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jan 24, 2022 | pontos de vista

Comunicação ambiental como estratégia para além dos “aniversários das tragédias”

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No Brasil República não houve sequer um governo – ditatorial ou democrático – onde a defesa do meio ambiente tenha se sobreposto ou, ao menos, balizado as diretrizes das políticas econômicas ou de desenvolvimento.

Em Minas Gerais, tomando por base o recorte do século 21, pode-se afirmar que os seis governadores de Estado deste período, independentemente de suas colorações partidárias, estiveram a serviço do modelo de mineração adotado no país.

Em grau maior ou menor, mas sempre com maioria na Assembleia Legislativa mineira, cada um deles contribuiu de forma institucionalizada para a consolidação do que iremos chamar aqui de “Monocultura do Modelo Brasileiro de Mineração e de sua Narrativa Midiática”.

Ou seja, uma atmosfera sistêmica onde a mineração como commoditie delimitou a escolha das políticas públicas no Estado de Minas Gerais. Inclusive, daquelas que deveriam ampliar a defesa do meio ambiente, seja ele natural, cultural ou urbanístico.

Em 2002, por exemplo, ao assumir pela primeira vez o governo, Aécio Neves (PSDB) criou o Programa de Projetos Estruturadores. Na área ambiental, a prioridade era “acelerar e desburocratizar as licenças ambientais” para os grandes empreendimentos, como é o caso das mineradoras de commodities.

Durante o governo de Fernando Pimentel (PT), em 2015, flexibilizou-se o licenciamento ambiental no Estado e criou-se uma superintendência para aprovar megaempreendimentos de projetos prioritários sob a óptica política do Executivo, e não da sociedade civil atingida por esses megaempreendimentos.

O atual governador, Romeu Zema (Novo), antes mesmo de ser eleito, já defendia a terceirização das fiscalizações para as próprias empresas. Eleito, manteve a “desburocratização” como política ambiental.

Ou seja, defender o meio ambiente nunca foi política de Estado em Minas Gerais. Na verdade, no contexto da Monocultura da Mineração e de sua Narrativa, preservar e conservar são entraves para quem “gera emprego, PIB, impostos” e – por que não – ao menos por muitos anos, doações para campanhas eleitorais para o Executivo e o Legislativo.

Disputa narrativa dos desastres ambientais

Importante nortear o início dessa reflexão escancarando esse cenário negligenciado, muitas vezes, por nós mesmos, comunicadores. Na véspera de mais um “aniversário da tragédia” em Brumadinho, em 2019, provocada pelo modelo brasileiro de mineração, não há mais tempo ou desculpa para cairmos no afunilamento das discussões apenas fugazes das hardnews 2.0 ou das narrativas requentadas “das pautas de aniversários”. Não se contribui para combater ou mudar um problema secular e sistêmico com comunicação ambiental apenas de veraneio.

Desastres como os provocados pelo modelo brasileiro de mineração em Mariana (2015) e em Brumadinho (2019), seja pela magnitude das populações vitimadas e atingidas, seja pela dimensão do dano ambiental provocado, exigem uma curva longa de aprendizagem e de difícil antecipação.

Por serem eventos cujos desdobramentos, da investigação à responsabilização, se dão por meio de laudos técnicos, perícias e testemunhos, numa cadeia de  curto, médio e longo prazos, cheia de contraditórios e contra-narrativas, não há  estrutura de Estado apta a assimilar de antemão tal complexidade.

A delimitação dos direitos violados e sua reparação devida são sempre objetos de argumentação, controvérsia e disputa. Disputa, aliás, profundamente desigual. A discrepância de poderio começa no tecnicismo da linguagem, do trâmite legislativo até as notas técnicas e portarias ambientais, e termina na disparidade de ferramentas de comunicação.

Todos esses conflitos se dão marcadamente na arena discursiva, de informação e contrainformação, por meio das quais tenta-se mobilizar a opinião pública e influenciar as instituições, seja ela a Justiça, os Legislativos ou Executivos.

De um lado, a indústria internacional da mineração, escorada no mercado de capitais, com um exército de advogados, consultores, assessores de imprensa, especialistas em gestão de crise e em relações institucionais, verbas publicitárias – e seus tradicionais instrumentos de pressão e influência sobre governos, parlamentos, conselhos e mídia.

De outro, comunidades, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, academia, sindicatos, clínicas de serviços assistenciais e jurídicos, entre muitos outros, trabalhando, via de regra, sem remuneração, reconhecimento público, representação política ou visibilidade midiática.

E, para piorar, não raro sem a capacidade de entender a Comunicação Ambiental como arma para enfrentar a guerra pelo protagonismo da narrativa midiática. Existe um passivo de conhecimento que favorece os argumentos da Monocultura do Modelo Brasileiro de Mineração e sua Narrativa Midiática.

O problema fica mais complexo quando se acrescenta o componente político eleitoral. Com a má situação crônica das contas públicas do Estado brasileiro, nos três níveis de governo, somado à cultura imediatista dos nossos gestores, que precisam mostrar suas realizações em quatro anos, a pressão sobre o poder público para a liberação célere desses investimentos, desse “progresso imediato” a qualquer custo, torna-se insustentável.

Daí advém toda uma cadeia de decisões temerárias. No Executivo, com a concessão de licenças a jato, terceirizando responsabilidades e delegando atribuições. No Legislativo, com suas seguidas tentativas de flexibilizar o licenciamento ou de perdoar infratores. Nos conselhos mistos de políticas ambientais, o rolo compressor formado pelo alinhamento automático entre os órgão estatais e empresas, seja qual for a pauta.

  Direito à comunicação

O repisado argumento da relevância da atividade minerária (leia-se modelo brasileiro de mineração) para a economia de Minas Gerais e do desenvolvimento que ela traz, usada nos momentos de decisão ou de questionamentos socioambientais, é altamente discutível. Primeiro, a participação da mineração no PIB mineiro não passa de 8% e está em declínio.

Segundo, o desenvolvimento, ao menos nos indicadores oficiais, não transparece. Ao contrário, as externalidades ambientais e sociais são o que se destaca nesses municípios onde o modelo brasileiro de mineração emplaca sua monocultura narrativa.

Não se trata de impedir a atividade da extração mineral, mas sim de contestar o modelo atual do setor – predatório, irresponsável, truculento, obscuro e nada democrático. Onde o imediatismo dos lucros acionários e eleitorais se enroscam como serpentes, frente a uma resistência que lança mão de metodologias retrógradas de uso da comunicação, por exemplo.

Mas, como já foi dito, a forte penetração desses atores na esfera política e decisória torna a disputa pelo uso dos recursos naturais e suas consequências algo muito desequilibrado. Como lutar contra isso?

Em  1980, um relatório da Unesco (Relatório  McBride) chamava a atenção para um conceito pouco conhecido até os dias de hoje: o “Direito à Comunicação”. O  documento previa que os custos de circulação da informação, somado ao  acesso desigual aos espaços da comunicação, criavam assimetrias de poder que  punham em risco a própria ideia de interesse público.

O documento parece dialogar, mais de quarenta anos depois, com o calvário das pessoas condenadas a viver sob as consequências de decisões temerárias obtidas a partir do enorme poder persuasivo do modelo de mineração adotado no Brasil e sua narrativa impositiva. A primeira batalha, aqui, é pelo direito à voz. Todos os demais decorrem dele.

A ruptura da barragem da Samarco, em Mariana (2015), trouxe à tona duas constatações profundamente inquietantes. De um lado, o sucateamento dos órgãos de fiscalização e da legislação ambiental; de outro, a invisibilidade das comunidades vitimadas pelas negligências – ou seria cegueira ou cumplicidade nossa, jornalistas e profissionais da Comunicação?

Para ambos os casos, a vacina parece ser a mesma: jogar luz sobre os temas de interesse público, encontrar, decodificar e entregar boa informação, confiável, de fácil leitura e acompanhamento, formando redes de comunicação e circulação de conteúdos realmente úteis às pessoas e comunidades.  E isso, não se faz repetindo fórmulas caducas. Ou seja, menos aniversários e mais dia-a-dia.

Desde Mariana, mas sobretudo a partir de Brumadinho, Minas Gerais vem gestando uma experiência das mais interessantes em termos de mobilização social, fora das instituições de Estado, por meio da comunicação. A maneira encontrada pelas organizações da sociedade civil foi trabalhar juntas, conectadas, de forma colaborativa e horizontalizada. Afinal, é preciso ter muitos braços e olhos em todo lugar – a todo tempo.

O Observatório de Leis Ambientais (Lei.A), por exemplo, é um projeto de Comunicação Ambiental e de monitoramento legislativo criado em 2016, a partir de uma parceria com o Ministério Público de Minas Gerais, voltado à difusão de conhecimentos sobre as leis ambientais e ao monitoramento das decisões públicas na área.

De um lado, ele disponibiliza, numa única plataforma de dados georreferenciados, os principais indicadores ambientais oficiais e atualizados de todos os 853 municípios de Minas. Também monitora os fóruns decisórios, disponibilizando para consultas um acervo de mais 300 projetos de leis ambientais.

De outro, produz conteúdos acessíveis e didáticos, em várias linguagens e mídias, compartilhados por meio de uma rede de parceiros que inclui universidades, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, sindicatos e órgãos de imprensa.

O fluxo de informações é dos mais dinâmicos: quem está no centro acompanha, para quem está longe, os fóruns decisórios; quem está na ponta informa, onde a vista não alcança, o que está acontecendo.

Primeiro é preciso conhecer, então monitorar e, assim, agir contra retrocessos e por avanços ambientais. #Conheça #Monitore #Aja: essa é a metodologia aplicada pelo Lei.A para contribuir com a desmistificação de narrativas impostas, seja por interesses alheios aos coletivos ou pelo próprio passivo de conhecimento que impede o contraponto eficaz.

A maior parte do contraditório estabelecido ao atual modelo de mineração no Brasil, bem como a vocalização dos interesses comunitários e locais diante das atividades predatórias (não apenas a mineração), tem sido feito por instituições como o Lei.A, mas não só ele, que usam a Comunicação Ambiental acessível, didática e educativa, sobretudo nas redes sociais, como forma de visibilidade e mobilização.

Ao gigantismo das mineradoras, a agilidade dessas novas conexões em rede, capilarizadas por todo o território, tem permitido contraditórios discursivos e técnicos de eficiência considerável. Há circulação de conhecimento sobre trâmites legais e processos de escuta e participação, previstos na Constituição de 1988, bem como capacidade de articulação local quase instantânea. Já não se fazem retrocessos ambientais no calar da noite como antigamente. Ou, pelo menos, que não sejam denunciados logo pela manhã.

Se hoje essa articulação consegue – ao menos – jogar luz sobre os retrocessos ambientais, ainda há um longo caminho para transformar os modelos vigentes. O que demandaria um segundo passo ainda porvir: o da profissionalização do “lobby do bem” e do uso da Comunicação Ambiental como ferramenta estratégica de mobilização e expansão de forças sociais e políticas.

Na verdade, não apenas um segundo passo, mas uma caminhada inteira. Como qualquer outra ferramenta de comunicação nova, há uma série de desafios, desde saber onde estão as informações e o público nesse ambiente extremamente fragmentado, como explicar às pessoas os termos técnicos, ou como prender a atenção de quem só lê headlines. São formas novas de articulação e de comunicação em pleno desenvolvimento.

Serão suficientes? Ainda não sabemos. É possível enfrentar essa enorme máquina de propaganda, dinheiro, lobby e monocultura  de narrativa? O tempo dirá. A orfandade dessas populações em relação ao Estado teve ao menos o mérito de provocar esses experimentos de organização e debate fora das instituições. No caso do Lei.A, mérito do Ministério Público de Minas Gerais, em incentivar, apoiar e viabilizar essa nova forma de se fazer Comunicação Ambiental.

A boa nova é que essas redes têm se mostrado bem mais efetivas e eficazes que as proteções mal garantidas pelo Estado – que deveria ser o legítimo representante do interesse público, mas não é. Ou seja, ainda há muito a ser feito e desenvolvido, mas algo, definitivamente, já foi conquistado.

Tratar a Comunicação Ambiental como um processo educativo, diário, profissionalizado – e como uma ferramenta estratégica – é o primeiro passo para que não esperemos apenas os “aniversários” de tragédias e crimes para conhecer, monitorar e agir por mudanças.

 

Observatório de Comunicação e Leis Ambientais (Lei.A)

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LEI.A

Projeto de Comunicação Ambiental e de monitoramento legislativo criado em 2016, a partir de uma parceria com o Ministério Público de Minas Gerais, voltado à difusão de conhecimentos sobre as leis ambientais e ao monitoramento das decisões públicas na área.

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