informação digital no mundo e, em 2024, o relatório aponta alguns aspectos que ajudam a desenhar melhor essas barreiras em meio a uma crise crescente de desconfiança epistêmica e de desinformação.

Em primeiro lugar, a pesquisa aponta que 74% dos brasileiros tem no digital sua principal fonte de informação – dado semelhante ao registrado na pesquisa “Desigualdades Informativas”, do Aláfia Lab, e na série de estudos conduzidos pela Genial/Quest entre 2021 e 2023. Esse cenário não denota somente uma mudança no modelo de negócio do jornalismo, proveniente de transformações econômicas e sociais que impactaram também outros setores, mas traz consigo a necessidade de que todos envolvidos se mantenham em processo de adaptação. São novas linguagens e práticas que continuamente exigem que a mídia corra uma maratona contra si mesma, uma vez que o público exige formatos renovados e é, ao mesmo tempo, consumidor e produtor de informação. Esse panorama não é de fácil assimilação e abre espaço para muitos erros que minam a confiança no jornalismo tradicional.

O mesmo Digital News Report aponta que os critérios que o público utiliza para guiar suas percepções de confiança na notícia são, dentre outros, histórico do veículo, os padrões jornalísticos abordados, a negatividade das informações, transparência e representatividade. Esses são fatores que se embaralham no atual cenário e, em alguma medida, abrem frestas por onde a desinformação pode ganhar corpo.

Em segundo lugar, o estudo de Oxford aponta que duas plataformas completamente diferentes se destacam no quesito consumo de notícias no Brasil: YouTube e WhatsApp. A plataforma de vídeos, como já revelado em inúmeras pesquisas, é vastamente explorada por grupos extremistas e por propagadores de desinformação. É o cenário perfeito: a rede oferece estrutura para difusão de informação, com alta capacidade de capilaridade e sustentabilidade por meio do modelo de monetização, e ubiquidade, pois está nos celulares, computadores e TVs de todo o país para ser acionado a qualquer momento. Já o WhatsApp incorpora o sentido de plataforma de embarque: as pessoas estão reunidas, trocando informação e, a partir dali, seguem outros caminhos. Esses itinerários dependem diretamente das fontes, ou seja, de quem indica, de quem publica links que levam para fora da plataforma. Os intermediários são decisivos e, mais ainda, a proximidade da fonte importa consideravelmente, como aponta a pesquisa do Aláfia Lab. Isso quer dizer que a confiança na informação reside mais na confiança de quem indica do que no veículo ou perfil que publicou ou no próprio conteúdo.

Em terceiro lugar, o Digital News Report assinala uma preocupação que é o aumento da importância de influenciadores para o consumo de notícia. Sim, de notícia. Nesse quesito, em redes como Tik Tok e Instagram, os perfis da mídia tradicional têm perdido espaço para criadores e celebridades aleatórias. Exemplos abundam, como o podcaster Joe Rogan, dos EUA, os jornalistas de celebridades Leo Dias e Hugo Gloss, no Brasil, e até Lionel Messi, na Argentina. São figuras públicas de grande alcance e engajamento que são apontados como os farois da credibilidade informacional e, como não poderia deixar de ser, possuem zero comprometimento editorial.

Esses são apenas três aspectos do atual ecossistema de mídia, de tantos outros, que ajudam a entender o porquê de a desinformação ter ganhado tanto espaço nos últimos anos. Num ambiente de constante e rápida transformação, as plataformas digitais concentram toda a atenção do público em torno de seus domínios, assegurando que a produção de informação esteja circunscrita às suas linguagens que não precisam nem pagam pedágio ao jornalismo e suas normas. Com isso, quem melhor domina as ferramentas sai na frente e cria os padrões de produção e circulação, como é o caso de inúmeros perfis extremistas no Youtube ou grupos de mesma natureza que conseguem explorar vastamente plataformas de mensageria. A partir disso, emergem à superfície novos intermediários que quebram a lógica tradicional da informação, desafiando constantemente o jornalismo e se tornando os elos mais confiáveis da cadeia informativa.

Estamos lidando com mudanças em curso que, provavelmente, não têm volta. Jogar luz sobre cada uma dessas nuances é um modo de compreender cenários e procurar soluções estratégicas mais bem alinhadas com a realidade. Se, por um lado, a desinformação ganhou esta dimensão no panorama social e político do mundo, é no digital também que surgem outras transformações e ações que podem minimizar o problema.

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Rodrigo Carreiro

Diretor de Pesquisa do Aláfia Lab, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA, mestre pela mesma instituição e especialista em Jornalismo e Convergência Midiática. Atuou durante 10 anos como assessor de comunicação e professor universitário. Atualmente é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), por onde desenvolve projeto de estágio pós-doutoral. Tem experiência na elaboração de projetos de ensino e pesquisa sobre política, comunicação, tecnologia e sociedade.

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