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Pontos de vista

O sentido de autoproteção do cidadão em meio ao caos informacional

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Não é de hoje que a desinformação ocupa espaço central dentre as preocupações políticas no mundo. Em períodos eleitorais, então, o tema ganha outros contornos porque evidencia o impacto que exerce sobre a polarização e a radicalização da esfera pública, principalmente, pela capacidade de interferir nas escolhas políticas dos cidadãos. São questões provenientes de um olhar que muitas vezes enxerga o cidadão como passivo perante um cenário de abundância informacional. As pessoas estão realmente direcionadas a um único tipo de comportamento? De que forma nós nos implicamos no problema e, mais ainda, de que modo o próprio cidadão desenha mecanismos de autoproteção?

Do ponto de vista democrático, o regime supõe que seus indivíduos tomem livremente decisões bem informadas sobre os mais variados temas. Ter dúvidas, levantar questionamentos, buscar novas visões sobre os assuntos são atitudes não só normais, mas louváveis para manter o ambiente mais diverso e plural. Afinal, é preciso ter os meios e as oportunidades para se obter o mais amplo conhecimento sobre os fatos. Esse cenário pode parecer utópico (ou distópico) atualmente, mas na prática faz muita diferença na sensação que os cidadãos têm do próprio sistema e é, em última instância, um mecanismo que as pessoas cultivam de formas diferentes há muito tempo.

Vejamos o exemplo dessas eleições de 2024. O Google divulga semanalmente o boletim Trends Eleições, com insights e dados baseados nos termos de busca mais utilizados pelos brasileiros nesse período. Os relatórios apontam que grande parte das consultas está relacionada ao que determinado candidato fala a respeito dos adversários, com especial atenção a assuntos e tópicos “quentes” de acontecimentos da campanha. Isso significa que as pessoas estão procurando contestar fatos divulgados, informar-se melhor ou até mesmo investigar novos argumentos para sustentar suas opiniões. Somente na última semana de agosto, temas de impacto direto na vida dos paulistanos estão entre os termos mais buscados na ferramenta, a exemplo de Cracolândia, faixa azul (para uso de motocicletas) e ciclovia. 

Isso fica ainda mais evidente se olharmos com mais atenção para outras buscas recorrentes no Google. O termo “auxílio reconstrução” registrou aumento considerável dentre as buscas da ferramenta (40%), pois circula uma informação falsa de que determinadas pessoas teriam direito ao benefício que só é destinado a um grupo restrito de indivíduos que perderam tudo na tragédia do Rio Grande do Sul. Outro caso é a relação do candidato a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos com as drogas, pauta que é uma das mais buscadas na capital paulista desde 16 de agosto. O interesse advém de uma notícia falsa de que Boulos teria sido preso por porte de entorpecentes, amplamente divulgada pelo seu oponente Pablo Marçal. 

O ecossistema de informação e mídia no Brasil está preparado para responder a essas questões de forma ágil? Se as pessoas estão interessadas nesses assuntos de tal modo que gastam tempo pesquisando mais a respeito, isso exige um ecossistema de informação livre de desinformação; um ecossistema capaz de suprir essas necessidades por informação de qualidade; um ecossistema de comunicação diverso do ponto de vista dos formatos a serem oferecidos, considerando a diversidade de interesses das pessoas; em suma, um ambiente de mídia robusto o suficiente para se impor diante de ameaças de conteúdo falacioso, uma realidade que conhecemos tão bem. 

Um importante remédio para a preservação desses espaços é criar mecanismos de consolidação da confiança nos meios habituais de comunicação – tema, inclusive, já abordado anteriormente neste espaço. Não que eles devam ser os farois universais da verdade, porém são esses os espaços profissionais que lidam com informação e, portanto, requerem atuação institucional mais tangível. Mas essa confiança pode extrapolar os meios profissionais por dois motivos básicos. Primeiro, o ecossistema atual já é tomado por atores não-profissionais que produzem uma avalanche de conteúdo diariamente – e não parece estar no horizonte voltarmos atrás nesse quesito. Como criar mecanismos para que essas pessoas também sejam fontes confiáveis de informação? Segundo, a própria diversidade oferecida pelos ambientes digitais pode atuar, pelo menos a longo prazo, como vetor de consolidação de perspectivas distintas sobre as questões do mundo contemporâneo, o que levaria a mais confiança no “varejo”. Em outras palavras, se o ecossistema de vozes múltiplas e abundante em informação contribui, por um lado, para diminuir a confiança nos meios tradicionais, por outro, pode ajudar a construir reputações de nicho e desenvolvidas a partir de lógica que preserve essa relação de confiança em pequena escala.

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